Semear ventos, colher tempestades
A situação de violência que se vive em França desde há duas semanas é motivo de justificada preocupação e de não menos legítima perplexidade.
Preocupação, porque um fenómeno com tais proporções não pode ser considerado fortuito, o que significa que a sua compreensão exige uma análise profunda, desprovida de demagogia e sem preconceitos, às causas que lhe estão na origem. Tamanha vaga de tumultos, tendo por protagonistas jovens de naturalidade francesa mas de facto nascidos e criados sob o estigma da sua ascendência imigrante, não pode deixar de estar relacionada com a forma como a França os acolheu e educou, dando-lhes como perspectiva de vida o estatuto de cidadão de segunda, condenados ao desemprego, à miséria e à exclusão social.
Não se trata aqui de desculpabilizar a violência, mas tão só de a contextualizar, tendo presente que foi o próprio ministro francês do Interior, Nicolas Sarkozy, quem incendiou os ânimos ao afirmar ser necessário «limpar a escumalha» dos subúrbios de Paris, após ter mandado a polícia investir contra uma mesquita em resposta aos primeiros protestos.
Pouco importa o que desencadeou a tormenta. As proporções da sublevação mostram que a revolta está desde há muito em efervescência e que bastaria um tição para a fazer explodir.
Haverá quem pense que estes jovens, filhos de imigrantes, deviam agradecer todos os dias a benesse de poder viver na Europa, aceitando com gratidão as migalhas que lhes são destinadas, desde os bairros degradados aos empregos que mais ninguém quer, porque na «terra deles» a vida é bem pior. Esquecem-se tais piedosas criaturas - as primeiras a exigir mão pesada na repressão - que a «terra deles» é esta Europa que lhes explorou os pais acreditando ter nos filhos a mão-de-obra de reserva para perpetuar a exploração, e que ao primeiro sinal de motim corre a cerrar fronteiras.
A perplexidade que esta situação suscita prende-se, por seu turno, com a aparente incapacidade do governo francês em pôr termo aos tumultos. O mesmo governo de direita que cortou nas verbas destinadas às questões sociais, agravando as assimetrias, mantém em funções o ministro Sarkozy, cujas aspirações à Presidência são conhecidas, e que não desdenharia em fazer engrossar a sua base de apoio com as hostes xenófobas e de quantos clamam por uma política de repressão em nome de segurança. Quanto ao primeiro-ministro Dominique Villepin, também a sonhar com o seu futuro político, ao 11.º dia autorizou a imposição do recolher obrigatório e fala agora num vasto programa de apoio financeiro aos «bairros difíceis», destinado sobretudo a escolas e habitações.
Será um acaso, mas dá que pensar.
Preocupação, porque um fenómeno com tais proporções não pode ser considerado fortuito, o que significa que a sua compreensão exige uma análise profunda, desprovida de demagogia e sem preconceitos, às causas que lhe estão na origem. Tamanha vaga de tumultos, tendo por protagonistas jovens de naturalidade francesa mas de facto nascidos e criados sob o estigma da sua ascendência imigrante, não pode deixar de estar relacionada com a forma como a França os acolheu e educou, dando-lhes como perspectiva de vida o estatuto de cidadão de segunda, condenados ao desemprego, à miséria e à exclusão social.
Não se trata aqui de desculpabilizar a violência, mas tão só de a contextualizar, tendo presente que foi o próprio ministro francês do Interior, Nicolas Sarkozy, quem incendiou os ânimos ao afirmar ser necessário «limpar a escumalha» dos subúrbios de Paris, após ter mandado a polícia investir contra uma mesquita em resposta aos primeiros protestos.
Pouco importa o que desencadeou a tormenta. As proporções da sublevação mostram que a revolta está desde há muito em efervescência e que bastaria um tição para a fazer explodir.
Haverá quem pense que estes jovens, filhos de imigrantes, deviam agradecer todos os dias a benesse de poder viver na Europa, aceitando com gratidão as migalhas que lhes são destinadas, desde os bairros degradados aos empregos que mais ninguém quer, porque na «terra deles» a vida é bem pior. Esquecem-se tais piedosas criaturas - as primeiras a exigir mão pesada na repressão - que a «terra deles» é esta Europa que lhes explorou os pais acreditando ter nos filhos a mão-de-obra de reserva para perpetuar a exploração, e que ao primeiro sinal de motim corre a cerrar fronteiras.
A perplexidade que esta situação suscita prende-se, por seu turno, com a aparente incapacidade do governo francês em pôr termo aos tumultos. O mesmo governo de direita que cortou nas verbas destinadas às questões sociais, agravando as assimetrias, mantém em funções o ministro Sarkozy, cujas aspirações à Presidência são conhecidas, e que não desdenharia em fazer engrossar a sua base de apoio com as hostes xenófobas e de quantos clamam por uma política de repressão em nome de segurança. Quanto ao primeiro-ministro Dominique Villepin, também a sonhar com o seu futuro político, ao 11.º dia autorizou a imposição do recolher obrigatório e fala agora num vasto programa de apoio financeiro aos «bairros difíceis», destinado sobretudo a escolas e habitações.
Será um acaso, mas dá que pensar.