A cabeça no túnel

Leandro Martins
Antes, não eram só as avestruzes que enfiavam a cabeça na areia para se esconderem ou esconderem de si o mundo em redor. Muita gente as acompanhava nesse gesto. Hoje, a moda é outra. E a moda foi inaugurada pelo sucessor de Santana Lopes na Câmara Municipal de Lisboa. Agora, para que o mundo se não veja, com o seu ror de sucessos felizes ou ameaçadores, convida-se a população a meter a cabeça... no túnel.
Com efeito, e a julgar pelo que nos dizem e mostram ter acontecido no dia 25 de Abril deste ano, 33 anos passados sobre o início da Revolução dos Cravos, as multidões não se juntaram à festa e à luta. Ao contrário, enfiaram-se no túnel do Marquês, a bizarra ideia que o Santana, que continua a andar por aí, teve quando à frente da CML e que Carmona Rodrigues herdou. Também este teve uma ideia bizarra – marcar para 25 de Abril a inauguração da horrenda obra, logo encerrada para testes. Afirmando aos jornalistas, que o cercaram e seguiram na passeata subterrânea, que a segurança estava assegurada, compreende-se mal que se feche um par de dias depois o túnel para verificar se a segurança era assegurada...
Mas passemos sobre o túnel concreto e vamos ao metafórico tema desta crónica. Jornais e TVs acharam que o 25 de Abril já não vale a pena como notícia. Os muitos milhares que desfilaram na Avenida da Liberdade, festejando Abril, recordando promessas e reivindicando o seu cumprimento – mais vale tarde que nunca – não mereceram nem foto nem destaque de primeira. Perdão – o Público mostrou um «popular» de ar triste e isolado, numa avenida vazia, segurando um cravo. As grossas foram todas para o túnel, como se lá coubesse a realidade do País.
É certamente deste tipo de comemorações, que a imprensa mostra envergonhadamente, que fala o Presidente da República, farto de solenidades de Abril. Compreende-se que Cavaco Silva, reconstrutor de monopólios e de alianças com o imperialismo, cuja governação foi marcada por graves retrocessos nas conquistas revolucionárias, se sinta fatigado com tanto Abril e, sobretudo, com aquele que todos os anos transborda nas avenidas e ruas e pracetas do País. Também ele, de mão dada com o Governo de Sócrates, pretenderia meter os portugueses num túnel. Insonorizado, de preferência.


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