A barbárie
Nicola Calipari, o italiano que há dias foi morto a tiro no Iraque pelas tropas norte-americanas quando protegia a jornalista Giuliana Sgrena, sua compatriota feita refém e que ele próprio havia libertado, tornou-se num trágico paradigma do incomensurável drama que a invasão dos EUA desencadeou no país onde a Bíblia localizou o Paraíso inicial.
Primeiro, a morte de Calipari está muito longe de ser «explicada» pelas justificações avançadas pelos responsáveis do exército norte-americano, nomeadamente que a viatura onde seguia a refém e os seus libertadores «ia muito depressa» e «não obedeceu aos sinais feitos pelas tropas» dos EUA.
É preciso ver que Nicola Calipari não era um agente qualquer, mas o chefe das Operações Internacionais dos serviços secretos italianos, não apenas traquejado nestas delicadas negociações para libertar reféns de grupos extremistas a actuar no Iraque (foi ele que, ainda há poucos meses, libertou as duas trabalhadoras humanitárias italianas, Simona Pari e Simona Torretta, entre outros), mas dominando ao mais alto nível as ligações entre as forças italianas no Iraque, que totalizam para cima de três mil homens, com a hierarquia norte-americana.
Bastava isto para se recusar, liminarmente, as alegações norte-americanas de que a viatura que transportava a equipa de Calipari com a refém libertada se deslocava com desconhecimento das tropas norte-americanas. É, simplesmente, impensável que o chefe máximo das operações secretas italianas no Iraque andasse por ali a liderar, ele próprio, uma operação de resgate sem coordenar minuciosamente os seus movimentos com os «aliados americanos», tal como é impossível que os apertadíssimos sistemas de segurança das forças norte-americanas no Iraque desconhecessem esta operação em curso.
Além do mais, continua por explicar não apenas por que a viatura foi alvejada a 700 metros do aeroporto e não foi interceptada por nenhuma das numerosas barreiras norte-americanas que, entretanto, cruzara ao longo dos 200 quilómetros do seu percurso, mas sobretudo por que foi metralhada com mais de 300 tiros de armas pesadas, próprias para a destruição maciça.
A questão está por resolver, no ar vibra, estridente, a acusação da própria refém, Giuliana Sgrena, de que as tropas norte-americanas «dispararam sem aviso» contra o carro que «seguia devagar» e os EUA, entretanto, já são acusados à boca cheia de terem tentado «calar» definitivamente a jornalista italiana, conhecida crítica à invasão norte-americana do Iraque.
O caso, entretanto, é paradigmático do infernal quotidiano que o exército norte-americano impôs às suas próprias tropas, que vivem acossadas num medo tão omnipresente e indiscriminado, que são um perigo até para os seus aliados: os soldados norte-americanos já abateram, «por engano», pelo menos cinco jornalistas ocidentais (dados da organização Repórteres Sem Fronteiras) e indeterminadas dezenas de outros civis e mesmo militares, enquanto os postos de controle dos militares norte-americanos no Iraque já são quase tão temidos como os carros armadilhados que diariamente explodem no país.
Entretanto, ninguém imagina o que este medo leva as tropas norte-americanas a fazer sobre a população iraquiana, mas para se ter uma ideia bastam as notícias que nos vão chegando dos casamentos e outras festividades que são metralhados com dezenas de mortos e das casas bombardeadas regular e indiscriminadamente, sempre com numerosos mortos e feridos e sem nenhuma explicação senão a da «legitimidade» do ocupante em destruir o que lhe apetecer.
É o paradigma da barbárie. À solta e cega de medo.
Primeiro, a morte de Calipari está muito longe de ser «explicada» pelas justificações avançadas pelos responsáveis do exército norte-americano, nomeadamente que a viatura onde seguia a refém e os seus libertadores «ia muito depressa» e «não obedeceu aos sinais feitos pelas tropas» dos EUA.
É preciso ver que Nicola Calipari não era um agente qualquer, mas o chefe das Operações Internacionais dos serviços secretos italianos, não apenas traquejado nestas delicadas negociações para libertar reféns de grupos extremistas a actuar no Iraque (foi ele que, ainda há poucos meses, libertou as duas trabalhadoras humanitárias italianas, Simona Pari e Simona Torretta, entre outros), mas dominando ao mais alto nível as ligações entre as forças italianas no Iraque, que totalizam para cima de três mil homens, com a hierarquia norte-americana.
Bastava isto para se recusar, liminarmente, as alegações norte-americanas de que a viatura que transportava a equipa de Calipari com a refém libertada se deslocava com desconhecimento das tropas norte-americanas. É, simplesmente, impensável que o chefe máximo das operações secretas italianas no Iraque andasse por ali a liderar, ele próprio, uma operação de resgate sem coordenar minuciosamente os seus movimentos com os «aliados americanos», tal como é impossível que os apertadíssimos sistemas de segurança das forças norte-americanas no Iraque desconhecessem esta operação em curso.
Além do mais, continua por explicar não apenas por que a viatura foi alvejada a 700 metros do aeroporto e não foi interceptada por nenhuma das numerosas barreiras norte-americanas que, entretanto, cruzara ao longo dos 200 quilómetros do seu percurso, mas sobretudo por que foi metralhada com mais de 300 tiros de armas pesadas, próprias para a destruição maciça.
A questão está por resolver, no ar vibra, estridente, a acusação da própria refém, Giuliana Sgrena, de que as tropas norte-americanas «dispararam sem aviso» contra o carro que «seguia devagar» e os EUA, entretanto, já são acusados à boca cheia de terem tentado «calar» definitivamente a jornalista italiana, conhecida crítica à invasão norte-americana do Iraque.
O caso, entretanto, é paradigmático do infernal quotidiano que o exército norte-americano impôs às suas próprias tropas, que vivem acossadas num medo tão omnipresente e indiscriminado, que são um perigo até para os seus aliados: os soldados norte-americanos já abateram, «por engano», pelo menos cinco jornalistas ocidentais (dados da organização Repórteres Sem Fronteiras) e indeterminadas dezenas de outros civis e mesmo militares, enquanto os postos de controle dos militares norte-americanos no Iraque já são quase tão temidos como os carros armadilhados que diariamente explodem no país.
Entretanto, ninguém imagina o que este medo leva as tropas norte-americanas a fazer sobre a população iraquiana, mas para se ter uma ideia bastam as notícias que nos vão chegando dos casamentos e outras festividades que são metralhados com dezenas de mortos e das casas bombardeadas regular e indiscriminadamente, sempre com numerosos mortos e feridos e sem nenhuma explicação senão a da «legitimidade» do ocupante em destruir o que lhe apetecer.
É o paradigma da barbárie. À solta e cega de medo.