Comentário

Agricultura em risco

Ilda Figueiredo
Prossegue a aplicação da última reforma da PAC- Política Agrícola Comum, com três objectivos centrais: liberalizar a produção para colocar a agricultura no âmbito da Organização Mundial do Comércio – OMC, ao serviço das multinacionais e dos grupos importadores; reduzir os apoios aos agricultores da União Europeia e à própria indústria agro-alimentar, libertando fundos comunitários para apoios aos grupos económicos e financeiros ligados a indústria de ponta; facilitar a concentração da terra, da produção e da comercialização, destruindo a agricultura familiar e reduzindo drasticamente o número de pequenos e médios agricultores. Tudo isto terá consequências cada vez mais graves, designadamente sócio-ambientais, porque obrigará ao abandono de vastas áreas do interior, sobretudo de jovens na busca de emprego, mas terá igualmente consequências na qualidade da alimentação da generalidade da população, cada vez mais confrontada com produtos alimentares produzidos longe e por processos menos adequados.
É neste contexto que, após a decisão do desligamento das ajudas à produção, surgem as propostas de reforma do vinho e das frutas e legumes. Vejamos, mais em particular, cada uma destas propostas.

A re­forma do vinho

Na sequência da aprovação, na última sessão de Estrasburgo, em 15 de Fevereiro passado, do chamado Relatório Batzeli, que inclui um conjunto de propostas sobre a próxima reforma da organização comum de mercados vitivinícola (OCM do vinho), a Comissão Europeia irá apresentar a proposta legislativa da reforma da OCM do vinho em Maio ou Junho, após as eleições francesas. Isto significa que iremos ter a sua negociação durante a Presidência Portuguesa da União Europeia, o que implica uma especial atenção dos portugueses para tudo o que se vai passar.
Ora, a verdade é que até agora a principal medida proposta na comunicação anterior da Comissão Europeia e repetida pela Comissária no debate em plenário, em meados de Fevereiro, é a insistência no arranque de 400 mil hectares de vinha, a redução da produção e, consequentemente, do emprego envolvido, o que acentuaria a desertificação de vastas zonas, como em Portugal, em benefício da concentração em grandes produtores e nas mãos das grandes empresas do vinho e do álcool, incluindo as importadoras, já que as importações de vinho estão a crescer a uma média anual de dez por cento.
Apesar de a resolução do Parlamento Europeu atenuar alguns dos aspectos mais negativos da comunicação da Comissão Europeia, admite o arranque da vinha como uma solução, tendo em conta alguns critérios, aceita o fim do apoio à destilação a prazo, não defende devidamente as explorações familiares e os agricultores com mais baixos rendimentos, e admite a entrada da agricultura no âmbito das negociações da OMC, tendo sido rejeitadas as propostas que fizemos em sentido contrário. Daí o voto contra do nosso Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica, de que somos membros.
Por isso, receamos que venha aí uma proposta de arranque em larga escala, com apoios vultuosos para incentivar os pequenos e médios agricultores ao arranque e, assim, favorecer a concentração da produção da vinha e da comercialização do vinho.
Contrapomos uma política pública de regulação para a melhoria da qualidade e aumento do rendimento dos produtores, com definição das ajudas públicas à reestruturação da vinha, ao controlo da produção, à promoção da qualidade, a atribuir mediante critérios regionalizados, com aplicação de uma «modulação» e do «plafonamento» dessas ajudas, em função das áreas e da capacidade financeira dos produtores ou empresas que se candidatem, dando particular atenção às adegas cooperativas e outras organizações de pequenos e médios vitivinicultores, mantendo ajudas comunitárias a alguns tipos de destilação, designadamente à destilação de álcool de boca. Sabemos que o fim da destilação teria implicações graves, designadamente no preço do Vinho do Porto, e deixaria de absorver excedentes.
O melhor meio de protecção do potencial produtivo da vinha e do vinho, da sua cultura, é a manutenção das práticas enológicas tradicionais, que revelam as características qualitativas do vinho, como essência natural da uva, e a rejeição da transformação do vinho num produto puramente industrial, o que implica que se proíba a importação de mostos de países terceiros.
Queremos uma outra reforma da OCM do vinho que privilegie uma vitivinicultura durável, as suas características tradicionais, a pequena e média agricultura e a agricultura familiar, o seu papel social, cultural e o seu importante contributo para o desenvolvimento regional e nacional.

A re­forma das frutas e le­gumes

Estamos perante uma situação idêntica à do vinho. A proposta, recentemente apresentada pela Comissária responsável pela agricultura, veio confirmar as piores expectativas ao propor o desligamento total das ajudas à produção. Esta questão tem também particulares implicações em Portugal, designadamente na área do tomate, em que os actuais produtores passariam a receber os apoios calculados com base num histórico, deixando de ser obrigados a manter as suas produções de tomate, podendo simplesmente manter os seus campos em boas condições agrícolas ou optar por outra cultura. Ora, como esta produção está directamente ligada à indústria de transformação, tal proposta levaria ao encerramento das fábricas e ao desemprego de mais de cinco mil trabalhadores, à perda de uma produção em que somos competitivos, e ao bloqueio ao desenvolvimento de zonas importantes do País.
Pela nossa, parte iremos lutar contra estas propostas e pela defesa da produção e do emprego.


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