País excelentíssimo

Anabela Fino
«A intenção é tudo», ouvi eu dizer em boa parte da minha vida aos que, como depois viria a descobrir, assim se escudavam de nada fazer ou, mais grave ainda, de só fazer o que lhes interessava, o que levava os mais avisados a alertar-me que «de boas intenções está o inferno cheio». Posso assegurar que tais ditos não se reportam a eventuais vidas futuras, que dessas não há quem regresse para dar testemunho, mas à terrena existência a que estamos fadados.
Vem isto a propósito da mais recente polémica nacional – o encerramento de uma série de maternidades – em que se extremam posições entre presumíveis bem intencionados e cépticos calejados que preferem «um pássaro na mão do que dois a voar».
O busílis da questão não está, obviamente, na intenção anunciada pelo Governo, cuja é – ou diz ser – a de garantir uma assistência de excelência a parturientes e nascituros, cumprindo assim não apenas o desígnio primeiro da assistência devida à população, mas também, e não é de somenos, fomentar o aumento da natalidade.
O problema, que parece complicar-se quanto mais explicações são aduzidas, está no facto de o Governo pretender levar a cabo tal desiderato encerrando maternidades, para concentrar os tais serviços de excelência em ‘hospitais centrais’, sendo que o centro aqui, geograficamente falando, significa as mais das vezes o litoral, ou, como no caso de Elvas, um pouco mais de interior... em Espanha.
Deixemos de lado a questão do «nacionalismo bacoco», como salvo erro lhe chamou o ministro da Saúde, ao contestar o desagrado das portuguesas face à alternativa de ir dar à luz ao país vizinho, embora pareça legítimo que as mães portuguesas prefiram ter os filhos, tal como as condições para os ter, na sua própria pátria, onde residem, trabalham e pagam impostos que é suposto serem aplicados no bem comum.
Fiquemos do lado de cá da fronteira e interroguemo-nos sobre este curioso conceito de desenvolvimento que, em nome da excelência, encerra no interior justamente os serviços susceptíveis de contribuir para a fixação da população, como é o caso das maternidades e das escolas, só para citar dois exemplos.
Diz o Governo que é por uma boa causa – a qualidade do nascimento e da educação – mas as soluções propostas não escondem o seu carácter intrinsecamente economicista e profundamente centralizador – logo, prejudicando o desenvolvimento regional –, já que a qualidade tanto pode e deve ser fomentada em Odemira, Elvas, Freixo de Espada à Cinta ou Lamego, como em Lisboa, Porto, Évora ou Coimbra. Com a diferença, nada pequena, de que ao concentrar num lado se desertifica no outro, agravando problemas de ambos os lados.
Diz o Governo, fugindo à discussão dos custos – no caso vertente melhor seria chamar-lhe investimentos –, que há falta de recursos humanos para assegurar a qualidade dos serviços hospitalares, mas em toda esta polémica não se ouviu falar uma única vez da formação de médicos e especialistas.
Diz o Governo que as mulheres passam a ter o direito de escolher o local onde vão ter os filhos, mas nega-lhes o direito de parir na sua região e aí fixar raízes.
Diz o Governo que quer qualidade e pratica uma política de ‘viva como puder, morra quando quiser’.
Num país assim, excelentíssimo, o que precisamos não é de boas intenções, é de boas políticas e de bons governantes.


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