Pintura borrada

Jorge Cordeiro
O anticomunismo está para o Bloco como a nata está para o leite: à mais leve distracção aí vem ao cimo. Hóspedes da casa, o preconceito e a animosidade ao PCP, por mais que se disfarcem ou contenham, acabam sempre por assomar à janela. Foi o que sucedeu pela boca de Rosas na festa de aniversário do Bloco. Segundo ele, a coisa a que pertence é aquela esquerda que se não confunde com, referindo-se ao PCP, «múmias paralíticas de um socialismo falhado». A boçalidade da expressão — tenha ela origem na insatisfação histórica que os parcos oito anos de vida que ali foi comemorar suscitem ou na frustração que a escassa audiência do evento lhe induziu — não consente atenuantes. Poder-se-ia dizer, com alguma bonomia e muita ingenuidade, que inebriado por um ambiente de família e perante o seu pequeno mundo sectário e intolerante, o homem se excedeu. Errar-se-ia. Rosas deu voz ao que inunda o pensar e agir do partido a que pertence. Por razões ideológicas – amarradas a um esquerdismo inconsequente e provocatório; por razões políticas e sociais – de pendor social-democrata, nutridas num verbalismo radical pequeno-burguês; por razões de atitude e comportamento – animadas pela inveja do que, não podendo ser, gostariam de poder parecer. A expressão carece entretanto, deixado de lado o insulto ao PCP, de duas observações. A primeira, sobre o juízo histórico que ela encerra. Mesmo desvalorizando o sentido da afirmação — considerado que seja a sua conhecida falta de rigor histórico e inclinação para a rescrita e retalho da mesma — ela é esclarecedora quanto ao ideário e posicionamento do BE. «Empalhado» que está para o Bloco o socialismo, explicado fica o que vale o termo na respectiva verborreia programática. E arredada que seja a radicalidade propagandística a que, para efeitos de alivio de consciência e pose vanguardista, o uso do termo é sujeito melhor demonstrado ficará aquele indisfarçável deslumbramento com a utopia de um capitalismo mais justo que inunda subliminarmente aquelas cabeças.
A segunda para, olhando para a contrastante compostura com que Rosas se referiu ao PS, aconselhá-lo a não despender energias em busca do que designa por «recriar o caminho do socialismo», pela singela razão de que o socialismo “moderno e democrático” que o embevece, recriado está em Portugal e na Europa (aquela mesma Europa para a qual defendem uma Constituição) pela mão incansável dos socialistas e respectivos partidos.
A revelação deixada por Louçã no evento de que o BE surgiu da ideia de criar um partido novo «sem base numa só ideologia» e onde se «juntem cores diferentes» só podia mesmo dar no que deu: uma pintura borrada.


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