Uma integração contra os povos
Os Presidentes da República envolvidos no processo de integração de Portugal na União Europeia não salvaguardaram a defesa da soberania nacional, acusou, segunda-feira, Jerónimo de Sousa. «Eu não transigiria», assumiu o candidato comunista.
PS, PSD e CDS-PP convergiram no rumo federal e capitalista da CEE As várias fases de integração têm uma mesma natureza capitalista
O candidato presidencial comunista, Jerónimo de Sousa, acusa os Presidentes da República que acompanharam a integração comunitária de Portugal de terem errado por uma «ostensiva omissão relativamente a violações de iniciais e imperativos preceitos constitucionais, como os princípios que são fundacionais da Lei da República, a soberania una e indivisível da República Portuguesa e a independência nacional».
Jerónimo de Sousa, que falava no encerramento de um encontro sobre os 20 anos da adesão de Portugal à CEE, realizado em Lisboa no dia 2, afirmou que estes falharam ao não terem imposto «como era sua obrigação e dever constitucional a consulta do povo português em momentos cruciais» do processo de integração, como na adesão, na ratificação do Tratado de Maastricht ou na entrada em vigor da moeda única. O candidato comunista criticou ainda a transformação em «desígnio nacional» das soluções impostas por Bruxelas para as diversas fases da integração comunitária, «como se não fossem opções político-partidárias de possíveis e diferentes alternativas».
Para Jerónimo de Sousa, o actual Presidente, Jorge Sampaio, foi mais longe, ao defender a chamada «constituição europeia», que é, para o candidato comunista, a «imagem de marca de uma União Europeia “construída” não só à margem dos povos, mas contra eles». A própria tentativa de impor a denominação «Constituição» está, entende Jerónimo de Sousa, «irrecusavelmente associada ao projecto de construção de um Estado supranacional», cuja «constituição» prevaleceria sobre as constituições dos estados nacionais. «Com isto não pode um Presidente da República Portuguesa transigir, e eu não transigiria», assumiu, perante os aplausos da plateia.
Alguns dos principais candidatos à Presidência da República, que hoje questionam as consequências dessas orientações, lideraram ou apoiaram indefectivelmente essas políticas, recordou o também secretário-geral comunista.
Convergência prejudicou o País
Jerónimo de Sousa reservou ainda umas palavras para o PS, PSD e CDS-PP. Estes partidos, acusou, ao longo destes vinte anos, «não só convergiram nas orientações, mesmo que com variantes de posições tácticas decorrentes de se ser governo ou oposição, como participaram activamente na definição das políticas da denominada “construção europeia”».
Esta convergência foi responsável, denunciou o candidato presidencial, pela «alienação de componentes essenciais de soberania, pela falta de consulta do povo português sobre questões fundamentais, pela submissão perante as instituições da União Europeia e as grandes potências, pela aceitação de imposições e medidas negativas para o País, pela sistemática não utilização da margem de manobra de que apesar de tudo o País sempre dispôs».
Quanto ao PCP, realçou, assumiu posições e orientações distintas em todo o processo, identificando as «graves consequências económicas, sociais e políticas que adviriam da adesão» que determinaram a posição negativa do Partido em relação ao mercado comum. Posição esta, recordou, que resultou «não de uma qualquer tentativa de moldar a realidade a esquemas ou pontos de vista prefabricados», mas de uma consciente avaliação dos interesses do povo e da Revolução de Abril, bem como o «futuro de Portugal como nação livre e independente».
Na mesa, para além do candidato e secretário-geral do PCP, encontravam-se Agostinho Lopes, da Comissão Política do PCP, Carlos Costa, do Comité Central, os deputados ao Parlamento Europeu e membros do CC Ilda Figueiredo e Pedro Guerreiro e o professor universitário Avelãs Nunes.
A Europa do capital
Há uma continuidade e coerência no processo de integração Europeia desde o início, afirmou Jerónimo de Sousa no debate de segunda-feira. Sempre para servir os interesses dos grandes grupos económicos.
Para o candidato, as diferentes fases da integração não passaram de «saltos qualitativos» de um processo que mantém intacta a sua «natureza profunda de integração capitalista, intervindo nas dimensões económica, política, institucional, jurídica e militar ao serviço dos grupos capitalistas transnacionais». Em seguida, o candidato recordou que o Tratado de Roma (fundador da «comunidade») fixava já o objectivo de «generalizar a concorrência e o fim dos ditos monopólios públicos».
Os passos seguintes, destacou o candidato, foram a fixação das três «liberdades fundamentais» – circulação de pessoas, mercadorias e capitais – e a construção de um «vasto mercado liberto de todos os constrangimentos, posto sob a dominação dos capitais financeiros» (através, respectivamente, do Acto Único, por um lado, e de Maastricht e da Moeda Única, por outro).
Este caminho conheceria ainda um outro passo decisivo, em Nice, com a elaboração de uma dita «Constituição para a Europa». Esta, na opinião do candidato comunista, procurava assegurar um mecanismo institucional federal que garantisse o «comando político» das grandes potências e «constitucionalizasse» o neoliberalismo como «modelo económico e a União Europeia como bloco político-militar». Para Jerónimo de Sousa, este projecto representa o «corolário lógico de uma evolução da integração comunitária assente em três eixos estruturantes e indissociáveis – o neoliberalismo, o federalismo e o militarismo».
Portugal a recuar
Considerando que o processo de integração tem sido coberto por «engenharia política» e «manipulação propagandística», Jerónimo de Sousa destacou dois procedimentos sistemáticos: a marginalização da opinião dos povos no processo de decisão, acabando sempre por os confrontar com factos consumados e a apresentação de cada nova etapa como a «saída necessária e obrigatória». Novas etapas estas sempre anunciadas como sendo de futuros progressos sociais.
Jerónimo de Sousa recordou as «miragens» que, no plano interno, as forças político-partidárias condutoras do processo de integração foram «atirando ao povo português» nessas etapas. Diziam então que «seria ultrapassada a deficiente estrutura produtiva com uma especialização em produtos de baixo valor acrescentado e dependente». E agitavam também com as supostas «vantagens que passaríamos a ter com o alargamento dos mercados externos, com mais 300 milhões de consumidores à nossa espera» e com uma «imparável convergência» de Portugal com a União Europeia.
Mas a realidade encarregou-se de esfumar estas «idílicas miragens», destacou o candidato, lembrando que Portugal enfrenta uma «perigosa conjuntura de recessão e estagnação económicas, com um nível brutal de desemprego». E lembrou que o País viu agravarem-se o conjunto dos défices estruturais da qualificação da sua mão-de-obra, tecnológico, energético e da estrutura produtiva. O PIB por cidadão português, face à média comunitária, está hoje ao nível de 1991, denunciou.
Para o secretário-geral do PCP e candidato à Presidência da República, fica assim a nu a «insustentabilidade da convergência que tantas vezes se anunciou estar em curso». Jerónimo de Sousa afirmou que «vinte anos de fundos comunitários não chegaram para compensar os custos de 20 anos de integração», pois serviram sobretudo para «destruir o tecido produtivo e favorecer a concentração capitalista». Ficou assim claro serem incompatíveis muitas das políticas comunitárias «com as necessidades de desenvolvimento harmonioso do País, de atenuação de desigualdades sociais e assimetrias regionais», realçou.
Ilda Figueiredo
«Muitas ilusões ficaram já pelo caminho»
A deputada comunista no Parlamento Europeu, Ilda Figueiredo, interveio no debate afirmando que 20 anos depois da adesão é «possível afirmar que houve muita promessa que não foi cumprida; muitas ilusões que já ficaram pelo caminho».
Para Ilda Figueiredo, há várias formas para apreciar os vinte anos da adesão de Portugal à CEE: «Há quem olhe apenas para o balanço das comparticipações financeiras, em que é verdade que Portugal recebeu mais do que pagou directamente, o que contribuiu para a construção de auto-estradas, pontes e estádios de futebol.» Mas, destacou, «há outros balanços a fazer». E exemplificou com o balanço da realidade produtiva e da balança de transacções correntes, onde considera reflectir-se a aplicação das políticas do mercado interno e da união económica e monetária. Neste campo, avançou, «é inquestionável que temos menos indústria, menos pesca, menos agricultores e uma muito maior dependência de importações de produtos alimentares, maquinarias, materiais pesados e outros».
Para Ilda Figueiredo, logo no tratado de adesão não foram defendidas as especificidades da economia nacional. A deputada comunista considera não terem sido acautelados os enormes atrasos herdados do fascismo nem se ter tido em conta a «nova realidade democrática que as transformações revolucionárias do 25 de Abril de 1974 tinham produzido na estrutura económica e nas conquistas sociais e laborais».
Pelo contrário, afirmou. As elites do «bloco central de interesses», ansiando a recuperação de privilégios perdidos com a Revolução, «viram na adesão a possibilidade de travar ganhos populares e impedir a concretização da democracia participativa que a nossa Constituição da República consagra». E foram sendo desperdiçados fundos comunitários «por falta de uma verdadeira estratégia de desenvolvimento», envolvesse os sectores não monopolistas da economia.
Lembrando que na passagem dos 20 anos da adesão de Portugal à CEE o País atravessa uma das maiores crises de sempre, Ilda Figueiredo referiu-se ainda ao período crítico que se vive na União Europeia, após o chumbo dos povos francês e holandês à chamada «Constituição Europeia». «Mas nem isso serviu de lição», afirmou, recordando o sucedido no último Conselho Europeu sob a Presidência Britânica. O quadro financeiro aí aprovado representa uma redução de 16 por cento relativamente à Agenda 2000, «apesar de, agora, termos uma União Europeia a 25 e estarmos em vésperas de um novo alargamento para 27 Estados-membros», o que, considera a deputada do PCP, não deixa de ser um alerta para novas crises.
António Avelãs Nunes
A reverência ao «Deus-mercado»
O mercado é o único deus reconhecido pelos promotores desta integração europeia. Quem o afirma é o professor universitário António Avelãs Nunes, que participou no debate integrado na candidatura de Jerónimo de Sousa acerca dos 20 anos da adesão de Portugal à CEE. Para o professor, depois de inúmeras polémicas acerca da inclusão ou não de referências religiosas no texto da «constituição europeia», este é o único que ninguém contesta.
Avelãs Nunes sustenta que existe, desde o tratado de Roma, a teologia da «concorrência livre e não falseada». E lembrou que as normas da união salvaguardam a concorrência mesmo em caso de guerra. Para o universitário, esta «concorrência livre e não falseada» não passa de uma declaração de princípio, já que o que se pratica é, por outro lado, a «concorrência não livre e falseada», de que é exemplo claro a Directiva Bolkenstein. Ao contratar-se, em qualquer país da União trabalhadores pelo custo e condições em vigor no país de origem desses trabalhadores, é a concorrência desleal que está em causa, exemplificou. Ao nivelar-se por baixo, torna-se desleal para os trabalhadores de ambos os países.
Avelãs Nunes denunciou o recuo de direitos constante no projecto de «constituição europeia». O direito ao trabalho é substituído pela liberdade de trabalhar, e regressa o direito ao lock-out, igualando-o ao direito à greve. Para o professor universitário, estas teorizações recuam ao século XVIII, quando se considerava que trabalhador e patrão representavam duas partes iguais de um contrato.
Jerónimo de Sousa, que falava no encerramento de um encontro sobre os 20 anos da adesão de Portugal à CEE, realizado em Lisboa no dia 2, afirmou que estes falharam ao não terem imposto «como era sua obrigação e dever constitucional a consulta do povo português em momentos cruciais» do processo de integração, como na adesão, na ratificação do Tratado de Maastricht ou na entrada em vigor da moeda única. O candidato comunista criticou ainda a transformação em «desígnio nacional» das soluções impostas por Bruxelas para as diversas fases da integração comunitária, «como se não fossem opções político-partidárias de possíveis e diferentes alternativas».
Para Jerónimo de Sousa, o actual Presidente, Jorge Sampaio, foi mais longe, ao defender a chamada «constituição europeia», que é, para o candidato comunista, a «imagem de marca de uma União Europeia “construída” não só à margem dos povos, mas contra eles». A própria tentativa de impor a denominação «Constituição» está, entende Jerónimo de Sousa, «irrecusavelmente associada ao projecto de construção de um Estado supranacional», cuja «constituição» prevaleceria sobre as constituições dos estados nacionais. «Com isto não pode um Presidente da República Portuguesa transigir, e eu não transigiria», assumiu, perante os aplausos da plateia.
Alguns dos principais candidatos à Presidência da República, que hoje questionam as consequências dessas orientações, lideraram ou apoiaram indefectivelmente essas políticas, recordou o também secretário-geral comunista.
Convergência prejudicou o País
Jerónimo de Sousa reservou ainda umas palavras para o PS, PSD e CDS-PP. Estes partidos, acusou, ao longo destes vinte anos, «não só convergiram nas orientações, mesmo que com variantes de posições tácticas decorrentes de se ser governo ou oposição, como participaram activamente na definição das políticas da denominada “construção europeia”».
Esta convergência foi responsável, denunciou o candidato presidencial, pela «alienação de componentes essenciais de soberania, pela falta de consulta do povo português sobre questões fundamentais, pela submissão perante as instituições da União Europeia e as grandes potências, pela aceitação de imposições e medidas negativas para o País, pela sistemática não utilização da margem de manobra de que apesar de tudo o País sempre dispôs».
Quanto ao PCP, realçou, assumiu posições e orientações distintas em todo o processo, identificando as «graves consequências económicas, sociais e políticas que adviriam da adesão» que determinaram a posição negativa do Partido em relação ao mercado comum. Posição esta, recordou, que resultou «não de uma qualquer tentativa de moldar a realidade a esquemas ou pontos de vista prefabricados», mas de uma consciente avaliação dos interesses do povo e da Revolução de Abril, bem como o «futuro de Portugal como nação livre e independente».
Na mesa, para além do candidato e secretário-geral do PCP, encontravam-se Agostinho Lopes, da Comissão Política do PCP, Carlos Costa, do Comité Central, os deputados ao Parlamento Europeu e membros do CC Ilda Figueiredo e Pedro Guerreiro e o professor universitário Avelãs Nunes.
Outra Europa é possível
«O caminho para uma outra Europa não residirá na decisão daqueles que desde sempre dirigem a integração neoliberal, federalista e militarista», afirmou Jerónimo de Sousa. Em sua opinião, uma outra Europa é possível «pelas lutas dos trabalhadores e dos povos e pela convergência das forças do progresso e da paz».
O candidato e secretário-geral do PCP afirmou que, pela sua parte e do PCP, a luta «encetada há vinte anos por uma Europa livre união de Estados soberanos e iguais em direitos, empenhados na convergência económica e no progresso social, na promoção da paz e de uma cooperação exemplar com todos os povos do mundo, não terminou».
Jerónimo de Sousa lembrou que o ano de 2005 fica indelevelmente marcado pela derrota da dita «Constituição» pelo «Não» dos povos francês e holandês em referendos. Em sua opinião, estes povos disseram não às políticas «neoliberais, federalistas e militaristas que mergulharam a Europa na crise económica e no desemprego, agravando muitos dos problemas económicos, sociais, ambientais e culturais».
Jerónimo de Sousa destacou que as saídas para a situação criada pelo «Não» francês e holandês não passam pelo «prosseguimento do processo e pela reafirmação da natureza das suas políticas», nem tão pouco pela «reconciliação» do «Não» e do «Sim». Para o candidato, a saída exige «outros caminhos para a Europa, outro rumo para a União Europeia». Exige a ruptura com qualquer «processo constitucional» e com o neoliberalismo e «as suas receitas de liberalização e privatização». Para Jerónimo de Sousa, o neoliberalismo é incompatível com a defesa de políticas sociais.
A Europa do capital
Há uma continuidade e coerência no processo de integração Europeia desde o início, afirmou Jerónimo de Sousa no debate de segunda-feira. Sempre para servir os interesses dos grandes grupos económicos.
Para o candidato, as diferentes fases da integração não passaram de «saltos qualitativos» de um processo que mantém intacta a sua «natureza profunda de integração capitalista, intervindo nas dimensões económica, política, institucional, jurídica e militar ao serviço dos grupos capitalistas transnacionais». Em seguida, o candidato recordou que o Tratado de Roma (fundador da «comunidade») fixava já o objectivo de «generalizar a concorrência e o fim dos ditos monopólios públicos».
Os passos seguintes, destacou o candidato, foram a fixação das três «liberdades fundamentais» – circulação de pessoas, mercadorias e capitais – e a construção de um «vasto mercado liberto de todos os constrangimentos, posto sob a dominação dos capitais financeiros» (através, respectivamente, do Acto Único, por um lado, e de Maastricht e da Moeda Única, por outro).
Este caminho conheceria ainda um outro passo decisivo, em Nice, com a elaboração de uma dita «Constituição para a Europa». Esta, na opinião do candidato comunista, procurava assegurar um mecanismo institucional federal que garantisse o «comando político» das grandes potências e «constitucionalizasse» o neoliberalismo como «modelo económico e a União Europeia como bloco político-militar». Para Jerónimo de Sousa, este projecto representa o «corolário lógico de uma evolução da integração comunitária assente em três eixos estruturantes e indissociáveis – o neoliberalismo, o federalismo e o militarismo».
Portugal a recuar
Considerando que o processo de integração tem sido coberto por «engenharia política» e «manipulação propagandística», Jerónimo de Sousa destacou dois procedimentos sistemáticos: a marginalização da opinião dos povos no processo de decisão, acabando sempre por os confrontar com factos consumados e a apresentação de cada nova etapa como a «saída necessária e obrigatória». Novas etapas estas sempre anunciadas como sendo de futuros progressos sociais.
Jerónimo de Sousa recordou as «miragens» que, no plano interno, as forças político-partidárias condutoras do processo de integração foram «atirando ao povo português» nessas etapas. Diziam então que «seria ultrapassada a deficiente estrutura produtiva com uma especialização em produtos de baixo valor acrescentado e dependente». E agitavam também com as supostas «vantagens que passaríamos a ter com o alargamento dos mercados externos, com mais 300 milhões de consumidores à nossa espera» e com uma «imparável convergência» de Portugal com a União Europeia.
Mas a realidade encarregou-se de esfumar estas «idílicas miragens», destacou o candidato, lembrando que Portugal enfrenta uma «perigosa conjuntura de recessão e estagnação económicas, com um nível brutal de desemprego». E lembrou que o País viu agravarem-se o conjunto dos défices estruturais da qualificação da sua mão-de-obra, tecnológico, energético e da estrutura produtiva. O PIB por cidadão português, face à média comunitária, está hoje ao nível de 1991, denunciou.
Para o secretário-geral do PCP e candidato à Presidência da República, fica assim a nu a «insustentabilidade da convergência que tantas vezes se anunciou estar em curso». Jerónimo de Sousa afirmou que «vinte anos de fundos comunitários não chegaram para compensar os custos de 20 anos de integração», pois serviram sobretudo para «destruir o tecido produtivo e favorecer a concentração capitalista». Ficou assim claro serem incompatíveis muitas das políticas comunitárias «com as necessidades de desenvolvimento harmonioso do País, de atenuação de desigualdades sociais e assimetrias regionais», realçou.
Ilda Figueiredo
«Muitas ilusões ficaram já pelo caminho»
A deputada comunista no Parlamento Europeu, Ilda Figueiredo, interveio no debate afirmando que 20 anos depois da adesão é «possível afirmar que houve muita promessa que não foi cumprida; muitas ilusões que já ficaram pelo caminho».
Para Ilda Figueiredo, há várias formas para apreciar os vinte anos da adesão de Portugal à CEE: «Há quem olhe apenas para o balanço das comparticipações financeiras, em que é verdade que Portugal recebeu mais do que pagou directamente, o que contribuiu para a construção de auto-estradas, pontes e estádios de futebol.» Mas, destacou, «há outros balanços a fazer». E exemplificou com o balanço da realidade produtiva e da balança de transacções correntes, onde considera reflectir-se a aplicação das políticas do mercado interno e da união económica e monetária. Neste campo, avançou, «é inquestionável que temos menos indústria, menos pesca, menos agricultores e uma muito maior dependência de importações de produtos alimentares, maquinarias, materiais pesados e outros».
Para Ilda Figueiredo, logo no tratado de adesão não foram defendidas as especificidades da economia nacional. A deputada comunista considera não terem sido acautelados os enormes atrasos herdados do fascismo nem se ter tido em conta a «nova realidade democrática que as transformações revolucionárias do 25 de Abril de 1974 tinham produzido na estrutura económica e nas conquistas sociais e laborais».
Pelo contrário, afirmou. As elites do «bloco central de interesses», ansiando a recuperação de privilégios perdidos com a Revolução, «viram na adesão a possibilidade de travar ganhos populares e impedir a concretização da democracia participativa que a nossa Constituição da República consagra». E foram sendo desperdiçados fundos comunitários «por falta de uma verdadeira estratégia de desenvolvimento», envolvesse os sectores não monopolistas da economia.
Lembrando que na passagem dos 20 anos da adesão de Portugal à CEE o País atravessa uma das maiores crises de sempre, Ilda Figueiredo referiu-se ainda ao período crítico que se vive na União Europeia, após o chumbo dos povos francês e holandês à chamada «Constituição Europeia». «Mas nem isso serviu de lição», afirmou, recordando o sucedido no último Conselho Europeu sob a Presidência Britânica. O quadro financeiro aí aprovado representa uma redução de 16 por cento relativamente à Agenda 2000, «apesar de, agora, termos uma União Europeia a 25 e estarmos em vésperas de um novo alargamento para 27 Estados-membros», o que, considera a deputada do PCP, não deixa de ser um alerta para novas crises.
António Avelãs Nunes
A reverência ao «Deus-mercado»
O mercado é o único deus reconhecido pelos promotores desta integração europeia. Quem o afirma é o professor universitário António Avelãs Nunes, que participou no debate integrado na candidatura de Jerónimo de Sousa acerca dos 20 anos da adesão de Portugal à CEE. Para o professor, depois de inúmeras polémicas acerca da inclusão ou não de referências religiosas no texto da «constituição europeia», este é o único que ninguém contesta.
Avelãs Nunes sustenta que existe, desde o tratado de Roma, a teologia da «concorrência livre e não falseada». E lembrou que as normas da união salvaguardam a concorrência mesmo em caso de guerra. Para o universitário, esta «concorrência livre e não falseada» não passa de uma declaração de princípio, já que o que se pratica é, por outro lado, a «concorrência não livre e falseada», de que é exemplo claro a Directiva Bolkenstein. Ao contratar-se, em qualquer país da União trabalhadores pelo custo e condições em vigor no país de origem desses trabalhadores, é a concorrência desleal que está em causa, exemplificou. Ao nivelar-se por baixo, torna-se desleal para os trabalhadores de ambos os países.
Avelãs Nunes denunciou o recuo de direitos constante no projecto de «constituição europeia». O direito ao trabalho é substituído pela liberdade de trabalhar, e regressa o direito ao lock-out, igualando-o ao direito à greve. Para o professor universitário, estas teorizações recuam ao século XVIII, quando se considerava que trabalhador e patrão representavam duas partes iguais de um contrato.