Ninguém daria pelo lapso

José Casanova
Há cerca de duas semanas, o Público divulgou, com honras de destaque de primeira página, um artigo assinado por Donald Rumsfeld, secretário de Estado da Defesa do governo de Bush. Tratava-se, naturalmente, de uma peça de propaganda ao estilo do Pentágono, insolente e boçal, na qual os crimes contra a Humanidade perpetrados pelo imperialismo norte-americano no Iraque eram apresentados como beneméritas acções em defesa da democracia, da liberdade e dos direitos humanos. O facto não é inédito: com frequência jornais portugueses de referência são veículo de divulgação de peças de propaganda assinadas por criminosos de guerra. Powel, Cheney, Solana, Blair, entre outros, são exemplos de responsáveis pela morte de milhares de inocentes que utilizam a comunicação social portuguesa para justificar e enaltecer os crimes a que estão ligados – e sabe-se que é hábito antigo do imperialismo norte-americano utilizar os seus operacionais do crime como produtores de opinião, de forma a avalizar a opinião que o exército de comentadores e analistas políticos independentes verte todos os dias nos média portugueses.
A publicação desta peça de propaganda do Rumsfeld traz-nos à memória célebre operação, anunciada em Dezembro de 2005 pelo departamento de Defesa dos EUA, de lançamento de uma campanha de propaganda, à escala mundial, visando «melhorar a imagem dos EUA no mundo». Segundo o porta-voz do Pentágono, a campanha - para a qual Bush disponibilizou uma verba de 300 milhões de dólares – constava do fornecimento de «artigos e anúncios publicitários a televisões, rádios, jornais e sites no estrangeiro» (para além de incluir, igualmente, «a venda de T-shirts e outros objectos com o emblema dos EUA»). Para organizar e dirigir essa campanha propagandística o departamento de Defesa seleccionou três «grupos de comunicação», todos com amplas provas dadas em matéria de enaltecimento de invasões, ocupações, torturas, bombardeamentos e assassinatos em massa levados a cabo pelo imperialismo norte-americano. Um desses grupos, de seu nome «Lincoln», celebrizou-se há um ano no Iraque numa operação de suborno a jornalistas iraquianos pagando-lhes para que publicassem nos seus jornais artigos escritos por militares dos EUA, fazendo-se passar por jornalistas independentes.
Seja como for, em Portugal, o Pentágono tem a vida facilitada: se, por lapso, o texto de Rumsfeld saísse como editorial do , ninguém daria pelo lapso.


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