Ventos e marés

Jorge Cordeiro
Bastaria observar o lema de campanha do PSD para se temer o pior. Esta vocação trágico-marítima que parece assaltar os líderes daquele partido em momentos de tormenta, seja pela exaltação das virtudes do homem do leme, seja pela previsão tempestuosa em que navega, traduzida no contra ventos e marés, não é, por experiência feita, bom presságio. Esta evocação marítima sempre presente em tempos de tempestade social-democrata é sinal de naufrágio eminente. Coisa pouca, poder-se-ia dizer, se o que se prevê afundar se resumisse às políticas e expectativas presentes na nau social-democrata, se os náufragos não passassem dos locatários da Lapa (agora que os do Caldas se puseram ao largo) e se os destroços se resumissem ao património laranja. Coisa muita, entretanto, se se atender a que, com ele, então como agora, é o país que é deixado à beira do naufrágio e os portugueses postos à deriva.
Sempre que emparedados em resultado das suas políticas, das consequências que geram e do descontentamento que provocam, o recorrente recurso do PSD à vitimização — antes pelo agitar das forças de bloqueio, agora pelas razões que se conhecem — fazem parte da desesperada tentativa de apagar responsabilidades e de evitar a pressentida derrota. Por maior que seja o seu esforço para parecer o que se não foi, por mais que se desdobre agora no anúncio do que antes se negara a fazer, por mais que agora se diga o contrário do que então se decidira, a verdade é que Santana Lopes sabe-se derrotado.
E se a confirmação da derrota anunciada se inscreve como objectivo a ver concretizado nestas eleições, a mais importante e decisiva questão que dela emerge é o de conduzirem não apenas à mera mudança de governo, mas a uma efectiva mudança de política. Pelo que a dramatização tentada por uns ou o esforçado ensaio de outros de animar polémicas que disfarcem a similitude de opções e propostas deve ser votada ao fracasso. As acusações reciprocas quanto a trapalhadas que, por estes dias, Santana e Sócrates trocaram, o primeiro quanto às propostas eleitorais socialistas, o segundo em matéria de governação, passam ao lado do essencial: não foram as trapalhadas governativas, mas sim a política do governo, que conduziram à sua derrota; a atabalhoada e contraditória apresentação de propostas eleitorais do PS patenteada nos últimos dias é, não o resultado de uma qualquer menor preparação, mas sim reflexo da impossibilidade deste partido revelar com clareza o que se propõe fazer depois de creditados os votos.
Como diz o ditado popular, havendo mais marés que marinheiros mais tarde ou cedo emergirá do encapelado mar das políticas de direita a política de esquerda que o país reclama. Cumpre-nos trabalhar para que mais cedo que tarde.


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