A fantasia

Henrique Custódio
Falando em Viana do Castelo no âmbito de uma iniciativa com o nome «Governo Presente», o Primeiro-Ministro José Sócrates não perdeu tempo a mostrar como está presente, o seu Executivo.
Sobre a proposta feita há dias pela CGTP-IN de se aumentar o salário mínimo para 500 euros no prazo de cinco anos, disse ele liminarmente: «É uma proposta absolutamente demagógica e fantasista».
Para que não sobrasse dúvida de que ele próprio não sofria das mesmas e tão absolutas maleitas que acometiam a proposta da central sindical, acrescentou que «temos que ter contenção ao nível dos custos salariais, porque isso é muito importante para a nossa economia» (o que deve constituir a mais demagógica banalidade utilizada pelo patronato em geral e cada Governo em particular), além de que «uma tão súbita variação nos salários só traria mais desemprego e aumento da inflação» (o que só pode entender-se como uma enorme fantasia, porque a alternativa é ser um monumental embuste).
Na verdade, como se explica no interior deste número – onde se pormenoriza esta proposta da CGTP-IN -, a recusa do Primeiro-Ministro em aceitar o aumento para 500 euros até 2010 sob o argumento de que «uma tão súbita variação nos salários só traria mais desemprego e aumento da inflação» constitui uma falácia tão evidente que se torna grosseira, além de necessariamente deliberada, pois José Sócrates não é um ignorante qualquer.
É, logo à partida, uma falácia porque a proposta da CGTP-IN aponta o aumento gradual para 500 euros num prazo de cinco anos mas do ordenado mínimo e não, como maliciosamente afirma o Primeiro-Ministro, «uma súbita variação nos salários» em geral.
Acresce – como José Sócrates está farto de saber – que o ordenado mínimo não é nenhuma «esmola» ou subsídio, mas uma remuneração salarial igual a qualquer outra auferida a troco de trabalho realizado (diferente, só mesmo na sua exiguidade em comparação com as outras remunerações do trabalho), tendo sido criado com a intenção expressa de «assegurar a protecção dos trabalhadores contra os baixos salários», como afirma a Convenção 131 da OIT de 1970.
O que aconteceu nos últimos 15 anos – como também demonstra a CGTP-IN – é que se degradou a relação entre o salário mínimo e o salário médio no sector privado e os números estão aí, incontornáveis, a mostrá-lo: em 1990, o salário mínimo tinha um valor equivalente a 59,4% do salário médio (perto dos 60%, como determina a Carta Social Europeia), enquanto em 2005 este valor já é na ordem dos 50%. Isto significa uma única coisa, curta e grossa: a evolução do salário mínimo nestes 15 anos desceu continuamente em comparação com o salário médio, exactamente ao contrário do que se acordou por unanimidade em 1990.
Na concertação social desse ano foi aceite pelo Governo e por todas as organizações sindicais e patronais o principio de que o salário mínimo devia ter uma evolução superior à média dos salários.
O que a CGTP-IN agora propõe é, muito modestamente, a recuperação faseada ao longo de cinco anos do que toda a gente já havia acordado há 15, em relação ao mais humilde dos salários – tão humilde que, nos seus 374 euros actuais, dá vontade de pôr o Sr. Primeiro-Ministro a viver dele durante apenas um mês.
Isto só para lhe perguntar, um mês depois, se ainda achava o aumento para 500 euros e daqui a cinco anos «uma proposta absolutamente demagógica e fantasista»...


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