Sociologia da treta

José Casanova
Sempre atento e interessado em matéria de de­clínio do PCP, o inevitável Pú­blico, bateu à porta de um condomínio de «sociólogos que estudam o fenómeno político» e perguntou como era. A resposta foi «unânime» e, presume-se, dada em coro síncrono: o PCP «está divorciado» da sociedade portuguesa, «uma sociedade individualizada e globalizada» por efeito da «assunção do consumismo capitalista». Assim sendo, segundo o caudaloso parecer sociológico, o fim do di­vórcio do PCP com a sociedade portuguesa, passaria pela aceitação e louvação do individualismo e da globalização capitalista – o que, digo eu, tornaria inútil a existência do PCP, já que a sociedade portuguesa é mais do que bígama, tantos são os partidos que a obrigaram a, com eles, contrair matrimónio in­di­vi­du­a­li­zado, glo­ba­li­zado e ca­pi­ta­lista.
A dada altura da representação, eis que, do coro, emerge um solista: «O PCP continua agarrado a uma mentalidade de velho tipo, de certezas repetidas até à exaustão, quando este tipo de ideologia não é muito compatível com o tipo de sociedade presente». Infelizmente, o solista (obviamente possuidor de uma mentalidade de novo tipo, coeva da ideologia da ordem na­tural das coisas) não nos ensina que «certezas» são essas que o PCP «repete até à exaustão». Em contrapartida, o homem derrama-se em trinados sobre a «mentalidade de velho tipo», essa ideologia malvada que «surge onde são espezinhados direitos» e, assim sendo que faz ela aqui, no nosso jardinzinho à beira-mar plantado?, nesta nossa «realidade social de hoje» em que «é valorizada a cidadania, a participação»?
Di­reitos es­pe­zi­nhadso?, qual quê?, isso era dantes, hoje está tudo cheio de direitos, há cidadania a dar com um pau e a par­ti­ci­pação até provoca engarrafamentos.
Que o digam os dois milhões de cidadãos portugueses que exercem o di­reito à po­breza; e os 200 mil que a ci­da­dania ilumina com a fome ou a sub-alimentação; e os 500 mil que par­ti­cipam no coro do desemprego ci­dadão; e os mais de um milhão que par­ti­cipam, com di­reitos e em ci­da­dania plena, na mo­der­ni­dade do trabalho precário; e por aí fora, por todo o País.
Por todo o País? Não: algures, um condomínio de sociólogos marca o tempo que vivemos: sem di­reitos es­pe­zi­nhados e com a bandeira da ci­da­dania desfraldada. E a da par­ti­ci­pação. Porque, em verdade vos digo, ó sociólogos: se há coisas que caracterizam luminarmente a sociedade em que vivemos, a par­ti­ci­pação é uma delas. Ó se é!


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