Sobre o Projecto de Resolução Política
O relatório da Comissão de Redacção distribuído contém uma informação sobre a natureza das alterações introduzidas nas Teses - Projecto de Resolução Política, agora apresentado pelo Comité Central para apreciação e decisão do Congresso. Duas conclusões se podem desde já adiantar.
A primeira: que o debate confirmou um amplo acordo com o projecto de documento. E uma manifesta concordância em termos genéricos não apenas com o que elas contêm em matéria de análise à situação nacional e internacional, à sua evolução recente e perspectiva futura, mas também quanto às principais orientações e tarefas que ao Partido e à sua intervenção se colocam.
A segunda: que, sem prejuízo desse sentido geral, o debate se traduziu numa séria e empenhada contribuição de milhares de membros do Partido para, com a sua opinião, reflexão e experiência, melhorarem e enriquecerem o projecto de Teses - Resolução Política. Debatido em centenas de reuniões e plenários, objecto de apreciação no seu conjunto e de discussões temáticas ou por capítulo em muitas organizações, o projecto de Teses foi objecto de inúmeras observações e de mais de um milhar de propostas de alteração.
O debate realizado e o seu resultado são um importante testemunho de um processo único e singular, orientado para envolver o maior número possível de militantes e para estimular a reflexão e contribuição empenhada do colectivo partidário. Sem dúvida, haverá lugar a algumas justificadas insatisfações. Teria sido desejável que, em algumas organizações, a participação tivesse sido mais ampla, que muitas das opiniões e observações expressas pudessem ter sido traduzidas em propostas concretas, que todos os camaradas tivessem tido oportunidade de ler e reflectir sobre o conjunto dos documentos.
Mas é indiscutível que o debate realizado – desde o momento em que foi lançado, na sua primeira fase, a partir da reunião do CC de Fevereiro passado, até ao culminar da fase iniciada em Setembro e que agora culmina, com o Congresso – é a melhor prova do carácter profundamente democrático da nossa vida partidária e da assumida opção pela construção colectiva das decisões e orientações políticas.
Ao contrário de outros, no PCP os seus militantes não são remetidos ao papel de assistentes na disputa de projectos políticos pessoais ou de consumidores passivos de moções de estratégia apresentadas por este ou aquele candidato a líder.
Ao contrário de outros, no PCP o papel reservado aos seus militantes não é o de passarem ao lado da definição e construção das orientações e opções políticas mas sim o de poderem e deverem contribuir com a sua opinião para a definição das tarefas em que cada um será chamado a intervir para as concretizar.
Ao contrário de outros, no PCP todas as opiniões contam, no quadro das elementares regras de respeito pela opinião de cada um, da avaliação do valor de cada uma dessas opiniões pelo seu mérito, e não por quem as produz, e de um apuramento final das opiniões pela vontade expressa da maioria do colectivo partidário.
Ao contrário de outros, que assentam a sua vida na contraposição ou confronto de projectos de grupo, no PCP o trabalho colectivo decorre da própria natureza de um partido que vê na iniciativa dos militantes uma fonte de energia e que tem, na participação dos militantes na elaboração das suas orientações, não apenas um caminho para acerto das sua decisões, mas uma condição indispensável para a sua unidade e coesão.
Como se afirma no relatório distribuído, as alterações introduzidas melhoram significativamente o texto, precisam algumas das afirmações e teses adiantadas, contribuem para um maior equilíbrio entre temas e problemas abordados, precisam afirmações e avaliações entretanto tornadas necessárias pelo evoluir dos acontecimentos.
Apesar de melhorado pelo debate partidário, não ignoramos que o documento não responde ainda a todos os objectivos a que nos propusemos.
As muitas e exigentes tarefas a que o Partido foi chamado não permitiram levar mais longe o estudo e aprofundamento de questões de relevo para a intervenção política e ideológica do Partido. Haverá ainda matérias que carecem de uma melhor ponderação ou de ulteriores desenvolvimentos. Mas foi entretanto possível avançar em alguns temas, de que é exemplo a parte correspondente à arrumação de classes, há muito assinalada como questão a exigir reflexão actualizada, e que constitui uma contribuição valiosa, enquanto base de trabalho para o seu aprofundamento.
As teses procedem a um aprofundada análise da situação internacional, põem em evidência a ofensiva do imperialismo, apresentada como o traço mais marcante e persistente da situação internacional nos últimos anos, e identificam como aspectos mais característicos o seu carácter global e extrema violência; analisam a dinâmica do capitalismo, a sua manifesta incapacidade para resolver os problemas da humanidade; avaliam a expressão da luta dos trabalhadores e dos povos, a sua inegável importância na resistência ao imperialismo e o papel decisivo da afirmação e fortalecimento dos partidos comunistas e forças revolucionárias para a construção da alternativa ao capitalismo.
Num quadro geral de concordância com o conteúdo deste capítulo, o conjunto mais significativo das propostas incidiu sobre a avaliação do capitalismo, a ofensiva do imperialismo e as condições de resistência.
Para além de outras alterações, foram acolhidas propostas que contribuem para uma melhor apreensão sobre a avaliação da diferença entre condições objectivas e subjectivas (de que são exemplo as alterações introduzidas na questão do socialismo ou do «movimento antiglobalização» e a sua natureza); para um maior rigor de formulação (de que é exemplo a questão da contradição fundamental do capitalismo); para uma precisão de textos, que as tornem menos susceptíveis de interpretações ou leituras que o texto inicial já não autorizava (de que são exemplo as alterações introduzidas no ponto 1.3.15 que, embora explicitamente referenciado à valorização de países que resistem à nova ordem imperialista e não a uma apreciação sobre as suas opções e caminhos para a construção de sociedade, se sublinham ainda mais as diferenças de projecto e concepção programáticas entre cada um desses países e as defendidas pelo PCP).
Quanto à situação nacional, a que está dedicado o 2º capítulo, o debate confirmou a apreciação feita sobre a evolução da União Europeia (marcada nos últimos quatro anos por desenvolvimentos que evidenciam o domínio crescente das grandes potências e do capital transnacional na condução das políticas da União Europeia e que confirmam o federalismo, o militarismo e o neoliberalismo como os três eixos essenciais que a determinam). Como no essencial confirmou a análise à evolução da situação nacional, à avaliação das políticas de direita e às suas consequências: no plano económico, com o domínio crescente dos grupos económicos e debilitação da estrutura produtiva nacional; no plano social, com a degradação da situação social, a ofensiva contra direitos traduzida na sua limitação ou liquidação e o agravamento das condições de vida de largas camadas da população; no plano político, com a descaracterização do regime democrático e o ataque a liberdades, direitos e garantias.
Resultantes do debate, foram acolhidas, entre outras, propostas no sentido de evidenciar a natureza e opções dominantes do processo de integração europeia, do papel de convergência e aliança entre a direita e a social-democracia no seu desenvolvimento, ou destinadas a desenvolver políticas sectoriais insuficientemente tratadas.
As teses põem em relevo o papel da luta de massas e as condições para uma alternativa política. O debate testemunhou, pela experiência viva da intervenção de milhares de membros do Partido, a afirmada importância da luta de massas, o papel da classe operária e dos trabalhadores como motor para o seu desenvolvimento; a intervenção das principais organizações de classe – com destaque para o movimento sindical e as comissões de trabalhadores – e de outras organizações e movimentos sociais na luta de resistência à política de direita e em defesa dos interesses das camadas e sectores que representam; a insubstituível intervenção e iniciativa própria do Partido e a articulação da acção de massas com a luta nas instituições. Como no essencial confirmou a análise do quadro partidário nacional, dos vários actos eleitorais ocorridos e das condições para a construção de uma alternativa de esquerda.
Neste 3º capítulo, foram incluídas alterações que registam desenvolvimentos no posicionamento do PS, no sentido de uma mais clara vinculação às políticas neoliberais, de pretensões hegemónicas e de hostilização à cooperação entre forças democráticas, resultantes do seu último congresso; ou ainda que precisam a definição do processo de construção de uma alternativa de esquerda, enquanto objectivo estratégico, e as condições determinantes enunciadas para a sua concretização, designadamente a ampliação da influência política do PCP e o desenvolvimento da luta de massas.
O fortalecimento do Partido, tarefa decisiva e indispensável à materialização de todos os outros objectivos políticos e tarefas enunciadas, mereceu no debate particular concentração de atenções, num quadro geral caracterizado pela concordância com as principais questões incorporadas no respectivo capítulo, designadamente as destinadas a evidenciar as condições de luta em que o PCP desenvolve a sua actividade, o papel e importância decisiva do Partido, na resistência à política de direita, e a acção dirigida contra ele, no sentido de procurar enfraquecer a força mais combativa e consequente que se opõe ao capitalismo e luta por uma sociedade socialista; a sublinhar o papel decisivo da organização e a importância do seu reforço, enquanto instrumento insubstituível de intervenção, de ligação às massas e de força transformadora, bem como as questões relativas ao papel da direcção e dos quadros; a valorizar a importância dos meios de intervenção próprios do Partido para um desenvolvimento eficaz da sua actividade e para a afirmação e defesa da sua independência de classe.
A valorização da actividade realizada não pode iludir, aliás como as Teses referem, numerosas insuficiências e dificuldades. Procuraremos que deste congresso e das orientações que nele aprovarmos resulte uma contribuição para as vencer e ultrapassar. Fá-lo-emos na base daquilo que de mais precioso e enriquecedor este Partido tem: os seus militantes e a sua generosa dedicação à luta dos trabalhadores e do povo português. E sobretudo com a profunda determinação revolucionária de um colectivo partidário que, perante as naturais interrogações sobre se são possíveis ou fáceis os objectivos por que luta, encontra resposta, não na desistência ou abandono, mas sim na firme convicção da justeza das suas causas e da imperiosa necessidade, para os trabalhadores e para o País, de um novo rumo para a política nacional e da construção de uma nova sociedade.