Agostinho Lopes

O capital monopolista e a democracia portuguesa


O que agora alguns descobriram. Descobriu Mário Soares um Portugal «desorientado, sem estratégia para o futuro, perdido no seu labirinto político». Descobriu o Presidente da República, Jorge Sampaio, «novas formas de censura encapotada» nos media portugueses. Descobriu o Dr. Silva Lopes que os grupos económicos têm hoje mais peso na política económica dos governos que no tempo do Estado Novo. Descobriu um jornalista que «Os grupos de pressão escolhem ministros, escrevem discursos de líderes partidários, asseguram zonas de consenso com o adversário que há-de chegar ao governo nas áreas essenciais de negócio». Descobriu um comentador que «Por toda a parte toda a gente quer resposta a uma pergunta simples: “Como é possível que Santana e Portas governem Portugal?”. E quer saber como saímos “disto”».
Como se chegou a «isto»? Para aqueles senhores parece ser um mistério. Mas a pergunta, pertinente e imperativa, deve ter resposta. Como se chegou a isto?
E talvez, com alguma memória, um pouco de inteligência e o afastamento de antolhos de diversas qualidades se perceba que é o resultado de quase trinta anos de política de direita, levada a cabo pelo PS e pelo PSD. Resultado da política de recuperação capitalista e monopolista e destruição das conquistas de Abril em todos os sectores e áreas da vida nacional. Na política, na economia, no social, na cultura, no lugar e papel de Portugal no mundo.
A política de recuperação capitalista e monopolista teve como eixo central a reconstituição dos grupos económicos monopolistas. A reconstituição do seu poder económico, social e político. Os tais grupos económicos que, para António Guterres, seriam «os elementos racionalizadores das transformações económicas do país, da modernização e de um novo modelo de especialização». E com a reconstituição dos grupos, a oligarquia financeira, submergida, escondida, espavorida, fugida da Revolução de Abril, revitalizada com o sangue novo das benesses e capital, muito capital, oferecido pelos governos PS e PSD, reforçada e renovada com novos grupos e contando com a cumplicidade activa do capital transnacional, qual vampiro renasceu das cinzas, para fazer chegar o país aonde agora estamos.
Não encenem agora a farsa dos pobres enganados ou queiram fazer da gente parvos!
A comunicação social sofre do perverso domínio dos grupos económicos, da promiscuidade com poder político e o poder económico, da exagerada concentração da propriedade dos órgãos de comunicação social!?
O país tem cerca de dois milhões de pobres. Profundas desigualdades e desequilíbrios no seu território!?
O país tem dos salários mais baixos da Europa, mas tem dos «administradores» mais bem pagos do mundo!? (E já agora pensões de reforma condizentes)
O país tem uma crónica e crescente diferença entre o que importa a mais e o que exporta a menos — na relação com o PIB, o défice da Balança Comercial é o maior da UE. Porque não produzimos.
Mais que factos, são uma constatação. A democracia, a justiça social, o desenvolvimento do país deram-se mal com o poder dos grupos económicos monopolistas reconstituídos.
Uma velha tese do PCP — alguns dirão uma cassete do PCP — que a vida plenamente confirmou. A incontornável degradação do regime democrático perante as dinâmicas económicas, sociais, políticas e culturais da recuperação do capital monopolista. A implacável imbricação entre as desigualdades sociais e assimetrias regionais e a acentuação das lógicas da dominação e exploração capitalistas. A total incompatibilidade entre a defesa dos interesses dos grupos económicos e a promoção do desenvolvimento do país.
Não será, assim, de estranhar que os monopólios assaltem o país e os cidadãos. A Banca prossegue a escalada dos lucros obscenos. Baixam as taxas de juros directoras e as margens financeiras estreitam-se. Nada de pânico. O Estado não só contribui com generosos benefícios fiscais e protocolos privilegiados como permite que as taxas de juro efectivas, e sobretudo as comissões bancárias, assaltem a bolsa dos cidadãos, os rendimentos das pequenas empresas e dos sectores produtivos.
Os grandes Grupos de Distribuição sentem falta de ar. Não há problemas. A política de direita arranja-lhes mais espaço. O governo PS, violando a legislação que tinha produzido, licenciou, ultrapassando as quotas estabelecidas por lei. O governo PSD/CDS-PP ultrapassa o problema com nova legislação liberalizando o licenciamento.
A Portugal Telecom perde milhões em negócios ditos de internacionalização. Não se preocupem. O governo arranja-lhe um reporte de prejuízos em sede fiscal e assegura-lhe tarifas que lhe permitam apresentar lucros vultuosos e prometer uma distribuição de dividendos em 2005 aos seus accionistas de 800 milhões de euros.
As Petrolíferas vêem o preço do petróleo disparar. Mas não haja aflições. O governo permite-lhes a repercussão automática dessa subida nos preços dos combustíveis, além de uma evidente cumplicidade com a política de concertação de preços e o esmagamento da concorrência dos pequenos distribuidores.
O país tem falta de investimento produtivo. Não fica o problema sem resposta. O governo cria uma agência específica, a API, para tratar do problema e alarga os cordões à bolsa com grossos incentivos (fiscais e fundos comunitários) ao investimento directo estrangeiro (IDE) que cá arrime. Entretanto, o grande capital nacional busca noutras paragens a «optimização financeira», transformando Portugal num exportador líquido de capitais (já que não temos mercadoria exportamos dinheiro)!
A oligarquia financeira tem falta de dinheiro fresco e o grande capital de negócios rentáveis. Que ninguém se zangue. A política de direita arranja-lhes parte das receitas da Segurança Social pública, dinamiza os fundos de pensões e abre-lhes a porta aos negócios na saúde e na educação.
É evidente que a resposta não será pôr Cavaco Silva em Belém e o Sócrates em S. Bento (ou vice-versa), como concluiu o comentador que perguntava «como sair disto».
Mais da mesma política de direita só pode significar agravar todos e cada um dos problemas que o país hoje enfrenta. Não passará igualmente pelo desenvolvimento do Estado-mercado com a crescente aplicação do princípio neoliberal do utilizador-pagador. Ou com a multiplicação das entidades reguladoras, que nada regulam.
E não serão as mistificadoras operações da «responsabilidade social das empresas», ou da sua «governança sustentável», ou os milagres económicos do «microcrédito» que responderão à perigosa situação em que a política de direita mergulhou o país.
É necessário desatar o nó. Romper com o espartilho monopolista e o comando económico e político do país pelo poder ilegítimo e antidemocrático do grande capital nacional e transnacional, da oligarquia financeira que o controla. Insistindo que o devemos fazer, não apenas por razões económicas. Mas porque a Democracia Portuguesa assim o exige.
É certamente um caminho difícil que está colocado aos comunistas e a todo o povo português.
Um caminho que continua a construir-se, continuando a resistir a esse poder e às suas consequências.
Um caminho que se consolida na afirmação de ideias claras sobre uma política alternativa, obrigatoriamente de rotura com a política de direita até hoje levada a cabo.
Um caminho que crescerá com o persistente esforço de construção de uma alternativa política de poder ao poder do grande capital monopolista, quaisquer que sejam as forças políticas que em seu nome o exerçam.
Alternativa onde, logicamente, estará o PCP.


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