liberalização total dos correios
Nova batalha pelo serviço público
O comissário europeu responsável pelo mercado interno, o irlandês Charlie McCreevy, apresentou, na quarta-feira, 18, uma proposta que preconiza a liberalização total dos serviços postais a partir de 2009.
A liberalização do correio inferior a 50 gramas ameaça o serviço público
A liberalização do sector foi iniciada há cerca de uma década, com a abertura a empresas privadas dos envios postais com mais de 350 gramas. Este limite, estabelecido por uma directiva em 1997, viria a ser alargado, em 2003, às encomendas com mais de 100 gramas e, desde Janeiro último, apenas o correio normal, isto é, cartas com menos de 50 gramas, continua reservado aos operadores públicos, aos quais cabe garantir o acesso universal a este serviço.
O anúncio da liberalização total, ou seja, a eliminação de actividades reservadas ao operador histórico, na maioria dos casos detido total ou parcialmente pelos estados, levantou de imediato vaga de protestos, quer por parte de organizações sindicais de trabalhadores, que receiam mais desemprego e novos ataques aos direitos, quer por parte de vários estados-membros, que mostram reservas sobre a oportunidade da adopção de uma medida tão radical já daqui a dois anos.
Refira-se a propósito que mesmo nos Estados Unidos, onde a dita «concorrência» domina praticamente toda a economia, o correio normal continua a ser uma actividade exclusiva da US Postal Service, entidade pública financiada pelo governo federal.
Consciente da delicadeza da matéria, o comissário McCreevy tentou apaziguar os ânimos garantindo que a sua proposta mantém o princípio de «serviço universal», consagrado na directiva de 1997, a qual estabelece como mínimo, «uma recolha e uma distribuição ao domicílio de cada pessoa todos os dias úteis».
Para que este serviço mínimo continue a ser prestado, o comissário sugere que os estados-membros obriguem os diversos operadores a reparti-lo entre si ou optem por várias formas de financiamento, como ajudas estatais, partilha de custos ou criação de fundos de compensação. Estes últimos pressupõem que os prestadores privados em segmentos rentáveis da actividade postal passarão a contribuir com um determinado montante para o financiamento do operador responsável pelo serviço universal.
Serviço público ameaçado
Contudo, a eficácia destas propostas é duvidosa, facto que já foi apontado pela França, a Itália e a Polónia. Para estes países «McCreevy não conseguiu demonstrar que o financiamento das obrigações de serviços público será garantido após o desaparecimento das actividades reservadas» (Le Monde 18.10.06).
No mesmo sentido, os correios franceses, belgas, chipriotas, gregos, italianos, húngaros, luxemburgueses, malteses, polacos e espanhóis manifestaram, no passado dia 10, a sua apreensão face às propostas de Bruxelas.
Referindo-se às alternativas de financiamento, estas entidades salientaram que tais medidas «não foram sujeitas a qualquer teste económico ou operacional e não têm solidez jurídica suficiente», colocando assim em «perigo a extensão, a qualidade e o acesso aos serviços, dos quais beneficiam actualmente os cidadãos da União Europeia».
É óbvio que o objectivo do comissário McCreevy não era assegurar a prestação de um serviço universal a preços acessíveis á generalidade da população, mas sim responder às pressões das poderosas multinacionais do sector que têm feito investimentos na expectativa da abertura do mercado europeu.
Por exemplo, os correios privatizados alemães (Deutsche Post) têm multiplicado as aquisições no estrangeiro e encontram-se hoje em posição de força no mercado postal europeu. Explica-se assim que a Alemanha, juntamente com a Grã-Bretanha, Finlândia, Suécia e Holanda (os únicos países da UE com correios privatizados) sejam os principais impulsionadores da liberalização total do sector. Ninguém duvida de que, à semelhança do que têm feito noutras ocasiões, estes governos utilizarão toda a sua influência política para obter a aprovação da medida no parlamento europeu e o consentimento da maioria dos estados-membros.
Reestruturar para espremer lucros
Apesar de o comissário McCreevy avaliar como «muito positivos» os resultados do processo de liberalização do sector postal europeu, as profundas reestruturações operadas em alguns países, com vista à maximização dos lucros, já custaram centenas de milhares de postos de trabalho (muitos dos quais em Portugal) e resultaram numa degradação clara da oferta deste serviço público essencial.
A Alemanha fornece um dos exemplos mais elucidativos. Desde a privatização da Deutsche Post World Net (DPWN) em 1990 e até 2002, foram suprimidos cerca de 150 mil postos de trabalho (o total de efectivos baixou de 390 mil para 240 mil). Logo na primeira metade dos anos 90, a empresa separou as actividades em centros negócio (cartas, encomendas e agências). Em pouco tempo, os centros de cartas passaram de 83 para 49, enquanto 1500 dos cinco mil postos de atendimento foram sub-contratados a comerciantes (papelarias, mercearias, tabacarias, etc.).
Na mesma altura, o governo sueco decidiu colocar em concorrência os correios públicos Posten com o operador privado Citymail. Este depressa se apoderou das zonas urbanas, naturalmente, as mais rentáveis. Em 2002, a Posten encerrou todos os seus postos de atendimento, transferindo para sub-empreiteiros os serviços postais tradicionais (L´Humanité 19.10.06).
Mas também países que conservaram o serviço público de correios, como a França, têm vindo a orientar a gestão do sector para a busca de rentabilidade económica em claro prejuízo do serviços prestado às populações. Os correios gauleses (La Poste), que empregam 300 mil trabalhadores, apresentaram recentemente um plano de reestruturação, denominado «Carteiros do Futuro», que prevê a eliminação a curto prazo de 40 mil postos de trabalho. Ao mesmo tempo não se prevê a substituição de nenhum dos 140 mil trabalhadores que se irá reformar nos próximos dez anos. Os postos de atendimentos serão reduzidos.
A administração da La Poste não esconde que tudo se resume a números. Até ao final da década, o seu objectivo é alcançar uma taxa de rentabilidade de cinco por cento, ou seja, quase o dobro da que registava no início do milénio (2,8%).
É claro que esta política provoca o descontentamento das populações e o protesto dos trabalhadores. Estes últimos já anunciaram uma greve para 14 de Novembro, convocada por cinco sindicatos, para «dizer não à liberalização e à privatização, dizer não às reestruturações que provocam a destruição de milhares de postos de trabalho e degradam o serviço público em todos os sectores».
O anúncio da liberalização total, ou seja, a eliminação de actividades reservadas ao operador histórico, na maioria dos casos detido total ou parcialmente pelos estados, levantou de imediato vaga de protestos, quer por parte de organizações sindicais de trabalhadores, que receiam mais desemprego e novos ataques aos direitos, quer por parte de vários estados-membros, que mostram reservas sobre a oportunidade da adopção de uma medida tão radical já daqui a dois anos.
Refira-se a propósito que mesmo nos Estados Unidos, onde a dita «concorrência» domina praticamente toda a economia, o correio normal continua a ser uma actividade exclusiva da US Postal Service, entidade pública financiada pelo governo federal.
Consciente da delicadeza da matéria, o comissário McCreevy tentou apaziguar os ânimos garantindo que a sua proposta mantém o princípio de «serviço universal», consagrado na directiva de 1997, a qual estabelece como mínimo, «uma recolha e uma distribuição ao domicílio de cada pessoa todos os dias úteis».
Para que este serviço mínimo continue a ser prestado, o comissário sugere que os estados-membros obriguem os diversos operadores a reparti-lo entre si ou optem por várias formas de financiamento, como ajudas estatais, partilha de custos ou criação de fundos de compensação. Estes últimos pressupõem que os prestadores privados em segmentos rentáveis da actividade postal passarão a contribuir com um determinado montante para o financiamento do operador responsável pelo serviço universal.
Serviço público ameaçado
Contudo, a eficácia destas propostas é duvidosa, facto que já foi apontado pela França, a Itália e a Polónia. Para estes países «McCreevy não conseguiu demonstrar que o financiamento das obrigações de serviços público será garantido após o desaparecimento das actividades reservadas» (Le Monde 18.10.06).
No mesmo sentido, os correios franceses, belgas, chipriotas, gregos, italianos, húngaros, luxemburgueses, malteses, polacos e espanhóis manifestaram, no passado dia 10, a sua apreensão face às propostas de Bruxelas.
Referindo-se às alternativas de financiamento, estas entidades salientaram que tais medidas «não foram sujeitas a qualquer teste económico ou operacional e não têm solidez jurídica suficiente», colocando assim em «perigo a extensão, a qualidade e o acesso aos serviços, dos quais beneficiam actualmente os cidadãos da União Europeia».
É óbvio que o objectivo do comissário McCreevy não era assegurar a prestação de um serviço universal a preços acessíveis á generalidade da população, mas sim responder às pressões das poderosas multinacionais do sector que têm feito investimentos na expectativa da abertura do mercado europeu.
Por exemplo, os correios privatizados alemães (Deutsche Post) têm multiplicado as aquisições no estrangeiro e encontram-se hoje em posição de força no mercado postal europeu. Explica-se assim que a Alemanha, juntamente com a Grã-Bretanha, Finlândia, Suécia e Holanda (os únicos países da UE com correios privatizados) sejam os principais impulsionadores da liberalização total do sector. Ninguém duvida de que, à semelhança do que têm feito noutras ocasiões, estes governos utilizarão toda a sua influência política para obter a aprovação da medida no parlamento europeu e o consentimento da maioria dos estados-membros.
Reestruturar para espremer lucros
Apesar de o comissário McCreevy avaliar como «muito positivos» os resultados do processo de liberalização do sector postal europeu, as profundas reestruturações operadas em alguns países, com vista à maximização dos lucros, já custaram centenas de milhares de postos de trabalho (muitos dos quais em Portugal) e resultaram numa degradação clara da oferta deste serviço público essencial.
A Alemanha fornece um dos exemplos mais elucidativos. Desde a privatização da Deutsche Post World Net (DPWN) em 1990 e até 2002, foram suprimidos cerca de 150 mil postos de trabalho (o total de efectivos baixou de 390 mil para 240 mil). Logo na primeira metade dos anos 90, a empresa separou as actividades em centros negócio (cartas, encomendas e agências). Em pouco tempo, os centros de cartas passaram de 83 para 49, enquanto 1500 dos cinco mil postos de atendimento foram sub-contratados a comerciantes (papelarias, mercearias, tabacarias, etc.).
Na mesma altura, o governo sueco decidiu colocar em concorrência os correios públicos Posten com o operador privado Citymail. Este depressa se apoderou das zonas urbanas, naturalmente, as mais rentáveis. Em 2002, a Posten encerrou todos os seus postos de atendimento, transferindo para sub-empreiteiros os serviços postais tradicionais (L´Humanité 19.10.06).
Mas também países que conservaram o serviço público de correios, como a França, têm vindo a orientar a gestão do sector para a busca de rentabilidade económica em claro prejuízo do serviços prestado às populações. Os correios gauleses (La Poste), que empregam 300 mil trabalhadores, apresentaram recentemente um plano de reestruturação, denominado «Carteiros do Futuro», que prevê a eliminação a curto prazo de 40 mil postos de trabalho. Ao mesmo tempo não se prevê a substituição de nenhum dos 140 mil trabalhadores que se irá reformar nos próximos dez anos. Os postos de atendimentos serão reduzidos.
A administração da La Poste não esconde que tudo se resume a números. Até ao final da década, o seu objectivo é alcançar uma taxa de rentabilidade de cinco por cento, ou seja, quase o dobro da que registava no início do milénio (2,8%).
É claro que esta política provoca o descontentamento das populações e o protesto dos trabalhadores. Estes últimos já anunciaram uma greve para 14 de Novembro, convocada por cinco sindicatos, para «dizer não à liberalização e à privatização, dizer não às reestruturações que provocam a destruição de milhares de postos de trabalho e degradam o serviço público em todos os sectores».