O burro, de novo...

Henrique Custódio
Com a pompa do costume, o ministro António Costa anunciou no início desta semana o projecto governamental da nova Lei das Finanças Locais (LFL). No dia seguinte, três jornais ditos de referência titulavam a coisa, sempre ao alto da primeira página:
Autarquias vão poder aliviar contribuintes de 3% do IRS, proclamava o Diário de Notícias (DN);
Municípios vão ter autonomia para baixar IRS até 3 por cento, gritava oPúblico;
Câmaras ganham poder para baixar IRS, troava o Diário Económico (DE), fazendo mesmo questão de repartir o espaço com uma foto do ministro a mexer em papéis com toda a competência.
O País que se fica por uma mirada às primeiras páginas dos escaparates terá concluído que o Governo havia decidido conceder às autarquias a «autonomia» (segundo o Público) ou o «poder» (na exuberância do DN e do DE) para «baixar o IRS», novidade ainda mais extraordinária se o País se lembrar do constante incumprimento governamental da LFL, reduzindo sempre e ainda mais os já parcos recursos financeiros descentralizados para o Poder Local.
Provavelmente, o País nem terá reparado na curiosa coincidência de os três jornais «de referência», com tiragens e coberturas nacionais, todos militando no famoso «pluralismo informativo», haverem titulado a notícia tão da mesma maneira, que praticamente o que as distingue é a distância semântica que separa os vocábulos «autonomia» e «poder».
Seja como for, todos os títulos conduziram os leitores à conclusão de que a revisão da LFL anunciada pelo ministro Costa assenta essencialmente no objectivo de dar poder às autarquias para reduzir o IRS .
Quem se dê ao trabalho de ler o interior, verificará que o próprio ministro garante isso mesmo, dizendo textualmente que a «ideia» da nova LFL «não é o Estado reduzir as transferências, mas sim introduzir maior justiça na distribuição». Sabem como? O mesmo António Costa explica no DN: «Com a anterior Lei os municípios recebiam 30,5% do total cobrado de IRS, IRC e IVA. No novo enquadramento recebem cumulativamente 25% destes três impostos» e «a isto acresce a participação, só sobre o IRS, de 5%» - sendo aqui que reside o famoso «poder» das autarquias em «diminuir o IRS» pois, segundo esta proposta, passarão a ficar com «5% sobre a colecta líquida do IRS» mas onde apenas 2% «serão fixos», dando-se às câmaras a «possibilidade» de «oferecerem aos munícipes» os 3% restantes, embora o Governo não diga onde vão depois os municípios recuperar essa verba «doada»....
Em resumo: o que o ministro Costa veio, realmente, anunciar é que a nova LFL vai cortar as transferências financeiras para as autarquias, passando-as dos actuais 30,5% do total cobrado nos impostos do IRS, IRC e IVA para uns futuros 25%, «compensando» essa perda brutal de 5,5% das receitas de três impostos com uns meros 2% de um único (o IRS), acompanhados pela quase obrigação de as câmaras prescindirem de mais 3% do mesmo IRS «a favor» dos munícipes (e eleitores, pois claro...).
De tudo isto, o que os jornais «de referência» destacaram foi o «novo poder das câmaras para baixar o IRS». Não há dúvida que a multidão de assessores de imprensa, pagos a peso de ouro como foi há dias noticiado e que enxameia o Governo de Sócrates, sempre serve para alguma coisa...
Quanto ao engenho do ministro António Costa em transformar um corte orçamental numa «justiça de distribuição», palavras para quê? Trata-se do mesmo criativo que há uns bons anos, para provar o óbvio nos engarrafamentos da Calçada de Carriche, pôs um burro a competir com um Ferrari.
Glosando um texto da época, parece que o «burro do Costa» atacou de novo...


Mais artigos de: Opinião

Agressão imperialista no Afeganistão

O Avante! noticiou há algumas semanas que o dia-a-dia das tropas invasoras no Iraque e no Afeganistão é cada vez mais um atoleiro de guerra. De Bagdad a Cabul, a resposta dos invasores face à intensificação da contestação popular e das acções da resistência armada tem-se vindo a traduzir em numerosos massacres de civis,...

Devassa da privada

O Tribunal da Relação do Porto decidiu, a 31 de Maio, que a utilização de cartões magnéticos para controlar o número de vezes que um funcionário se desloca à casa de banho, a que horas o faz e o tempo que aí se demora não constitui crime de devassa por meio informático.Segundo os juizes desembargadores que negaram...

Em Guarda, pois!

Domingo passado participei na Assembleia da Organização Regional da Guarda. Encontrei nela uma informação concreta e actualizada do efeito devastador das medidas tomadas pelo governo de Sócrates, demagogicanemte apresentadas sob o rótulo de «modernidade» e «eficiência». Como observou um dos intervenientes da Assembleia...

Aprender para o exame

Arrancaram nesta semana e prolongam-se até ao dia 3 de Julho, os exames nacionais de acesso ao ensino superior e de conclusão do ensino secundário para mais de 170.000 estudantes. Esta realidade, há muito implantada no 12º ano, por força da restrição quantitativa global de acesso ao ensino superior -conhecida por numerus...