Palpites e adivinhações

Domingos Mealha
Anteontem, um dia depois da data em que a Teixeira Duarte e os seus parceiros de consórcio deveriam ter terminado as obras de reabilitação do túnel do Rossio, soube-se que a Refer decidiu recusar a prorrogação do prazo, pedida para Novembro de 2011. Foi anunciada também, pela empresa do Grupo CP responsável pelas infra-estruturas ferroviárias, a intenção de rescindir o contrato com o consórcio a quem foi adjudicada a empreitada.
O túnel foi encerrado em Outubro de 2004, depois de ter sido detectada uma falha estrutural que punha em causa a segurança da circulação. Em Julho do ano passado, a empreitada tinha sido adjudicada por quase 32 milhões de euros e para um prazo de execução de 13,5 meses. Será que alguém é hoje capaz de, com alguma certeza, dizer, nomeadamente às dezenas de milhares de utentes da linha, quando poderão os comboios voltar à estação do Rossio? Dificilmente. Nem isso se poderá exigir, pelo menos para hoje.
Ocorreu este episódio ao mesmo tempo em que a Carris deu a conhecer aos jornalistas a sua «Rede 7», um conjunto de alterações de carreiras, percursos e horários de autocarros, que ganhou em Julho sérias críticas da organização do PCP na capital e um parecer negativo unânime da Câmara Municipal de Lisboa. A «normalização» do túnel do Rossio fazia parte dos fundamentos que, segundo a concessionária do serviço público de transporte de passageiros na cidade, justificam as mudanças decretadas para vigorarem a partir de 9 de Setembro. Também aí estavam, num quadro de adaptação da rede de autocarros à evolução dos transportes em Lisboa, as novas estações de Metro, que há-de chegar a Santa Apolónia, a Campolide e ao Aeroporto.
Difícil, igualmente, é afirmar quando tudo isto ficará concretizado. As razões alegadas para as alterações são longínquas, mas os prejuízos para os utentes serão imediatos – preveniram os comunistas da cidade. Infelizmente, não era só um palpite...
Com o aval da tutela – e copiando o modelo de propaganda de que o Governo usa e abusa, a anunciar objectivos que as suas medidas contrariam –, a Carris não permitiu qualquer discussão com os representantes da população nem dos trabalhadores da empresa.
Na fase mais recente, a administração da empresa chamou representantes das freguesias, para lhes dar a conhecer o que estava já decidido. Tal como tinha sucedido com a CML, a informação disponibilizada não foi suficiente para uma apreciação rigorosa: o objectivo principal, percebe-se, continuou a ser a propaganda. Dizer que «a frequência dos autocarros vai aumentar» é melhor, para os objectivos do Governo e dos seus homens na Carris, do que mostrar que, afinal, o que a transportadora assume como compromisso é uma redução de um minuto no intervalo às horas de ponta da manhã! Dizer que «o percurso fica coberto por outras carreiras» é mais fácil do que mostrar que será necessário fazer mais transbordos e que há bairros que ficam sem mais uma ligação. Dizer que os novos bilhetes pré-comprados não vão implicar aumento de custos é mais conveniente do que explicar que, a partir de Novembro, o cartão electrónico em que os módulos vão ser carregados terá um custo à parte do valor das viagens.
Não seria difícil adivinhar que, se tudo ficasse claro para a população utente, já os protestos soariam há mais tempo e mais dificuldades teriam o Governo e a Carris para prosseguir a política dos últimos anos: atacar o serviço público, aumentar os custos suportados pelos passageiros, reduzir os custos com os trabalhadores, tornar a empresa financeiramente apetecível para grupos privados. Não será difícil adivinhar que os protestos vão subir, à medida que a população for percebendo que, mais uma vez, depois de serem anunciadas melhorias, os utentes acabam por ficar mais mal servidos.


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