Desejos confessos

Jorge Cordeiro
Com indisfarçável entusiasmo, alguma imprensa exultou com a possibilidade de sobre a Festa do Avante!, e a pretexto das suas contas, virem a recair acções persecutórias e penalizantes. A eufórica prosa e o empenho da escrita são suficientes para se perceber a expectativa que alimentaram de, por vias tortuosas, pôr fim à Festa e ao que ela significa de afirmação de liberdade no Portugal de Abril. Corroídos pela inveja uns, tomados pela mesquinhez outros, ainda que unidos pelos mesmos preconceitos e anticomunismo, o que então escreveram é revelador do que, com mais ou menos fundada expectativa, esperam de uma lei que sabem, louve-se-lhes o discernimento, ter sido concebida com um destinatário especifico : o PCP. Não porque sobre ele penda qualquer suspeita quanto à transparência como obtém as suas receitas: essencialmente resultantes da sua actividade política, da contribuição generosa dos seus militantes e de milhares de outros que anónima e modestamente o apoiam. Mas porque, «cortando o pano à sua medida», pensaram impor as mais absurdas regras e limitações – não para atacar os financiamentos ilícitos ou a promíscua fusão entre partidos do poder e os grandes interesses económicos – mas, sim, para tentar dificultar ou impedir a recolha de fundos e meios indispensáveis à actividade do PCP. Pelo que o delírio com que inundaram as suas peças manifestando o desejo de ver o PCP « além de pagar a multa a poder entregar dinheiro ao Estado», a indisfarçável contrariedade revelada por teimosamente o «PCP ter organizado a Festa nos “moldes tradicionais”» ou de ter cometido o pecado de, pela venda de uma alheira ou uma Fran­ce­sinha «não envolver pagamentos em cheques e passagem de recibos», encontrará no grotesco e abjecto articulado da Lei algum fundamento.
Quem assim escreve, conhecerá as razões que os impele a ter desta Lei, e dos seus mecanismos de controlo, uma aguda percepção do que ela representa. É natural que assim seja: filhos, uns e outros, do mesmo sistema, concebidos para servir quem servem, perseguir quem perseguem.
Para frustração dos que ambicionam atingir o PCP, aqui se reafirma o que de momento deve ser reafirmado por um partido que nada tem a esconder: a absoluta transparência da sua actividade e dos seus modestos recursos resultam, não de quaisquer ameaças policiescas ou ânimos persecutórios, mas sim da sua natureza de classe e da sua independência de quaisquer meios ou fontes de poder. O respeito pelas regras na prestação de contas que sempre fez, desde logo aos seus militantes, não pode ser confundida com qualquer submissa aceitação a tentativas de fiscalização prévia da sua actividade, que nem antes do 25 de Abril o regime logrou obter.
Disse Jorge Galamba, membro da Entidade das Contas que «onde há poder, há tentativa de o corromper em beneficio próprio». Saberá do que fala quem foi responsável, anos a fio, pelo financiamento do PS. E registe-se a sua confissão de que está ali para «contribuir para os desejos de quem fez a Lei». Note-se a diferença : não para cumprir a Lei, mas para satisfazer os de­sejos de quem a fez : PS e PSD.


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