Uma história da carochinha

Anabela Fino
As eleições de 30 de Janeiro no Iraque foram um «sucesso», garantiu Bush, repetiu Blair, certificou Putin, confirmou Durão Barroso (José Barroso, na versão europeia) e muitos mais que agora não me ocorrem, numa sintonia impressionante a que se juntou também Santana Lopes em declaração de Estado, a mostrar que afinal sabe ler e que não desperdiça uma oportunidade para puxar a brasa à sua sardinha, que é como quem diz aos briosos da GNR que na terra do petróleo alguma coisa terão contribuído para a sagração de um acto impar na história da democracia moderna, a saber, eleições «livres e justas» num país ocupado militarmente pela maior potência do mundo e suas adjacências.
O feito é tão mais digno de registo quanto se sabe que até ao início do acto eleitoral os eleitores não sabiam sequer onde iriam votar – não sei se repararam mas ainda ninguém explicou como é que o ficaram a saber para acorrerem em massa às urnas –, para já não falar do facto de os eleitores desconhecerem quem eram os candidatos, o que resulta na singularidade de só virem a saber quem elegeram quando os escrutinadores lhes apresentarem os resultados.
Mas a peculiaridade das eleições iraquianas, efectuadas sob estado de emergência, recolher obrigatório e proibição de circulação automóvel – o que não é de somenos em cidades com milhões de habitantes – a peculiaridade, dizíamos, não se ficou por aqui, pois até ao momento também ainda ninguém conseguiu explicar como foram feitos os cadernos eleitorais, embora haja quem afirme que o método adoptado foi a das senhas de alimentos fornecidas pelo antigo regime, seguindo a máxima de quem não come não vota - ou será quem não vota não come? -, cujo grau de fiabilidade ninguém atesta mas também ninguém discute.
À parte estes pormenores, o «sucesso» foi quase completo, como de resto mostraram as imagens que as televisões fizeram chegar a todo o lado e atestaram os repórteres de serviço, que certamente só por falta de tempo de satélite não informaram que estiveram todo o tempo confinados a quatro ou cinco secções de voto devidamente seleccionadas pelos organizadores do escrutínio, como fez saber esta semana o Conselho dos Ulemas num desnecessário excesso de zelo.
Temos pois que no Iraque a democracia avança a passos largos – Bush dixit – e agora é só esperar para ver Condoleezza Rice a empossar os novos governantes com promessas de eterna amizade e cooperação, sob a guarda de honra dos marines e o perfume inebriante do petróleo. Que bela democracia esta!


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