Francisco Lopes

Sobre a alteração aos Estatutos


Os Estatutos são, com o Programa, a base essencial em que assenta a definição do Partido.
Os Estatutos são uma construção colectiva de gerações de comunistas, cuja experiência desenvolvida em diferentes condições colocou necessidades de aperfeiçoamento e renovação de soluções e formulações no quadro da afirmação da natureza, identidade e objectivos do Partido, como partido comunista. Esse é o aperfeiçoamento e a renovação que serve o Partido e os seus objectivos, e não as teses de descaracterização e mutilação dos Estatutos, que estão presentes em cada fase de ataque ao Partido e que, mais uma vez, com forte intensidade mediática e insidiosa insistência, têm caracterizado as pressões sobre os nossos métodos de funcionamento.
As alterações aos Estatutos, agora propostas, baseiam-se na avaliação própria do Partido, decorrente da experiência partidária, em outros elementos de actualização e na orientação que definiu relativamente às leis sobre os partidos. No essencial, referem-se à consideração da Comissão Central de Controlo como órgão de jurisdição, a uma maior precisão do que significa a não admissão de fracções, ao estabelecimento de um prazo para recurso e à indicação dos sítios Internet e edições electrónicas nacionais como imprensa do Partido.
Da consideração das cerca de cem propostas, resultantes do debate realizado, apurou-se o alargamento do prazo de recurso e a precisão das competências do Comité Central e da Comissão Central de Controlo em matéria disciplinar. No âmbito do debate, entendeu-se também que a alteração sobre a inclusão nos Estatutos das competências do Secretariado do Comité Central, relativas à administração do património e dos recursos financeiros, poderia, no quadro da evolução legislativa sobre financiamento e contas dos partidos, tirar flexibilidade às respostas do Partido e, por isso, propõe-se a manutenção da formulação actual dos Estatutos.
Nas propostas não aceites contam-se, além daquelas que faziam desenvolvimentos considerados excessivos, algumas sobre matérias de fundo. É o caso de propostas que visavam eliminar a ideia de que os princípios de funcionamento do Partido decorrem do desenvolvimento criativo do centralismo democrático, que visavam permitir a existência de fracções no Partido, que previam que a eleição do Comité Central pudesse ser feita a partir de propostas de pelo menos 500 militantes, ou ainda que consagravam a possibilidade da convocação de um congresso extraordinário ser feita por um número idêntico de militantes, sendo os seus objectivos e ordem de trabalhos definidos por quem deliberasse ou requeresse a sua realização. Propostas que são contrárias ao sentido geral do debate no Partido.
Num dos maiores ataques de sempre à liberdade de organização política, o PSD, o CDS-PP e o PS consumaram, no dia 24 de Abril de 2003, as leis sobre os partidos, leis antidemocráticas e inconstitucionais, dirigidas principalmente contra o PCP, com as quais nos querem impor os seus métodos de funcionamento, definindo normas e criando mecanismos de intervenção coerciva.
São leis inaceitáveis, que combatemos e cuja revogação exigimos. Sabemos o que os seus promotores querem e saberemos encontrar as formas de frustrar os seus objectivos. Não preconizamos o confronto directo dos Estatutos com o articulado das leis, mas afirmamos claramente que não vamos adoptar formulações que sejam nocivas ou que comprometam as características essenciais do Partido.
A nossa experiência aponta o voto de braço no ar como o que mais se coaduna com o espírito de frontalidade que deve caracterizar o funcionamento partidário, a par de uma prática em que cada organização tem o direito de decidir da forma de voto que entende mais adequada, direito que o PS, o PSD e o CDS-PP querem retirar.
Admitimos, no quadro da actual correlação de forças, não correr os riscos decorrentes do uso do voto de braço no ar para a eleição do Comité Central neste XVII Congresso, como método de funcionamento e como forma de luta contra estas leis. Tanto mais, quanto esses riscos se relacionam com uma questão – a forma de voto – que, como vemos, não é uma questão de princípio.
No entanto, a opção que tomámos neste XVII Congresso, no quadro da actual correlação de forças, não tem que ser necessariamente a opção a tomar no futuro.
Por outro lado, a solução adoptada para a eleição do Comité Central não tem que ser generalizada, podendo e devendo manter-se o funcionamento do Partido de acordo com a vontade dos seus militantes.
E é preciso ainda sublinhar que, agindo num determinado quadro, decidimos não correr riscos desnecessários no âmbito da eleição do Comité Central. Mas isso não significa aceitar tudo e mais alguma coisa, para não correr riscos. Se houver necessidade, face aos desenvolvimentos ou interpretações dessas leis, correremos os riscos que forem necessários para defender o Partido.
Que ninguém tenha a ilusão que, mesmo por via legislativa, transformará o PCP num outro partido, dócil, conveniente, submetido ao poder e à ideologia do grande capital que domina a sociedade portuguesa. O PCP, digno do compromisso de mais de 80 anos de luta, é e continuará a ser o Partido que os trabalhadores, o povo e Portugal precisam.
Não nos resignamos, face a estas leis antidemocráticas e inconstitucionais. Em centenas de assembleias plenárias foram aprovadas moções exigindo a sua revogação, sobressaindo desde já, como um dos eixos da acção partidária nos próximos anos, a dinamização da acção em defesa do regime democrático, pelo restabelecimento da liberdade de organização política consagrada na Constituição, pelo direito de os membros de um partido decidirem como este funciona, se organiza e que objectivos deve ter.
Nas alterações aos Estatutos tem significado o conteúdo daquilo que se altera, mas também das matérias que se confirmam. Tem assim uma grande importância a confirmação, que se propõe, dos aspectos essenciais dos Estatutos, que tiveram um apoio generalizado no debate realizado nas organizações partidárias.
Confirmam-se os elementos centrais da identidade do Partido: a sua natureza de partido da classe operária e de todos os trabalhadores; a sua base teórica: o marxismo-leninismo, concepção materialista e dialéctica; o seu objectivo de construção do socialismo e do comunismo, de uma sociedade nova, liberta da exploração do homem pelo homem, das injustiças e flagelos sociais do capitalismo; a sua estrutura orgânica e princípios de funcionamento, que assentam no desenvolvimento criativo do centralismo democrático, de que são características básicas uma profunda democracia interna, uma única orientação geral e uma única direcção central, e a sua afirmação como partido patriótico e internacionalista.
Confirmam-se os princípios do trabalho colectivo e da direcção colectiva, a nossa rica concepção de um CC de que resultam os organismos executivos e o Secretário-geral, em cujo trabalho colectivo ele se insere, que se contrapõe à concepção fulanizada do chefe situado acima do colectivo e que, no caso de alguns partidos, em vez de resultar da direcção, é ele que escolhe uma parte da direcção.
Confirmam-se os princípios de uma profunda democracia interna, que confere aos membros do Partido o direito de opinião e estabelece a não admissão de fracções, condição para a unidade e coesão do Partido. Uma reafirmação particularmente importante quando, nos últimos anos e na actualidade, há quem confunda direito de opinião com direito à desagregação do Partido. Quando há quem se diga preocupado com a influência do Partido e, passado pouco tempo, apareça como candidato de outro partido. Ou quando há quem entre na lógica de quanto pior para o Partido, melhor para as suas teses e objectivos e inventa uma nova forma de militância, que consiste em dedicar-se ao desgaste, ao insulto e à agressão pública permanente do Partido.
Confirmam-se ainda os critérios e formas próprias de realização de congressos. Critério que podemos sempre aperfeiçoar, mas que constituem uma forma superior de participação democrática, sem paralelo no quadro político do nosso país, em que cada membro do Partido, não se limita a dizer sim ou não, tem o direito e o dever de intervir, com a sua reflexão e opinião próprias, em reuniões e assembleias plenárias, pode dá-las a conhecer através da Tribuna do Congresso no Avante! e pode contribuir também para a alteração dos documentos, com propostas de emenda, que permitem fazer chegar ao Congresso documentos enriquecidos com a contribuição colectiva.
A proposta do Comité Central é, por sua vez objecto, da opinião e audição de centenas de organismos e quadros.
Temos deficiências e queremos sempre mais e melhor. Mas, quando se fala de apatia, de afastamento da participação política e de alienação, é motivo de satisfação podermos ver essa realidade de mais de 1 500 reuniões realizadas, de dezenas de milhares de participantes, de muitos milhares de intervenções com reflexões de diverso tipo, traduzindo diferentes percursos, experiências e saberes. Nos últimos dois meses, algo de diferente no plano político se verificou no País: a preparação do XVII Congresso do PCP, que os grandes meios de comunicação social, encerrados nos seus preconceitos, não quiseram ver: a participação de milhares de homens e mulheres, destacados intelectuais, operários, empregados, trabalhadores precários, reformados e pensionistas, desempregados, agricultores, pequenos e médios empresários, militantes com as mais diversas profissões e formações, numa reflexão colectiva ímpar, a contribuírem para o acerto das orientações, a apreenderem ideias e propostas, a prepararem uma intervenção cujo êxito depende deste grande colectivo militante, ligado às massas, organizando-as e mobilizando-as para as lutas que o futuro nos coloca.
Os Estatutos são um compromisso colectivo, uma âncora em que o Partido sustenta a sua organização e intervenção. A organização e intervenção de um partido assente nas suas próprias forças, agindo com dinamismo e criatividade, com a preocupação de quem sente as dificuldades e os problemas dos trabalhadores e do povo, com a alegria de quem é portador de um projecto de futuro, com a determinação e confiança na luta que continua por uma democracia avançada, pelo socialismo, por um Portugal com futuro.


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