O inquérito

Henrique Custódio
No passado dia 31 de Janeiro, na Alemanha, o tribunal de Munique emitiu mandatos de captura contra 13 presumíveis agentes da CIA norte-americanos suspeitos de terem preso e raptado em 31 de Dezembro de 2003, «por erro», o cidadão alemão de origem libanesa, Khaled Al-Masri, quando este entrou na Macedónia, encarcerando-o durante vários meses em instalações da CIA no Afeganistão e, segundo o próprio, sujeitando-o a tortura durante os cinco meses de cativeiro até o libertarem em 28 de Maio de 2004, algures na Albânia e sem uma explicação, como se relata noutro local desta edição. O escândalo conduziu à criação de uma comissão de inquérito no parlamento alemão, tendo as investigações revelado indícios de que o governo social-democrata de Gerhard Schröeder teve conhecimento do rapto e da prisão de Al-Masri antes da sua libertação.
Cinco dias depois, no passado dia 5 deste mês, em Portugal, Cândida Almeida, responsável do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), anunciou que «foi decidido abrir um inquérito sobre eventuais crimes de tortura, maus tratos cruéis e desumanos contra desconhecidos», acrescentando que «não tínhamos indícios nenhuns, mas agora as queixas recebidas apontam caminhos a explorar», referindo-se às denúncias apresentadas formalmente ao DCIAP pela eurodeputada Ana Gomes e pelo jornalista da Visão, Rui Costa Pinto, que recolheu nos Açores testemunhos directos de pessoas que viram prisioneiros acorrentados a circularem nas pistas da Base das Lages.
Assinale-se que esta questão dos voos da CIA transportando prisioneiros ilegais por território português há longos meses que vem sendo investigada pelo próprio Parlamento Europeu, onde uma comissão específica concluiu haver fortes suspeitas em relação a pelo menos 17 escalas realizadas em território português entre Janeiro de 2002 e Julho de 2006 por aviões ao serviço da CIA, período que cobre os Governos de Guterres (últimas semanas), de Durão Barroso, de Santana Lopes e de José Sócrates, precisamente na altura em que Luís Amado, actual ministro dos Negócios Estrangeiros, era ministro da Defesa.
A esta luz, fica bastante mais nítida a arrogante campanha do actual Governo, nomeadamente através do ministro Luís Amado, aplicada a desvalorizar e denegrir a investigação do parlamento europeu aos voos ilegais da CIA.
Só que agora – e à semelhança do que aconteceu na Alemanha -, já não é uma comissão parlamentar que anda às aranhas com dilações governamentais a iludir a questão concreta dos voos da CIA transportando prisioneiros ilegais por território europeu: é o Ministério Público português a lançar um inquérito sobre o assunto.
Encurralados pelas evidências, PS, PSD e CDS já manifestaram «apoio» à investigação judicial e até exigiram «resultados», mas o deputado comunista Jorge Machado também já pôs os pontos nos iis: «O PS, o PSD e o CDS», disse ele, «juntaram-se contra a abertura de um inquérito parlamentar proposto pelo PCP. Essa recusa só pode ter uma leitura, a de que existiu uma conivência clara dos governos portugueses com aquelas actividades criminosas».
É isso mesmo que o Ministério Público (MP) se propôs investigar. Com o pormenor de que o MP, como se sabe, apenas age quando há indícios concretos de crime, ao contrário do que, descaradamente, o Governo de José Sócrates garantia não haver...


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