Sigilo e direitos de autor sob ameaça
Não evoluíram as posições dissonantes entre o Governo e os partidos da oposição no que respeita ao Estatuto dos Jornalistas. Sigilo profissional e direitos de autor são duas matérias onde as clivagens são profundas, como evidenciou o debate parlamentar onde foram analisadas, faz amanhã oito dias, as propostas de alteração preconizadas em diplomas do Executivo, PCP e BE.
A proposta de lei fragiliza os direitos dos jornalistas
Apesar das divergências de fundo quanto àquelas duas questões, não resultou claro do debate se a bancada socialista viabilizará na generalidade os dois diplomas subscritos por deputados comunistas e bloquistas, como apelou o Sindicato dos Jornalistas em carta aberta a todos os grupos parlamentares.
Essa é uma incógnita que só será aclarada na votação a realizar hoje à tarde, altura em que ficará a saber-se o significado exacto das palavras do ministro dos Assuntos Parlamentares, quando afirma a «disponibilidade total do Governo para em sede de especialidade esclarecer todas as dúvidas».
Fragilizar direitos
Certa e sem margem para reticências, no decurso do debate, foi a divergência no que respeita ao sigilo profissional, com Augusto Santos Silva a considerar que a proposta de lei do Governo «representa um avanço» neste capítulo, enquanto o PCP, pelo contrário, vê nela demasiadas «ambiguidades».
A revelação das fontes poderá ser ordenada quando estejam em causa a «investigação de crimes graves, segurança do Estado, ou de casos graves de criminalidade organizada», defendeu o governante, contra a opinião do PCP e do BE que consideraram que a legislação devia ser mais concreta e garantir uma eficaz protecção do sigilo. «O texto apresentado pelo Governo faz depender a possibilidade de impor a quebra do sigilo recorrendo a expressões excessivamente vagas para que se possa dizer que o sigilo dos jornalistas tem de facto a protecção adequada», afirmou o deputado comunista António Filipe, para quem a proposta de lei «é mais uma peça orientada para a fragilização dos direitos dos jornalistas».
Maximizar o lucro
No que respeita aos direitos de autor, igualmente no centro da controvérsia, assistiu-se ao ministro Augusto Santos Silva, a preconizar a possibilidade de os artigos dos jornalistas «serem corrigidos nas questões formais», sob pena, alegou, «de o trabalho da redacção se tornar impossível».
Segundo o governante, a proposta do Governo «acautela os direitos de autor dos jornalistas assalariados, consagrando o justo direito a partilharem dos benefícios obtidos pelas empresas através de sucessivas reutilizações das respectivas obras», permitindo, simultaneamente, às empresas de comunicação social «tirarem pleno partido das sinergias entre diferentes meios e da difusão de informação através de várias plataformas e suportes».
Outra é a leitura da bancada comunista, que não escondeu a sua discordância face à possibilidade de utilização dos trabalhos dos jornalistas em órgãos de comunicação social diversos daqueles para os quais esses trabalhos foram elaborados.
O alegado «aproveitamento de sinergias» dentro do mesmo grupo de que falou o ministro, esse, para o PCP, não tem outro nome se não a «maximização do lucro dos grupos económicos detentores dos vários órgãos de comunicação social, com desrespeito pelos direitos legítimos dos jornalistas».
Particularmente grave, desde logo, é a possibilidade de o trabalho do jornalista ser alterado pelos seus superiores hierárquicos para efeitos de dimensionamento, de correcção linguística ou para adequação ao estilo do respectivo órgão de comunicação social.
«Abre-se a porta para que o jornalista faça um trabalho para um determinado órgão de comunicação social e depois, dentro do mesmo grupo, esse trabalho ser adaptado por outras pessoas a estilos de outros órgãos de comunicação social do mesmo grupo», advertiu António Filipe, considerando que esta situação é susceptível de «desvirtuar o trabalho do jornalista».
Acentuar desequilíbrios
Contestado pelo deputado do PCP, ainda em matéria de direitos de autor, por outro lado, foi o facto de a proposta de lei prever que durante 30 dias esse direito é pura e simplesmente inexistente, sendo que, para além desse período, tal direito é em sua opinião «gravemente fragilizado».
O parlamentar comunista, numa avaliação mais global ao texto do Governo, considerou ainda que ele vem «aumentar os deveres dos jornalistas mas não lhes vem conferir mais direitos». Com o panorama actual no sector, marcado pela concentração entre os órgãos de comunicação social, a par do aumento da precariedade no exercício da profissão e da fragilização da condição do jornalista, segundo António Filipe, qualquer reposição de equilíbrio, a dar-se, deveria ser no sentido de reforçar os direitos dos jornalistas.
Ora é esse equilíbrio que, na opinião do PCP, não só não é reposto como acentuada é a fragilização de aspectos fundamentais, a par do aumento dos deveres dos jornalistas com um regime sancionatório sem precedentes.
As propostas do PCP
No processo legislativo sobre o Estatuto dos Jornalistas, o projecto de lei do PCP circunscreve-se a dois pontos essenciais: a protecção dos direitos de autor e a protecção do direito ao sigilo sobre as fontes de informação. São propostas, algumas delas, como lembrou no debate o deputado António Filipe, que até retomam o que o PS defendeu na Legislatura anterior por ocasião da discussão de propostas do PS e PCP relativas aos direitos de autor dos jornalistas.
Trata-se, no caso dos direitos de autor, de responder a uma linha de orientação que, em nome da evolução tecnológica, pretende «tornar o trabalho do jornalista uma espécie de produto branco que as empresas proprietárias de diversos órgãos de comunicação utilizam no âmbito do respectivos grupo empresarial e onde entendam». O que significa que a adaptação às novas condições de mercado, de acordo com esta perspectiva, deverá ser feita exclusivamente à custa dos direitos de quem trabalha.
Travar esta tendência é, pois, um dos objectivos do PCP, que assim procura impedir que o jornalista seja privado da necessária protecção quanto à autoria do seus trabalhos e da legítima compensação remuneratória pela sua reutilização.
Quanto à protecção legal do direito ao sigilo sobre as fontes de informação, para a bancada comunista, falar desta questão é falar de algo «fundamental», porquanto, como foi dito, o carácter dessa protecção não pode deixar de ser visto como «verdadeira pedra de toque da liberdade de imprensa».
«Não haverá jornalismo de investigação nem haverá verdadeiramente liberdade de imprensa no dia em que os jornalistas vivam sob o receio de ter de revelar as suas fontes de informação», sublinhou António Filipe, rejeitando qualquer solução que relativize este valor.
Sindicato contesta
Aprovada em Conselho de Ministros a 1 de Junho, a proposta de lei governamental tem merecido a crítica do Sindicato dos Jornalistas
Reagindo ao seu conteúdo, a direcção do Sindicato, que acompanhou o debate das galerias do hemiciclo, considerou em comunicado que o diploma «é particularmente gravoso para os jornalistas e para a liberdade de imprensa e cede em toda a linha aos interesses exclusivamente mercantilistas».
Também as Federações Internacional e Europeia de Jornalistas, solidarizando-se com os seus camaradas portugueses, dirigiram, em Novembro passado, uma carta aos grupos parlamentares e ao ministro Augusto Santos Silva na qual expressam a sua preocupação com as propostas de alteração do Estatuto do Jornalista, admitindo recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
Essa é uma incógnita que só será aclarada na votação a realizar hoje à tarde, altura em que ficará a saber-se o significado exacto das palavras do ministro dos Assuntos Parlamentares, quando afirma a «disponibilidade total do Governo para em sede de especialidade esclarecer todas as dúvidas».
Fragilizar direitos
Certa e sem margem para reticências, no decurso do debate, foi a divergência no que respeita ao sigilo profissional, com Augusto Santos Silva a considerar que a proposta de lei do Governo «representa um avanço» neste capítulo, enquanto o PCP, pelo contrário, vê nela demasiadas «ambiguidades».
A revelação das fontes poderá ser ordenada quando estejam em causa a «investigação de crimes graves, segurança do Estado, ou de casos graves de criminalidade organizada», defendeu o governante, contra a opinião do PCP e do BE que consideraram que a legislação devia ser mais concreta e garantir uma eficaz protecção do sigilo. «O texto apresentado pelo Governo faz depender a possibilidade de impor a quebra do sigilo recorrendo a expressões excessivamente vagas para que se possa dizer que o sigilo dos jornalistas tem de facto a protecção adequada», afirmou o deputado comunista António Filipe, para quem a proposta de lei «é mais uma peça orientada para a fragilização dos direitos dos jornalistas».
Maximizar o lucro
No que respeita aos direitos de autor, igualmente no centro da controvérsia, assistiu-se ao ministro Augusto Santos Silva, a preconizar a possibilidade de os artigos dos jornalistas «serem corrigidos nas questões formais», sob pena, alegou, «de o trabalho da redacção se tornar impossível».
Segundo o governante, a proposta do Governo «acautela os direitos de autor dos jornalistas assalariados, consagrando o justo direito a partilharem dos benefícios obtidos pelas empresas através de sucessivas reutilizações das respectivas obras», permitindo, simultaneamente, às empresas de comunicação social «tirarem pleno partido das sinergias entre diferentes meios e da difusão de informação através de várias plataformas e suportes».
Outra é a leitura da bancada comunista, que não escondeu a sua discordância face à possibilidade de utilização dos trabalhos dos jornalistas em órgãos de comunicação social diversos daqueles para os quais esses trabalhos foram elaborados.
O alegado «aproveitamento de sinergias» dentro do mesmo grupo de que falou o ministro, esse, para o PCP, não tem outro nome se não a «maximização do lucro dos grupos económicos detentores dos vários órgãos de comunicação social, com desrespeito pelos direitos legítimos dos jornalistas».
Particularmente grave, desde logo, é a possibilidade de o trabalho do jornalista ser alterado pelos seus superiores hierárquicos para efeitos de dimensionamento, de correcção linguística ou para adequação ao estilo do respectivo órgão de comunicação social.
«Abre-se a porta para que o jornalista faça um trabalho para um determinado órgão de comunicação social e depois, dentro do mesmo grupo, esse trabalho ser adaptado por outras pessoas a estilos de outros órgãos de comunicação social do mesmo grupo», advertiu António Filipe, considerando que esta situação é susceptível de «desvirtuar o trabalho do jornalista».
Acentuar desequilíbrios
Contestado pelo deputado do PCP, ainda em matéria de direitos de autor, por outro lado, foi o facto de a proposta de lei prever que durante 30 dias esse direito é pura e simplesmente inexistente, sendo que, para além desse período, tal direito é em sua opinião «gravemente fragilizado».
O parlamentar comunista, numa avaliação mais global ao texto do Governo, considerou ainda que ele vem «aumentar os deveres dos jornalistas mas não lhes vem conferir mais direitos». Com o panorama actual no sector, marcado pela concentração entre os órgãos de comunicação social, a par do aumento da precariedade no exercício da profissão e da fragilização da condição do jornalista, segundo António Filipe, qualquer reposição de equilíbrio, a dar-se, deveria ser no sentido de reforçar os direitos dos jornalistas.
Ora é esse equilíbrio que, na opinião do PCP, não só não é reposto como acentuada é a fragilização de aspectos fundamentais, a par do aumento dos deveres dos jornalistas com um regime sancionatório sem precedentes.
As propostas do PCP
No processo legislativo sobre o Estatuto dos Jornalistas, o projecto de lei do PCP circunscreve-se a dois pontos essenciais: a protecção dos direitos de autor e a protecção do direito ao sigilo sobre as fontes de informação. São propostas, algumas delas, como lembrou no debate o deputado António Filipe, que até retomam o que o PS defendeu na Legislatura anterior por ocasião da discussão de propostas do PS e PCP relativas aos direitos de autor dos jornalistas.
Trata-se, no caso dos direitos de autor, de responder a uma linha de orientação que, em nome da evolução tecnológica, pretende «tornar o trabalho do jornalista uma espécie de produto branco que as empresas proprietárias de diversos órgãos de comunicação utilizam no âmbito do respectivos grupo empresarial e onde entendam». O que significa que a adaptação às novas condições de mercado, de acordo com esta perspectiva, deverá ser feita exclusivamente à custa dos direitos de quem trabalha.
Travar esta tendência é, pois, um dos objectivos do PCP, que assim procura impedir que o jornalista seja privado da necessária protecção quanto à autoria do seus trabalhos e da legítima compensação remuneratória pela sua reutilização.
Quanto à protecção legal do direito ao sigilo sobre as fontes de informação, para a bancada comunista, falar desta questão é falar de algo «fundamental», porquanto, como foi dito, o carácter dessa protecção não pode deixar de ser visto como «verdadeira pedra de toque da liberdade de imprensa».
«Não haverá jornalismo de investigação nem haverá verdadeiramente liberdade de imprensa no dia em que os jornalistas vivam sob o receio de ter de revelar as suas fontes de informação», sublinhou António Filipe, rejeitando qualquer solução que relativize este valor.
Sindicato contesta
Aprovada em Conselho de Ministros a 1 de Junho, a proposta de lei governamental tem merecido a crítica do Sindicato dos Jornalistas
Reagindo ao seu conteúdo, a direcção do Sindicato, que acompanhou o debate das galerias do hemiciclo, considerou em comunicado que o diploma «é particularmente gravoso para os jornalistas e para a liberdade de imprensa e cede em toda a linha aos interesses exclusivamente mercantilistas».
Também as Federações Internacional e Europeia de Jornalistas, solidarizando-se com os seus camaradas portugueses, dirigiram, em Novembro passado, uma carta aos grupos parlamentares e ao ministro Augusto Santos Silva na qual expressam a sua preocupação com as propostas de alteração do Estatuto do Jornalista, admitindo recorrer ao Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.