Boas intenções, perigosas ilusões

Albano Nunes

Tudo o que con­trarie a brutal po­lí­tica de guerra im­pe­ri­a­lista é bem vindo.

Tudo quanto possa contrariar a criminosa política do imperialismo norte-americano deve ser saudado. A situação internacional atingiu uma tal gravidade – nomeadamente no Médio Oriente onde estão a ser cometidos todos os dias crimes sem nome contra os povos iraquiano e palestiniano – e multiplicam-se de tal modo os sinais sombrios de uma “nova ordem” mundial fascizante, que deve ser positivamente assinalada a simples afirmação (na Assembleia Geral da ONU por exemplo) de que a solução dos problemas internacionais deve ser procurada pela via política (e não militar) ou de que o terrorismo se combate sobretudo atacando e irradicando as suas causas.

Importa porém não esquecer que se isto acontece, é porque se desenvolve uma forte resistência popular às políticas de exploração e de guerra imperialista, é porque os EUA estão cada vez mais desacreditados e isolados no plano internacional em conseqüência da sua arrogante política de pilhagem, agressão e guerra, é porque houve sempre alguém que, mesmo nos momentos mais sombrios, levantou uma voz lúcida e corajosa contra a onda de irracionalidade e obscurantismo com que o imperialismo, todo o imperialismo, justificou ataques a liberdades fundamentais, corrida armamentista e operações agressivas. Como foi o caso do PCP quando, logo após o 11 de Setembro, alertou para os reais objectivos da “guerra ao terrorismo” proclamada por Bush e defendeu a necessidade de atacar a fundo as causas sócio económicas, políticas e ideológicas de práticas terroristas.

Vem isto a propósito da chamada “Aliança contra a fome” lançada em fim de Setembro por ocasião da Assembleia Geral da ONU pelo Presidente Lula em conjunto com Chirac, Zapatero e Lagos, e envolvendo numa cimeira 55 governantes de todos os continentes. Uma tal iniciativa, que não contou obviamente com o apoio dos EUA, é em si mesma positiva. Sê-lo-ia ainda mais se efectivamente significasse “a primeira pedra de uma nova coligação com uma visão multilateral do mundo, oposta à que representava a aliança de George W. Bush, Tony Blair e José Maria Aznar, imortalizada na famosa foto dos Açores”, como escreve o El País de 20.09.04. Deve por isso ser valorizada. Mas quanto baste. Porque se ela contribui para minar os fundamentos políticos e ideológicos da “nova ordem” imperialista, pode por outro lado alimentar ilusões quanto aos caminhos necessários para combater o flagelo da pobreza e da fome no mundo. Contribuindo para isolar o imperialismo norte-americano, pode levar a água ao moinho de um pseudo reformismo paternalista, caritativo, desmobilizador das massas e da sua luta indispensável.

A experiência já mostrou que só em ruptura com a dinâmica do sistema capitalista, é possível diminuir as clivagens sociais e o fosso “Norte”/”Sul”. Só respeitando a soberania dos povos, acabando com as imposições do FMI, do BM e da OMC - cuja missão é desmantelar as barreiras à pilhagem das multinacionais – pondo fim ao garrote da dívida externa, com profundas transformações como a reforma agrária e a proteção dos recursos nacionais. E levando à prática resoluções que a própria ONU adoptou quando a URSS influenciava fortemente as relações internacionais, como seja reduzir as despesas militares em benefício da ajuda ao desenvolvimento, e não “taxar o comércio de armas” como agora é proposto.

Sim, tudo o que contrarie a brutal política de guerra imperialista é bem-vindo, desde que se rejeitem as ilusões social-democratizantes que lhe são associadas. O carácter desumano, predador e ameaçador do capitalismo exige respostas revolucionárias, claramente anti-capitalistas, orientadas para o socialismo. Às forças da libertação só interessa a solidariedade internacionalista, a cooperação em pé de igualdade e a ajuda desinteressada. Elas próprias encontrarão a forma de liquidar a pobreza e a fome e construir sociedades mais livres e justas.


Mais artigos de: Opinião

Discursos

Na passada segunda-feira o Primeiro-Ministro Santana Lopes falou ao País, o que levanta um problema.Não porque o que haja dito suscite dúvidas à hora em que foi ouvido – cada intervenção daquele homem tem um absoluto rigor facial: vale exactamente o que naquele momento afirma.O pior é o depois.Ou seja, o grande problema...

17.º Congresso do PCP

O Partido não fechou nem fecha para Congresso. É a realidade que comprova a afirmação.

Censura & negócios SGPS

Não há dúvida que o Governo, usando o aparelho de Estado, o «PPD-PSD» e os «comentadores-santanetes», lançou uma operação para «calar» a arenga de M.R.Sousa na TVI. Aliás P.S.Lopes domina a técnica censória desde que foi patrão (falhado) do «Liberal» e da «Sábado», em 1989, e o PSD tem, nesta matéria, a escola de...

A benefício do inventário

Quem tenha acompanhado a vida política nacional nas últimas semanas - e poucos terão sido os que conseguiram escapar ao dilúvio - terá certamente pensado que o agitar das águas provocado pelo insólito desaguisado entre um ministro da maioria e um professor/comentador encartado da mesma maioria ia dar lugar a barrela...

Nas fronteiras do mesmo

Descontada a alteração verificada ao nível da banda sonora e da cor do cenário bem se pode dizer que o congresso do PS e os seus resultados ameaçam constituir-se numa mera reposição de um filme já visto. Quem dali esperasse um momento de reflexão sobre as razões da falência dos seus governos mais recentes, sobre a...