A concertação presidencial

Leandro Martins
A procissão está a sair do adro, com a apresentação da candidatura de Cavaco Silva. Se não considerarmos as candidaturas «folclóricas», que costumam servir apenas para a promoção de figuras mais ou menos adormecidas durante os períodos entre campanhas eleitorais, o «elenco» de concorrentes às presidenciais está completo, a não ser que, como diz Marcelo nos seus maliciosos comentários de «independente», Paulo Portas venha a decidir, face a números de «sondagens secretas», meter a colher na contenda.
Não foi preciso, porém, esperar pela declaração de Cavaco, nem pela encenação nevoenta donde saiu para arvorar-se em Salvador da Pátria – substituindo o tabu pela obscuridade para que as luzes da ribalta parecessem mais fortes – para perceber que, nesta primeira volta para onde a pré-campanha aponta, existe o risco de apenas se distinguirem duas candidaturas antagónicas: a da direita, personificada pelo antigo primeiro-ministro, e a da esquerda, que Jerónimo de Sousa representa.
E, se o mérito da representação da esquerda é natural na candidatura comunista, já não será normal a polarização em Cavaco de toda a gente bem-pensante, muita dela a jurar a pés juntos que é de esquerda.
Não estamos aqui a pretender retirar aos comentadores, por menos «políticos» que queiram mostrar-se, os «sentimentos de esquerda» que os possam animar. Apenas sublinhamos o que tem sido patente no confuso aglomerado de candidatos que parecem colocar-se em confronto com Cavaco Silva: se excluirmos do pacote a candidatura titubeante de Louçã – transformado em cabeça de turco do anticomunismo mais descabelado que não víamos desde os tempos do Verão quente nas declarações mais reaccionárias – a candidatura de Alegre, mais apostado em derrotar Mário Soares e os partidos, muito especialmente o PS, e a do próprio Soares, que não poupou elogios a Cavaco, parecem especialmente destinadas a levar os eleitores não comunistas a votar na cavacal figura.
Sócrates, ao aceitar Soares, ao arrepio do sentimento socialista, e ao depositar as esperanças do PS num candidato pouco convincente, parece interessado na vitória de Cavaco, o qual já deu sinal de não pretender incomodar-lhe a governação, desde que persista nas medidas «duras» para resolver a crise a contento do grande capital. Jorge Coelho já foi dizendo que o professor de economia é pessoa competente e figura habilitada para a mais alta magistratura da Nação.
Às altas personagens do PS soma-se toda uma panóplia de comentadores e de políticos «não partidários» ou «já não partidários» ou apenas «não políticos», como gostam de apelidar-se, a fazerem coro ensurdecedor para apagar a memória de um primeiro-ministro arrogante que esteve nas origens de toda a crise que hoje afunda o País.
Nesta primeira volta, se alguns persistirem em poupar Cavaco à crítica, a escolha torna-se simples – ou se vota na política de direita liderada por ele, ou se escolhe decididamente a esquerda, votando Jerónimo de Sousa.


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