Inverter políticas nacionais, rejeitar o neoliberalismo europeu

A alternativa exige rupturas

Carlos Nabais
A saída da profunda crise económica e social em que se encontra o País exige uma dupla ruptura: no plano nacional, com as políticas de direita seguidas pelos sucessivos governos nas últimas décadas; no plano europeu, com as orientações federalistas e neoliberais emanadas pelo grande capital, concluiu o Encontro Nacional do PCP sobre os 20 anos de adesão de Portugal às comunidades europeias, realizado, no sábado, 16, na Baixa da Banheira.

O PCP é a única força política a proceder a um balanço sério de 20 anos de integração europeia Encontro «Portugal e a União Europeia

Vinte anos após a adesão oficial de Portugal à então CEE (Comunidades Económicas Europeias), o PCP voltou a afirmar-se como a única força política capaz de proceder a um balanço aprofundado da situação do País e à altura de avaliar os impactos produzidos pela integração europeia.
Este balanço, feito com «objectividade e consideração pelo interesse nacional», não está ao alcance dos outros partidos, desde logo, porque «seriam confrontados não só com a realidade mas também com a sua responsabilidade na situação. Preferem por isso usar a tese das inevitabilidades», notou Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, no encerramento do Encontro «Portugal e a União Europeia» (ver extractos da intervenção).
Tais «inevitabilidades» e as suas previsíveis consequências foram identificadas a tempo pelos comunistas portugueses quando, em 31 de Maio de 1980, realizaram uma conferência nacional que, como lembrou Agostinho Lopes, «determinou a sua posição política: Não ao Mercado Comum».
Seis anos antes da adesão de Portugal às comunidades, «na base da investigação realizada e não por qualquer tentativa de moldar a realidade a esquemas ou pontos de vista prefabricados», o PCP concluiu que a entrada na CCE não correspondia aos interesses do povo português e ao projecto da Revolução de Abril de um Portugal livre e independente.
Estes e outros aspectos da análise então efectuada pelos comunistas confirmaram-se plenamente ao longo dos últimos 20 anos, apesar de terem sido deliberadamente escamoteados pelas restantes forças políticas.
Ao atrelarem o País aos interesses das principais potências capitalistas da Europa, «sem qualquer avaliação séria e rigorosa», PS PSD e CDS fizeram-no «apenas na base dos seus interesses políticos mais imediatos, das suas estritas opções de classe, do seu ódio vesgo a importantes conquistas sociais e económicas de Abril», sublinhou Agostinho Lopes, membro da Comissão Política e do Secretariado do PCP.
Recordando também a Conferência Nacional «Portugal e o Mercado Comum», Fernando Sequeira, membro da Comissão de Assuntos Económicos, frisou que tal realização «constituiu à época, pelos seus objectivos e profundidade, um acto profundamente patriótico, que dignificou e dignifica o nosso Partido».
«No que concerne às grandes linhas estratégicas, as nossas previsões mostraram-se, infelizmente para o povo português, absolutamente correctas». Se os alertas feitos pelo PCP e as alternativas de desenvolvimento então propostas tivessem sido tidos em conta, «seguramente que o Pais não estaria como está hoje», afirmou Fernando Sequeira.

Realidade quantificada

No decorrer dos trabalhos do Encontro Nacional, em cerca de quatro dezenas de intervenções, ficou espelhada a difícil situação que o País atravessa, a qual, embora consequência directa das políticas de direita conduzidas pelos sucessivos governos, não pode ser dissociada do processo de integração europeia.
A análise dos dados estatísticos oficiais, efectuada por José Alberto Lourenço, membro da Comissão de Assuntos Económicos, mostra que a evolução do Produto Interno Bruto, apesar de ter permitido uma ligeira aproximação à média comunitária (de 57,6% em 1985 passou para 69,15% em 2005), apresentou ritmos irregulares em diferentes períodos, encontrando-se praticamente estagnada desde há cinco anos.
Em resultado da integração, Portugal reduziu as suas exportações e aumentou as importações, agravando-se assim o défice da balança comercial de 2,4 por cento em 1985 para 9,2 por cento em 2005. Este indicador, explicou José Lourenço, traduz «um sector produtivo mais frágil e sem capacidade de competir num mercado cada vez mais aberto».
A destruição do aparelho produtivo, iniciada nos anos 80, provocou uma vaga de desemprego que os promotores da «Europa Connosco» garantiam resolver com a adesão à CEE. Contudo, se em 1985 havia 416 mil desempregados, no final de 2005 este número elevava-se para 422 mil, segundo os números oficiais que, é sabido, não contabilizam muitas dezenas de milhares de verdadeiros desempregados.
Para os insistem em realçar o ligeiro aumento da riqueza relativa, acrescente-se que Portugal não só é o país da UE-15 com menor rendimento por habitante, como apresenta a mais elevada desigualdade na distribuição do rendimento e as maiores disparidades salariais.
«Ao longo da década 90 houve um aumento de cerca de 250 mil indivíduos observados numa situação de pobreza», referiu José Lourenço notando que, em 2000, eram «quase dois milhões os portugueses classificados como pobres». «Qualquer balanço cor-de-rosa destes vinte anos choca com esta dura e indesmentível realidade social».

Verdades obscurecidas

Embora a análise do PCP esteja solidamente assente em dados objectivos incontestáveis, é um facto que «esta realidade está obscurecida aos olhos das massas por uma sistemática campanha de desinformação e por teorizações que justificam os atentados à soberania nacional por um inultrapassável fatalismo a que os portugueses teriam necessariamente de resignar-se».
«Entre essas teorizações», observou Albano Nunes, membro da Comissão e do Secretariado, «destacam-se essencialmente duas: as que procuram convencer-nos de que a melhor forma de defender os interesses de Portugal é ceder em toda a linha às exigências externas e entregar os instrumentos de soberania em troca de uma ilusória posição no “pelotão da frente”; e as dos designados “europeístas de esquerda” que consideram caduco o conceito de estado nação e com ele sem sentido o da luta em defesa da soberania nacional.
Ambas, acrescentou Albano Nunes, «são concepções que, com mais ou menos “consciência social” e “anti-neoliberalismo” convergem na mesma posição federalista, na mesma aceitação de uma “constituição” acima das constituições nacionais, na mesma ideia de um “Europa” supranacional com as suas “políticas comuns” e transformada em superpotência, mais ou menos articulada com os EUA, com uma estratégia no plano mundial».
Neste contexto, concluiu Albano Nunes, «como sempre acontece nas questões nodais da luta de classes, o PCP rema contra a corrente. Mas, isolado no plano das principais forças políticas, o PCP está certo interpretar os interesses profundos dos trabalhadores, do povo e do País».


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