Professores não colocados

Estudantes preocupados com ano lectivo

Isabel Araújo Branco
A nova lista de colocação de professores do ensino básico e secundário ainda não foi publicada e os estudantes mostram-se preocupados com as repercussões no ano lectivo, especialmente para quem tem de fazer provas globais e exames nacionais.

«Os exames vão ser iguais mas há alunos que dão menos matéria»

Escola Secundária Vergílio Ferreira, em Lisboa, tarde de segunda-feira. No pátio, grupos de alunos põem a conversa em dia, matam as saudades que cresceram nas férias e interrogam-se se terão professores daí a dia e meio, na quarta-feira, quando as aulas começarem. Ainda estão por colocar 31 horários.
A Associação de Estudantes alerta para as repercussões no ano lectivo e para as consequências no percurso dos jovens. «Como as aulas vão começar mais tarde, também vão acabar mais tarde, apesar de as datas dos exames nacionais não serem alteradas. Nós temos de saber o que está no programa, porque os exames não prevêem atrasos. Vai ser a técnica do desenrasca», prevê Miguel Agruchão.
Inês Silva propõe uma situação de compromisso para não prejudicar ainda mais os estudantes: ser retirada uma parte da matéria ou haver mais tempo para estudar. «É uma situação injusta, porque os exames vão ser iguais mas há alunos que dão menos matéria do que outros. É normal que uns tenham piores notas», sublinha.
Inês lembra que no ano passado, no 11.º ano, a professora de inglês da sua turma só foi colocada no fim do primeiro período. «As pessoas que tinham mais dificuldades ficaram sem saber metade da matéria. Já não temos mais inglês e eles não aprenderam muita coisa que lhes vai fazer falta ao longo da vida», diz.
A colocação tardia dos professores terá consequências na desmotivação dos alunos e no insucesso e abandono escolar. «Nesta escola cheguei a ter dois professores por ano na mesma disciplina. Se os professores nos conhecem, podem-nos acompanhar e sabem a matéria que demos e como lidar connosco. Estando sempre a mudar de escola e de turmas, é difícil os professores conhecerem-nos», conta Inês.
«O trabalho contínuo com o mesmo professor é sempre mais produtivo, porque as pessoas já se conhecem, já sabem como trabalhar umas com as outras», defende Miguel. «O abandono escolar acontece porque os estudantes não conseguem ultrapassar os desafios que lhes são colocados ao longo do percurso escolar ou porque não têm condições monetárias e familiares para continuar a estudar. Se uma pessoa não é ensinada na escola e não tem capacidade para estudar sozinha em casa, acaba por chumbar. Depois desmotiva-se e desiste. É assim que as coisas funcionam, salvo excepções de pessoas mais fortes», considera.

Estudantes penalizados

Noutra ponta do País, em Faro, esta opinião é igualmente defendida por Lígia Faria, da Associação de Estudante da Escola Secundária Tomás Cabreira. Nesta instituição, as aulas começaram na passada segunda-feira, apesar de ainda estarem por colocar 30 professores. As turmas do 10.º e 11.º anos são as mais afectadas.
«A perda de algumas semanas de aulas prejudicará o aproveitamento escolar, porque os professores não vão conseguir dar a matéria prevista ou dão tão depressa que os alunos não vão conseguir absorvê-la», alerta Lígia. «Se no ano passado já tivemos milhares de estudantes a chumbar, nomeadamente no 12.º ano por causa dos exames nacionais, neste ano, com o atraso na colocação dos professores, ainda seremos mais prejudicados. É difícil entender as matérias que não são explicadas pelos professores e depois ir fazer um exame nacional. Quem faz um exame nesta circunstância, vai muito mal preparado», acrescenta.
As explicações privadas são a compensação que os alunos encontram. No 12.º ano rondam os 30 contos por mês por cada disciplina, uma despesa extra que nem todas as famílias podem suportar. «É mais um elemento para elitizar a nossa educação», diz a dirigente associativa, explicando um dos percursos típicos que levam ao abandono escolar: «Os estudantes vêem notas baixas no primeiro período, depois no segundo período, desmotivam-se, não têm possibilidades económicas para pagar explicações, desistem da escola e começam a trabalhar.»
Para Lígia Faria, a mudança anual de professores é uma «penalização», porque os novos docentes «não conhecem os alunos e não sabem quais as suas verdadeiras capacidades. Há estudantes que têm problemas fora da escola e não se conseguem mostrar a cem por cento. Um professor que nos acompanha vai conhecendo as nossas dificuldades e ajuda-nos a ultrapassá-las.» Além disso, «mudar de professores todos os anos ou às vezes no mesmo ano prejudica-nos, porque têm métodos diferentes e não conhecem bem os alunos».
Neste novo ano lectivo, os três dirigentes associativos queriam ver muita coisa mudada no sistema educativo, mas para melhor. Miguel Agruchão sintetiza: «Mais estabilidade e mais eficácia.» Inês Silva diz que gostava «de ver os professores mais dinâmicos e mais empenhados em ensinar». Lígia Faria gostaria que «a revisão curricular não tivesse sido implementada e que deixasse de haver os exames nacionais, porque constituem uma barreira para quem quer continuar a estudar». Um ensino diferente, portanto.

Educação não é prioridade para o Governo

O Governo não leva a sério a educação, denuncia Lígia Faria. «O Executivo só tem prejudicado os estudantes e a educação. Apesar de terem saído milhares de estudantes às ruas, o Governo avançou com a revisão curricular», afirma a dirigente associativa, levando a sua acusação mais longe: «A ignorância do povo é a satisfação do Governo, por isso continua prejudicar a educação para que as pessoas sejam mais ignorantes e não possam defender as suas causas e os seus direitos.»
Também Miguel Agruchão pensa que o ensino «não tem a importância que devia ter». «É na educação que está o futuro de um país. Com uma formação equilibrada, decente, que fizesse de nós melhores cidadãos, podíamos tirar proveitos», declara.
Inês Silva mostra-se muito preocupada com o nível de cultura geral da população portuguesa. «É baixíssima, aterroriza-me. As pessoas não sabem coisas básicas, como as capitais de países. Isto é fruto da educação e das condições que têm, mas a escola devia ajudar mais. Se calhar também não se esforçam por saber. É mais fácil ver um filme do que ler um livro, eu sei, mas é mais importante ler. Devia haver incentivos nas escolas. Nós temos um centro de apoio com livros, mas não há nada que nos chame lá. Só somos incitados a coisas fáceis, mas as coisas difíceis também são importantes.»



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