Uribe Velez, tal pai tal filho

Pedro Campos
Em 1976 ocorrem duas situações que afectam profundamente a economia colombiana. Por um lado, passa de exportadora a importadora de crude num momento em que se dá uma forte subida dos preços internacionais. Pelo outro, caem bruscamente os preços dos produtos agrícolas de exportação tradicional, que passam a ser importados como resultado de uma «nova orientação imperialista na divisão internacional do trabalho» [1]. Neste clima de crise, as classes dominantes da Colômbia, tradicionalmente ligadas à desigualdade social e ao terrorismo de Estado – só de 1946 a 1957, que vai do período conservador ao da ditadura de Rojas Pinilla, passando pelo assassinato de Gaitán (1948), foram massacradas perto de meio milhão de pessoas, a maior parte delas camponesas – viram no narcotráfico uma «economia de compensação». Muitas das grandes famílias colombianas, liberais e conservadoras, viraram-se para o narcotráfico não só como um grande negócio, mas como uma forma de relatifundização do campo, uma contra reforma agrária, para o que não hesitaram em se aproveitar da miséria dos
camponeses das regiões mais deprimidas que, por necessidade, eram facilmente envolvidos no novo cultivo.
Por coincidência, ou talvez não, em 1977, Álvaro Uribe Velez, actual presidente da República e membro de uma das grandes famílias de Antioquia, sai da universidade como advogado. Contudo, a carreira política do jovem Uribe tinha começado antes, em 1976, e em 1980/82, depois de passar pelo Ministério do Trabalho, é director da Aeronáutica Civil. São, outra coincidência, os melhores anos do cartel de Medellin e também, como anota Fernando Garavito [2], aqueles em que mais licenças de piloto foram dadas a membros do cartel, o que permitiu que estes exportassem grandes quantidades de cocaína para os Estados Unidos. Uribe terá perdido esta posição
precisamente por essa generosidade com as licenças…
Esta relação do latifundiário Uribe com o negócio maldito é – tudo indica – uma tradição familiar. O seu pai, Alberto Uribe Sierra, foi um conhecido narcotraficante, que chegou a estar nas listas dos extraditáveis e só não foi dar com os ossos nos Estados Unidos porque um tal Aristizábal Guevara, por esse então Secretário de Governo de Medellin, conseguiu pô-lo em liberdade a tempo. Esta história, com mais detalhes, aparece no livro Los Jinetes de la Cocaína, do colombiano Fábio Castillo. No entanto, Uribe-pai não terminou da melhor maneira. Como resultado das suas acções
anti-insurgentes foi morto pelas guerrilhas, o que, para além dos antagonismos de classe, pode explicar, pelo menos em parte, o ódio de Uribe-filho a estas e a sua ligação aos paramilitares.
Na sua condição de governador de Medellin, Uribe apoiou abertamente os projectos «populares» do cartel, entre eles um conhecido como «Medellin sem Tugúrios» e outro relacionado com a plantação de árvores, chegando a inaugurar oficialmente um bairro, consciente de que era uma forma de promover e branquear a imagem do famoso capo do narcotráfico.

Aprendizagem em Harvard,
aplicação na Colômbia


Terminada a universidade em Medellin, o aristocrata Uribe passou por Harvard, onde estudou Negociação de Conflitos, que aplicou na Colômbia, enquanto governador de Antioquia, no programa «Conviver», auspiciado pelo imperialismo norte-americano, através dessa casa de estudos. A partir de 1994, mais de 50 mil antioquenhos foram «instruídos» nas tais técnicas de «negociação», que permitiram o crescimento nacional dos paramilitares e aplicação de uma política contra-insurgente de «terra arrasada» e a
deslocação forçada e o assassinato de milhares de camponeses.
Quando estava na corrida para o Palácio de Narinho, Uribe foi entrevistado pela revista norte-americana Newsweek. Joseph Contreras, o jornalista, resultou-lhe indigesto.
Perguntado sobre a percepção geral de que era o candidato dos narcotraficantes – os chefes paramilitares Mancuso e Castanho já o tinham apontado como tal – começou por negar a acusação e convidar Contreras a denunciá-lo num tribunal, se dispunha de provas. Quando a pergunta foi repetida, finalizou abruptamente a conversa, com a desculpa de que lhe queria «sujar» a carreira política.
Se tudo isto é do conhecimento público, será que não o é de Washington? É evidente que sim e tudo aponta para que Uribe é, em simultâneo, um agente e um refém da Casa Branca, que, conhecendo-lhe os podres, trata de o controlar à distância e fazer dele o Sharon da América Latina.

[1] [ Antioquia la mejor esquina de América - La otra realidad - Colectivo Semillas de Libertad - Editorial Endymion, Medellín, Colombia, Julho 2000

[2] [ Colunista de El Espectador, jornal liberal muito ligado a Uribe, e agora refugiado no exterior como consequências de ameaças contra a sua vida.


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