A fúria desregulamentadora
A Comissão Europeia apresentou recentemente ao Conselho e ao Parlamento Europeu uma proposta que pretende abrir o sector dos serviços à livre actividade de qualquer pessoa individual ou colectiva estabelecida num dos 25 Estados-membros.
A liberalização dos serviços deixa indefesos consumidores e trabalhadores
O projecto de directiva, apresentado em 11 de Março de 2004 ao Conselho de Competitividade, começou a ser negociado com os Estados-membros em 25 de Novembro, suscitando de imediato algumas das suas propostas fortes reservas por parte de alguns governos.
Apesar disso, tratando-se de uma matéria abrangida pelo processo de co-decisão (entre conselho e parlamento), o executivo comunitário entregou a proposta ao hemiciclo de Estrasburgo onde está a ser debatida.
Com o objectivo de alertar sindicatos e organizações sociais para as graves implicações sociais e económicas decorrentes da proposta de directiva, a deputada do PCP, Ilda Figueiredo, promoveu na passada sexta-feira, em Lisboa, uma audição pública sobre a matéria.
A pretexto de que o mercado interno de serviços não se desenvolve devido à grande diversidade das legislações nacionais, cuja total harmonização se afigura tarefa impossível, a Comissão Europeia vem propor a adopção do «princípio do país de origem», qual bomba atómica que eliminaria de uma só vez todos os «obstáculos à liberdade de estabelecimento dos prestadores de serviços nos Estados-membros e à livre circulação dos serviços entre Estados-membros, garantindo aos prestadores e aos destinatários a segurança jurídica necessária para o exercício efectivo destas duas liberdades fundamentais do Tratado» (ponto 4 da proposta).
Sem medir consequências, a Comissão sugere que os tais «prestadores» devem estar «sujeitos apenas às disposições nacionais do seu Estado-membro de origem», no que toca «ao acesso à actividade de um serviço e o seu exercício, nomeadamente aquelas que regem o comportamento do prestador, a qualidade ou o controlo do serviço, a publicidade, os contratos e a responsabilidade do prestador».
O Estado-membro de origem (onde a empresa está estabelecida) seria assim «responsável pelo controlo do prestador e dos serviços que este fornece, mesmo quando os serviços sejam fornecidos noutro Estado-membro» (artigo 16.º).
Um mercado caótico
«Se tal proposta fosse por diante, teríamos uma deslocalização maciça das sedes das empresas para os países onde a legislação lhes fosse mais favorável. Isto significaria a total desregulamentação, com a aplicação do que de mais baixo existisse na União Europeia», notou Ilda Figueiredo,
Por outro lado, a aplicação do polémico «princípio do país de origem», confrontaria as administrações de cada país com 25 legislações diferentes, o que inviabilizaria qualquer possibilidade de fiscalização ou controlo. «Como é que os consumidores e os trabalhadores se iriam defender? como agir em caso de conflito? ou como é que o Estado iria cobrar impostos?», interrogou-se a deputada, prevendo que o «caos» se instalaria caso a proposta se transformasse em directiva.
Na verdade, os Estados-membros ficariam de mãos atadas face à actuação impune dos «prestadores», aos quais não poderiam sequer exigir a indicação «no seu território de um endereço ou de um representante, ou de domicílio junto de uma pessoa autorizada» (alínea c) artigo 16.º).
Com algumas excepções, caso dos serviços financeiros ou dos transportes que são excluídos da proposta por já estarem ao abrigo de legislação comunitária anterior, todas as restantes áreas de serviços seriam liberalizadas de acordo com o referido princípio. Para além da educação e da saúde, a proposta visa os mais diferentes sectores, desde lotarias e jogos, serviços de comunicações electrónicas, radiodifusão televisiva e sonora, profissões liberais, etc.
Face à contestação que a proposta está gerar em vários países, é natural que o Parlamento Europeu venha a alterar alguns dos aspectos mais controversos. Contudo, como salientou, Ilda Figueiredo, «as alterações que pretendem minorar alguns efeitos, admitem que este projecto possa vir a ser aprovado, o que significará sempre um violento ataque aos serviços públicos essenciais».
O regresso da «Estratégia de Lisboa»
A deputada lembrou ainda que o Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica, no qual se integram os dois deputados do PCP, interpelou o novo presidente da Comissão Europeia para que desistisse não só desta proposta de criação do mercado de serviços mas também abandonasse o projecto de alteração da directiva sobre a organização do tempo de trabalho (ver edição do «Avante!» de 16 de Dezembro). «Durão Barroso não aceitou e disse-nos que estas duas propostas da Comissão anterior seriam mantidas».
Estes dois projectos integram-se na chamada «Estratégia de Lisboa», em torno da qual se prepara nos próximo meses o lançamento de uma «grande campanha de promoção» referiu Ilda Figueiredo.
«Todos os Estados-membros afirmam que a Estratégia foi até agora um fracasso. Foi de facto um fracasso no que diz respeito ao emprego, à coesão e inclusão social, mas permitiu-lhes avançar nas liberalizações e privatizações e na flexibilização das leis laborais, embora não tanto como a confederação patronal europeia (Unice) pretendia. Por isso, vão de novo retomar os principais objectivos declarados há cinco anos em Lisboa e tentar convencer os europeus de que a partir de agora a Europa será transformada “no espaço mais dinâmico e competitivo do mundo”».
Neste sentido, acrescentou a deputada, está a ser organizado um grande fórum europeu em Bruxelas, para o qual serão convidadas organizações empresariais e sindicais, bem como cinco deputados de cada Estado-membro, que procurará relançar a Estratégia de Lisboa com novas roupagens numa tentativa de diminuir a crescente contestação social às orientações liberais da União Europeia.
Apesar disso, tratando-se de uma matéria abrangida pelo processo de co-decisão (entre conselho e parlamento), o executivo comunitário entregou a proposta ao hemiciclo de Estrasburgo onde está a ser debatida.
Com o objectivo de alertar sindicatos e organizações sociais para as graves implicações sociais e económicas decorrentes da proposta de directiva, a deputada do PCP, Ilda Figueiredo, promoveu na passada sexta-feira, em Lisboa, uma audição pública sobre a matéria.
A pretexto de que o mercado interno de serviços não se desenvolve devido à grande diversidade das legislações nacionais, cuja total harmonização se afigura tarefa impossível, a Comissão Europeia vem propor a adopção do «princípio do país de origem», qual bomba atómica que eliminaria de uma só vez todos os «obstáculos à liberdade de estabelecimento dos prestadores de serviços nos Estados-membros e à livre circulação dos serviços entre Estados-membros, garantindo aos prestadores e aos destinatários a segurança jurídica necessária para o exercício efectivo destas duas liberdades fundamentais do Tratado» (ponto 4 da proposta).
Sem medir consequências, a Comissão sugere que os tais «prestadores» devem estar «sujeitos apenas às disposições nacionais do seu Estado-membro de origem», no que toca «ao acesso à actividade de um serviço e o seu exercício, nomeadamente aquelas que regem o comportamento do prestador, a qualidade ou o controlo do serviço, a publicidade, os contratos e a responsabilidade do prestador».
O Estado-membro de origem (onde a empresa está estabelecida) seria assim «responsável pelo controlo do prestador e dos serviços que este fornece, mesmo quando os serviços sejam fornecidos noutro Estado-membro» (artigo 16.º).
Um mercado caótico
«Se tal proposta fosse por diante, teríamos uma deslocalização maciça das sedes das empresas para os países onde a legislação lhes fosse mais favorável. Isto significaria a total desregulamentação, com a aplicação do que de mais baixo existisse na União Europeia», notou Ilda Figueiredo,
Por outro lado, a aplicação do polémico «princípio do país de origem», confrontaria as administrações de cada país com 25 legislações diferentes, o que inviabilizaria qualquer possibilidade de fiscalização ou controlo. «Como é que os consumidores e os trabalhadores se iriam defender? como agir em caso de conflito? ou como é que o Estado iria cobrar impostos?», interrogou-se a deputada, prevendo que o «caos» se instalaria caso a proposta se transformasse em directiva.
Na verdade, os Estados-membros ficariam de mãos atadas face à actuação impune dos «prestadores», aos quais não poderiam sequer exigir a indicação «no seu território de um endereço ou de um representante, ou de domicílio junto de uma pessoa autorizada» (alínea c) artigo 16.º).
Com algumas excepções, caso dos serviços financeiros ou dos transportes que são excluídos da proposta por já estarem ao abrigo de legislação comunitária anterior, todas as restantes áreas de serviços seriam liberalizadas de acordo com o referido princípio. Para além da educação e da saúde, a proposta visa os mais diferentes sectores, desde lotarias e jogos, serviços de comunicações electrónicas, radiodifusão televisiva e sonora, profissões liberais, etc.
Face à contestação que a proposta está gerar em vários países, é natural que o Parlamento Europeu venha a alterar alguns dos aspectos mais controversos. Contudo, como salientou, Ilda Figueiredo, «as alterações que pretendem minorar alguns efeitos, admitem que este projecto possa vir a ser aprovado, o que significará sempre um violento ataque aos serviços públicos essenciais».
O regresso da «Estratégia de Lisboa»
A deputada lembrou ainda que o Grupo da Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Verde Nórdica, no qual se integram os dois deputados do PCP, interpelou o novo presidente da Comissão Europeia para que desistisse não só desta proposta de criação do mercado de serviços mas também abandonasse o projecto de alteração da directiva sobre a organização do tempo de trabalho (ver edição do «Avante!» de 16 de Dezembro). «Durão Barroso não aceitou e disse-nos que estas duas propostas da Comissão anterior seriam mantidas».
Estes dois projectos integram-se na chamada «Estratégia de Lisboa», em torno da qual se prepara nos próximo meses o lançamento de uma «grande campanha de promoção» referiu Ilda Figueiredo.
«Todos os Estados-membros afirmam que a Estratégia foi até agora um fracasso. Foi de facto um fracasso no que diz respeito ao emprego, à coesão e inclusão social, mas permitiu-lhes avançar nas liberalizações e privatizações e na flexibilização das leis laborais, embora não tanto como a confederação patronal europeia (Unice) pretendia. Por isso, vão de novo retomar os principais objectivos declarados há cinco anos em Lisboa e tentar convencer os europeus de que a partir de agora a Europa será transformada “no espaço mais dinâmico e competitivo do mundo”».
Neste sentido, acrescentou a deputada, está a ser organizado um grande fórum europeu em Bruxelas, para o qual serão convidadas organizações empresariais e sindicais, bem como cinco deputados de cada Estado-membro, que procurará relançar a Estratégia de Lisboa com novas roupagens numa tentativa de diminuir a crescente contestação social às orientações liberais da União Europeia.