Que diria Garrett?

Aurélio Santos
Há 150 anos Almeida Garrett no seu livro «Viagens na Minha Terra» lançava a seguinte pergunta:
«Já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta - para produzir um rico?»
Um estudo da Universidade das Nações Unidas, realizado pelo World Institute for Development Economics Research, (WIDER) divulgado este mês em Helsínquia, dá uma resposta actualizada à pergunta feita por Garrett há 150 anos atrás.
É um estudo que quantifica a distribuição da riqueza à escala planetária e constitui uma boa radiografia do mundo neste final de 2006.
Segundo essa investigação, 2% dos adultos mais ricos do mundo (isto é, 37 milhões de pessoas) possuem mais de 50% da riqueza mundial, enquanto os bens de metade da população (ou seja, mais de 4 mil e 300 milhões de pessoas) não ultrapassam no seu conjunto, 1% da riqueza global.
Façam-se as contas e concluímos que cada um dos considerados ricos pelo WIDER custa em média mais de 4 milhões e 300 mil pobres.
Mas também neste caso as médias em estatística podem enganar. É que entre os 2% de «ricos» o WIDER inclui tanto os que possuem um modesto património de 1700 euros como os 499 bilionárlos que a ONU estima terem bens no valor de mais de 1.000 milhões de dólares, e os 13 milhões de milionários recenseados no ano 2000, um pouco por todo o mundo mas especialmente nos Estados Unidos, no Japão e na Europa Ocidental. Ora 1% dos mais ricos possuíam 40% dos activos globais e 10% dentre eles detinham 80% do património mundial.
A concentração da riqueza nas mãos de um punhado de bilionários e milionários não se verifica todavia apenas à escala planetária, com a brutal exploração característica do imperialismo. Regista-se também dentro dos próprios países imperialistas como os Estados Unidos ou a Inglaterra, que na União Europeia disputa com Portugal o primeiro lugar no fosso entre pobres e ricos.
É o funcionamento «normal» do sistema capitalista que reproduz estas situações e as agrava compulsivamente se não tem quem lhe faça frente.
Bem podem os sócrates de serviço anunciar em sermões de Natal que a vida vai melhorando, enquanto dão empurrões ao processo de acumulação da riqueza e do empobrecimento, com meio milhão de desempregados, abaixamento dos rendimento de agricultores, operários e empregados, redução dos serviços sociais como a saúde e o ensino, agravamento dos transportes, serviços públicos e condições de vida da população - para que cresçam tranquilamente os milhões nos bancos e enriqueçam mais ainda os milionários nativos ou cosmopolitas, à sombra da ofensiva do capital.
Garrett, se ainda cá estivesse, talvez dissesse:
- Afinal o tal Marx que eu só conheci de raspão, tinha razão com aquela teoria da concentração da riqueza e da pauperização que me parecia tão chata....


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