O novo/velho Governo

Bernardino Soares (Membro da Comissão Política do PCP)
O Governo que agora inicia as suas funções resulta, recorde-se, da decisão do Presidente da República que aceitou legitimar um executivo sem credibilidade política nem aceitação popular, cujas orientações e desempenho tinham sido estrondosamente derrotadas nas eleições para o Parlamento Europeu, o que levou à saída do anterior Primeiro-ministro.

A decisão de manter o Governo era a que agradava aos grupos económicos

A decisão do Presidente é tanto mais grave quanto assenta na exigência de manutenção de um eixo essencial das políticas deste governo, que tanto prejudicaram os portugueses e o País.
O certo é que a decisão de manter o governo e indigitar Santana Lopes era a solução que correspondia aos anseios da maioria dos grandes grupos e interesses económicos. Basta ver os elogios à formação do governo da elite dos dirigentes dos principais grupos económicos. Um jornal económico dizia mesmo com clareza, quando do anúncio do elenco governativo: «O poder económico, num consenso invulgar, há duas semanas manifestou-se contra as eleições antecipadas. Agora Pedro Santana Lopes deu-lhes o suficiente: a equipa de ministros para a Economia e Finanças merece também aplauso unânime. Empresários, gestores e banqueiros sentem-se tão entusiasmados que já nem exigem garantias de continuidade. Com Bagão Félix e Álvaro Barreto a maioria espera mais e melhor.»
O processo de formação do Governo denunciou um acentuar do peso dos representantes dos grandes interesses económicos, como acontece na Economia, nas Finanças, na Saúde, nas Obras Públicas, entre outros. Mas caracterizou-se também pela satisfação de clientelas partidárias e pessoais quer dos aparelhos do PSD e CDS/PP, quer do próprio Primeiro-ministro. É assim que, apesar das promessas de emagrecimento, o Governo aumenta em ministros e em secretários de estado; apesar das promessas de integração de gente de fora de Lisboa, ele é o Governo mais lisboeta das últimas décadas; e até a pseudo descentralização anunciada consiste afinal em transferir os gabinetes dos secretários de Estado para várias cidades (curiosamente sempre aproximando as localizações da residência dos respectivos titulares).
As trapalhadas do processo de formação do Governo comprovam que se tratou de encontrar uma repartição de poderes e um esquema de colocações pessoais. Arranjou-se um Governo à medida dos governantes e não governantes à medida do Governo e das necessidades do País.
Da orgânica do Governo, a par de evidentes desconexões e divisões artificiais evidentemente criadas pela necessidade de repartir os lugares, ressalta o desaparecimento do Ministério do Trabalho, agora subordinado à economia e separado da segurança social.

Linhas essenciais mantêm-se

Entretanto, o Governo já vai ensaiando tentativas de se livrar da responsabilidade pelas políticas seguidas nos últimos dois anos e meio. É preciso por isso lembrar que, tratando-se formalmente de um novo governo ele não o é politicamente; é responsável por tudo o que foi feito nos últimos dois anos e meio e pela situação a que conduziu o País.
O programa do Governo discutido esta semana na Assembleia da República, mantém as linhas principais da política retrógrada e de direita do governo de Durão Barroso, acentuando ainda em certos casos o seu carácter reaccionário.
Mantém-se a perspectiva de continuação das privatizações, quer de empresas públicas quer de serviços públicos designadamente em áreas sociais; aponta-se para a continuação da desregulamentação das relações laborais, exigindo-se a «permanente adequação» da legislação; afirma-se a intenção de retirar cada vez mais o Estado da intervenção directa nos sectores sociais, remetendo-o para uma função meramente reguladora; reforça-se a ideia do crescente pagamento directo dos serviços públicos pelos cidadãos, com a introdução do princípio do utilizador/pagador; confirma-se a política de diminuição da despesa e do investimento públicos, não havendo referência à necessidade de revisão do Pacto de Estabilidade e Crescimento; apresenta-se o referendo do novo tratado europeu como uma mera possibilidade; mantêm-se perspectivas de manutenção e alargamento dos benefícios fiscais para os grandes grupos económicos, sem que haja qualquer concretização da promessa de baixar o IRS para as classes trabalhadoras.
Continuamos a não nos resignar perante a perspectiva de fim do mandato só em 2006. Como se provou pela recente crise política, a luta dos trabalhadores e das populações, a contestação à política do governo é o factor decisivo para derrotar este governo e esta política.


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