Reforçar a vigilância, persistir na luta

Luís Carapinha

O anticomunismo revela-se de novo crescentemente.

A moção anticomunista que circula nos meandros da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (PACE) é mais um episódio revelador do rápido processo de desenvolvimento de tendências autoritárias, repressivas e fascizantes da época que atravessamos. Efectivamente, o assim chamado memorandum sobre «a necessidade da condenação internacional do comunismo» – que o PCP denuncia e condena liminarmente –, apoiado de forma activa por algumas das forças mais direitistas e revanchistas da Europa, com realce para todo o espectro de títeres que dão rosto às ferozes ditaduras burguesas que se afirmam no Leste, e que goza, acima de tudo, da cumplicidade e conivência do chamado «centrão» político - essa «amálgama essencial» da «direita liberal» e da social-democracia, das principais potências da Europa Ocidental - não surge por acaso.
Na altura em que a humanidade comemora os 60 anos da vitória sobre o nazi-fascismo, trata-se de mais uma peça – de um anticomunismo saído das cavernas, repescando tempos sombrios do século passado, sublinhe-se – da vasta campanha em curso de perversão e reescrita da história. Um ajuste de contas com o passado concebido como arma de choque contra todo o sistema de relações internacionais saído de 1945 e, simultaneamente, de legitimação dos contornos totalitários da nova ordem mundial que o grande capital tenta instaurar.

Por outro lado, o documento não esconde o seu muito prático propósito vital em atingir e restringir directamente os partidos comunistas: a sua acção e influência, a sua representatividade política, os seus ideais e ideologia revolucionária. Nesta via, afrontando e subvertendo garantias e liberdades fundamentais de que o próprio sistema de democracia burguesa se afirma(va) paladino.
O anti-comunismo revela-se de novo crescentemente como condição sine qua non das investidas e tentativa de perpetuação do sistema capitalista, quando se agudizam inexoravelmente as suas contradições intrínsecas. Numa situação, não o esqueçamos, em que a hipertrofia (auto-)destrutiva que perpassa a ofensiva em curso do imperialismo, representa hoje a maior ameaça à Humanidade.
A recuperação de tiques e práticas cada vez mais ostensivas de “caça às bruxas” insere-se pois no ataque generalizado contra direitos, liberdades e garantias fundamentais, decorrente da globalização capitalista, e não obstante a inflamada e abundante retórica “democratizante” ou o atroz imperativo da luta anti-terrorista, usado como camuflagem para o assalto recolonizador mundial.
O multiplicar das tentativas de accionar a “política preventiva” de criminalização da luta contra as desigualdades sociais e da resistência à opressão, a irracionalidade patente na tentativa de decretar a proibição da luta de classes, depois de já decretado o seu fim, complementando-se a jusante com o incremento da repressão e a expansão do Estado punitivo e securitário, aí estão para confirmá-lo.

O caso vertente, tomando de assalto o próprio Conselho da Europa, instituição que deve a sua fundação à defesa dos direitos e liberdades básicos no continente, é sintomático da inquietante descaracterização e instrumentalização que grassam nas instituições internacionais – veja-se desde logo a situação vigente na principal delas, a ONU.
O facto de a provocação anticomunista não ter sido incluída na agenda da próxima sessão da PACE, a iniciar-se dentro de dias, não pode conduzir a ilusões ou ao esmorecimento da vigilância. A moção não foi rejeitada, permanecendo em banho-maria. A campanha anti-comunista prosseguirá (também) no PACE, aguardando novas oportunidades. Há que permanecer alerta e persistir na luta.


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