Sinistra hipocrisia

Luís Carapinha

não há limites para o cinismo e hipocrisia das apregoadas «democracias ocidentais»

As eleições de Domingo para a presidência da Autoridade Palestiniana confirmaram o favoritismo do candidato Mahmoud Abbas. Efectuadas em condições de ocupação israelita e ingerência permanente, as eleições na Palestina constituíram, apesar de tudo, uma jornada de mobilização do povo palestiniano, e um testemunho das suas profundas aspirações à completa e integral soberania e independência nacionais, e da importância atribuída à preservação da sua unidade. Ou seja, exactamente aquilo que, como é sabido, está na mira da ofensiva colonizadora em curso. Aliando a repressão terrorista, com requintes de métodos nazis – sempre a coberto da «luta» contra o terrorismo que objectiva e intencionalmente propicia –, à prédica democratizadora, a estratégia sionista-imperialista procura tenebrosamente aniquilar a resistência nos territórios ocupados e submeter a causa palestiniana, na linha do projecto messiânico-genocida do «Grande Israel».

A ofensiva israelita processa-se em estreita sintonia com a intervenção imperialista dos EUA no Médio Oriente, onde pontifica a criminosa ocupação do Iraque, com o seu rol, infindável, de violações de todas as convenções existentes e possíveis dos Direitos Humanos. O atoleiro em que este país se transformou para as forças ocupantes, fruto da resistência popular iraquiana, travou certamente o ímpeto do militarismo norte-americano em estender no imediato a agressão a outros países. No entanto, persistem e intensificam-se as ameaças e pressões contra a Síria e o Irão.
A agenda de Sharon, apontando para um regime de «liberdade condicional» e «dominação consentida» nos territórios ocupados, com uma Palestina fragmentada em territórios descontínuos e guetos, expropriada dos seus recursos e circunscrita ao anel exterior económico-militar israelita – veja-se o plano de retirada unilateral de Gaza, antecipadamente «compensado» pela construção do «muro de separação» na Cisjordânia, instrumento expansionista por excelência –, articula-se perfeitamente com a iniciativa norte-americana do Grande Médio Oriente, o megalómano plano que visa reformular o mapa da região que vai do Magrebe ao Paquistão, transformando-a em zona do domínio político, económico e social dos EUA e do imperialismo.

Neste contexto, a repetição exaustiva, pela corte canora dos paladinos da «democracia descartável» – renovado meio intervencionista ao serviço do grande capital –, do discurso obsceno que descortina no desaparecimento de Arafat um «contributo para a paz», constitui uma despudorada tentativa de legitimação da política de terrorismo de Estado e das atrocidades cometidas por Israel.
A dissertação bizantina sobre o «processo de democratização» em desenvolvimento nos acantonados territórios palestinianos que anima a burguesia é de tal modo galvanizante, que Tony Blair logo se encarrega de organizar uma conferência dedicada ao «fortalecimento» da administração palestiniana, embora condicionada aos resultados eleitorais! Por sua vez, a Administração Bush volta a acenar com o malogrado road map (o tal que nas vésperas da invasão do Iraque, impondo condições draconianas aos palestinianos, prometia-lhes a criação de um Estado em 2005).
Nos caminhos da subjugação das forças progressistas e de libertação nacional, não há limites para o cinismo e hipocrisia das apregoadas «democracias ocidentais».

Na questão palestiniana, por entre o ruído ensurdecedor, há que não perder de vista, porém, o essencial: o continuado incumprimento das resoluções da ONU que estabelecem a criação do Estado palestiniano de pleno direito com capital em Jerusalém Oriental, o desmantelamento dos colonatos e o direito de retorno dos refugiados. É para com estes objectivos legítimos do povo palestiniano que é necessária a solidariedade internacional.


Mais artigos de: Opinião

As listas

Ambos os jornais ditos «de referência» (o Público e o Diário de Notícias, embora este último já disfarce a custo a «voz do dono» desde que Luís Delgado, o «comissário» do Governo de Santana, «renovou» ao gosto as direcções e orientação do jornal), ambas as publicações, repita-se, foram esta semana convergentes no...

Facadas no regime

Insatisfeito talvez pelo torpor anestesiante da sucessão de traições, facadas nas costas ou pontapés na incubadora em que o país mergulhara quis o Presidente da República sobressaltá-lo com a enésima insistência nos chamados pactos de regime e com a proposta, tão inovadora quanto atrevida, de uma reforma do sistema...

A guerra do «rapa o tacho»

Mesmo tendo em conta a história do PPD-PSD, marcada pela sua natureza de partido-instrumento do grande capital e do imperialismo, dos «capitães do dinheiro» e lobbies, e pelas muitas e desvairadas golpadas dos interesses, mais ou menos opacos, e das clientelas, mais ou menos explícitas; mesmo tendo presente a sua...

Ong, mong, bong!

Fala-se muito de ONGs, desde há mais de uma dúzia de anos. Como se se tratasse de uma daquelas famigeradas «novas realidades» ou de algum daqueles «movimentos sociais» que deliciam tanto os que pretendem esvaziar e dissolver as organizações populares tradicionais que persistem nas suas lutas em defesa de interesses, de...

É tempo de mudar a sério

A pouco mais de um mês das eleições legislativas, a realização do Encontro Nacional do Partido « Por um Portugal com Futuro», tem de ser encarado não apenas como um importante instrumento na mobilização de todo o Partido para a batalha das eleições, que vai exigir o empenhamento de cada e de todos os militantes, dos simpatizantes e activistas da CDU, mas também, na linha do 17.º congresso, um primeiro e forte sinal da disposição dos comunistas para romper com os sentimentos de impotência, conformismo, desânimo e o abstencionismo provocado pelo descrédito da política de direita levada a cabo pela alternância governativa PS/PSD.