Jerónimo de Sousa nas Jornadas Parlamentares

«É possível um orçamento diferente»

O Secretário-Geral do PCP acusou o Governo de «enganosa premeditação» nas promessas eleitorais que fez em Fevereiro último. De todas, só uma parece ser para cumprir: a de barrar qualquer iniciativa que garanta a imediata despenalização do aborto, afirmou Jerónimo de Sousa.

«Há o risco de o País regressar à recessão»

Esta foi uma das ideias que marcaram o seu discurso na sessão de abertura das Jornadas Parlamentares do PCP realizadas no final da passada semana em Odivelas.
«Não deixa de ser significativo que o PS se tenha permitido a uma manifestação da mais pura hipocrisia ao vir jurar fidelidade aos seus compromissos eleitorais para não rever a actual Lei do Aborto no preciso momento em que apresenta um Orçamento de Estado que é a antítese das suas solenes proclamações eleitorais», considerou o dirigente comunista, fazendo notar que nem mesmo nesta matéria, e perante o adiamento sucessivo de uma solução para o flagelo do aborto clandestino, «o PS e a sua maioria têm a coragem de romper com a direita».

A mesma política

É essa «linha de continuidade com políticas anteriores» prejudiciais ao país e os portugueses que está de resto bem vincada no OE para 2006, tal como nele estão presentes a falta de transparência e os mesmos truques que caracterizaram os orçamentos dos governos anteriores.
«O orçamento que apregoa credibilidade assenta afinal a sua projecção de crescimento da economia numa previsão de crescimento das exportações de 5,8% que é pouco credível, sobretudo se tivermos em conta que este ano ela será de apenas 1,2% e que não se avançam razões para tal aumento», observou o dirigente do PCP, acrescentando:
«A verdade é que não há qualquer elemento indicativo de recuperação da actividade económica e muito menos se vislumbra qualquer tendência de inversão no processo de contínuo agravamento da nossa balança comercial.
Como não se vêem neste orçamento razões que alimentem tal expectativa. Pelo contrário, não há nesta proposta de Orçamento qualquer resposta, quer com medidas, quer com investimento, à imperiosa necessidade de impulsionar o crescimento económico».
Desmontado por Jerónimo de Sousa foi, por outro lado, o que considerou serem «planos» e «intenções» anunciadas mas não concretizadas cujo fito é alimentarem a máquina propagandística do Executivo de José Sócrates.
«Desde que tomou posse que o Governo tem vindo a anunciar, quase ao ritmo de um por mês, grandes planos e programas de investimento com o declarado objectivo de “estimular a economia”.
Enunciados em catadupa utilizando o velho truque de os projectar para toda e legislatura para impressionar, confirma-se que a sua apresentação era mais o resultado da necessidade política de fazer esquecer os aumentos de impostos e o ataque aos direitos dos trabalhadores do obter qualquer resultado prático ou de promover qualquer impacto na dinamização do investimento e do crescimento económico», denunciou o Secretário-Geral do PCP, exemplificando com o que sucede desde o novo programa Prime aos chamados PIN.
Apresentados como sendo de «Potencial Interesse Nacional, do Programa de Investimentos em Infra-estruturas Prioritárias (PIIN) ao Programa Nacional de Acção para o Crescimento e Emprego 2005/2008, até ao Plano Tecnológico mil vezes falado e sempre adiada a sua apresentação», tais projectos, sublinhou, «não só não tiveram qualquer reflexo na dinamização da actividade económica no presente ano, como inexplicavelmente não têm, como seria de supor, qualquer expressão adicional ou significativa no investimento previsto no Orçamento para 2006».

Cortes no investimento

Abordando depois não a realidade ficcionada pelo Governo mas já a realidade concreta do orçamento, Jerónimo de Sousa criticou com dureza as opções por aquele tomadas, condenando, nomeadamente, os «abruptos cortes no investimento público» e a falta de acções concretas para a dinamização da economia.
Alertou para a difícil negociação do novo Quadro Comunitário de Apoio 2007-2013 – há o risco de «uma importante perda de fundos para Portugal», caso sejam aprovadas as propostas da Comissão Europeia – e atacou o Governo PS por, devido à sua obsessão pelo défice, ter apresentado um orçamento com o qual corre o risco não só de «fazer regressar o País à recessão» como de se enredar «nesse círculo vicioso das medidas restritivas que, tal como no passado com o PSD, acabará pior agravar o défice».
Verberadas por Jerónimo de Sousa foram também a falta de credibilidade e transparência do OE, bem como as privatizações que o Governo tem na calha em sectores e serviços fundamentais como o da energia (GALP, EDP, REN), dos transportes e da gestão da água.
E, a este propósito, inquiriu: «O que são estas privatizações se não o abdicar ou limitar instrumentos fundamentais de intervenção do Estado em importantes sectores da economia, no quadro de serviços e bens públicos essenciais à vida das populações, abdicando ao mesmo tempo de receitas de dividendos que estas empresas geram e que passarão a ser embolsados por privados ?».
E concluiu: «São afinal operações que prejudicam o interesse colectivo mas que da mesma forma lesam o Estado nos rendimentos que deixará de ter no futuro».

Insistir no erro

Depois de criticar o não cumprimento da lei das finanças locais, acusando o Governo de ter escondido o facto até à realização das eleições autárquicas, Jerónimo de Sousa salientou que nem tudo no OE tem a marca da falta de transparência.
Outros aspectos há, sem qualquer dúvida «absolutamente transparentes». Deles também falou o dirigente comunista, exemplificando:
«É um orçamento que vai continuara a aprofundar a divergência com o crescimento médio da União Europeia;
É um orçamento de aumento do desemprego mesmo nas previsões do governo, atirando para o baú do esquecimento os 150 mil postos de trabalho prometidos.
É um orçamento que continua a apontar a restrição dos salários como suposta via para o reforço da nossa competitividade. Um orçamento que vai manter a linha de penalização de salários da administração pública, apontando o caminho aos patrões do sector privado, um orçamento da retirada de direitos e de acentuação da precariedade».
E prosseguiu: «Aqueles que duvidavam dos nossos alertas, quando afirmávamos que o ataque aos trabalhadores da função pública era o primeiro patamar de um ataque mais global contra todos os trabalhadores dos outros sectores, têm neste orçamento e na intervenção conjugada da acção do governo e do grande patronato uma concludente prova.
Os apelos de Teixeira dos Santos à contenção salarial em uníssono com as grandes conferações patronais não configuram apenas um ataque aos rendimentos de todos os trabalhadores assalariados, mas a perspectiva de perpetuar um modelo de desenvolvimento assente nos baixos salários e a afirmação da competitividade da nossa economia à custa dos salários».

Novas ameaças

Das Jornadas Parlamentares do PCP pela voz de Jerónimo de Sousa saiu ainda um veemente alerta sobre novos perigos e ameaças aos direitos laborais e sociais: «Digam o que disserem o que se prepara é uma segunda cruzada contra o trabalho assalariado e os fundamentos do nosso sistema de protecção dos seus direitos, mobilizando todos os recursos, dos ideológicos, à chantagem e à pressão, com Fernando Ulrich e a Associação Portuguesa de Bancos na linha da frente a apontar o caminho do “ novo modelo social” que propõem para o futuro, com as suas propostas de despedimentos selvagens, de desmantelamento dos SAMS, de eliminação das garantias de progressão na carreira e do direito à remuneração corresponde».
Igualmente na forja, avisou o líder comunista, está «um novo assalto» no sentido da «antecipação do período de transição de aplicação da nova fórmula de cálculo das pensões», em paralelo com a «alteração das regras do subsídio de desemprego, o aumento dos impostos aos reformados com pensões superiores a 7 500 euros e com a proposta que mantém em carteira para aplicar no momento oportuno relativa ao aumento da idade da reforma para os trabalhadores do sector privado».
Denunciadas com vigor pelo Secretário-Geral do PCP como traços fortes deste OE foram, por outro lado, a «persistente linha de ataque aos rendimentos do trabalho que se agrava com o forte aumento dos preços dos bens essenciais, dos transportes, dos impostos indirectos e dos juros», bem como «a contínua degradação da Administração Pública», com a «entrega de serviços públicos a privados com prejuízo e gastos acrescidos dos utentes».

Ataque à Segurança Social

Criticado, por último, foi o facto de o orçamento «voltar a não cumprir a Lei de Bases da Segurança Social nas transferências para o seu fundo de capitalização», ao mesmo tempo que o Governo «retoma o discurso da insustentabilidade do sistema para cortar nos direitos e reduzir os ainda debilitados níveis de protecção social».
«Ao contrário do que se propala não são as reformas que colocam em risco o sistema público de protecção social, mas o crescente desemprego, consequência das desastrosas políticas macroeconómicas submetidas ao pacto de estabilidade, os baixos salários e a sua subdeclaração, tal como a existência de uma elevada e florescente economia clandestina», enfatizou Jerónimo de Sousa, responsabilizando também as «políticas de subfinanciamento do sistema bem patente na dívida acumulada ao longo de décadas a que em meados deste ano ultrapassavam os 3 200 milhões de euros e à qual se associa a falta de cumprimento do Estado das suas obrigações de financiamento da Acção Social e dos regimes não contributivos».
Numa clara mensagem de confiança, Jerónimo de Sousa reiterou por fim a convicção de que «é possível um orçamento diferente», sem o país «resignado ao cumprimento cego das orientações do défice», capaz de «ultrapassar a crise económica e social», com o desenvolvimento «acompanhado por uma melhor distribuição da riqueza, por melhores salários e por reformas mais justas», defendendo e melhorando a administração pública como instrumento essencial «para servir melhor os cidadãos, aumentar a justiça social e potenciar o progresso geral de Portugal».


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