A indústria do papel cai em mãos privadas

Portucel privatizada

Luís Gomes
«Frontalmente contra» a privatização do sector da pasta de papel, os trabalhadores da Portucel Soporcel encaram com pessimismo a venda de mais 30 por cento do património, agora na posse da Semapa. É o País que fica mais pobre.

A entrega desta indústria aos privados é injustificável

Vitorino Eusébio e António Brás, dirigentes do Sinquifa/CGTP-IN e membros da Comissão de Trabalhadores, e Vicente Merendas, da Organização Regional de Setúbal do PCP, falaram ao Avante! das dificuldades que a organização sindical tem tido, devido à alienação do património, às junções de empresas e às ameaças de despedimento através das rescisões «por mútuo acordo».
O processo de privatização faz parte da «roda avassaladora», como classificou Vitorino Eusébio, de entrega de empresas e sectores públicos lucrativos à ganância privada, ficando o Estado com uma parte minoritária. Para este dirigente, é claro que «o patronato vai querer fazer ainda mais dinheiro à custa do trabalho, reduzindo o quadro de efectivos».
Muitos trabalhadores estão preocupados com a manutenção do quadro que só nos dois centros fabris da Portucel – a ex-Papéis Inapa, em Setúbal e o centro fabril de Cacia, em Aveiro – tem cerca de 1.100 efectivos e suporta mais de 2 mil empregos indirectos. Entretanto, a administração tem efectuado contratos com Empresas de Trabalho Temporário, tendo entregue a tutela do sector à privada Argoser. Para essa empresa foram transferidos trabalhadores efectivos e têm-se registado atrasos no pagamento de subsídios de turno. Também a manutenção está já alienada. «Utilizam mão-de-obra indiferenciada e, normalmente sem formação capaz para exercer com eficácia e segurança as suas funções», revelou o mesmo dirigente sindical. «Em vez de o reduzir, o que a administração devia fazer era reforçar o quadro de efectivos», disse António Brás, para quem a opção pela precariedade se deve à redução de custos. «Os precários exercem as mesmas funções por menos salário e sujeitam-se aos horários que a administração bem entenda».

Desmantelar para despedir

Os sindicalistas temem que se repita «a sangria de efectivos», à semelhança do que aconteceu quando o Governo de Cavaco Silva realizou a primeira fase de privatização, em 1993. Vitorino Eusébio recordou que, nessa fase, a rescisão de contratos foi conseguida sob fortes pressões da administração: «houve secções imediatamente reduzidas em número de trabalhadores e outras fecharam definitivamente, com a consequente centralização dos serviços e a redução do quadro», revelou.
Embora o AE esteja a ser respeitado, para os trabalhadores das três unidades da empresa, a prioridade vai para a sua revisão, sobre a qual a administração se tem mostrado «irredutível», de acordo com um comunicado do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias de Celulose, Papel, Gráfica e Imprensa/CGTP-IN.
A administração apresentou às ORT’s no dia 12 de Fevereiro, uma proposta «inaceitável» e final de três por cento de aumento salarial.
No dia 17 do mesmo mês, na unidade de Cacia foi aprovada, em plenário, uma moção que lamentava a intransigência da administração em não repor o poder de compra. As ORT’s ficaram mandatadas para desenvolver acções de luta em convergência com os trabalhadores do centro fabril de Setúbal. Apelam ainda aos trabalhadores para estarem atentos às propostas de «rescisão por mútuo acordo», principalmente os que têm mais anos de casa, «constantemente assediados para aceitarem rescisões que são despedimentos encapotados», referiu Vitorino Eusébio.

Vencer dificuldades

O desmantelamento e a entrega de partes lucrativas ao sector privado tem criado dificuldades às organizações sindicais. «A ofensiva do capital pretende, além de apropriar-se do lucro, descaracterizar as organizações de classe dos trabalhadores, dividindo-os», salientou Vicente Merendas.
Acresce tratar-se de uma empresa que funciona em laboração contínua. As ORT’s têm-se empenhado em consciencializar os trabalhadores para a importância de participar nos plenários e na actividade sindical. Segundo Vitorino Eusébio, nota-se que estão, desde o anúncio desta fase privatizadora, mais sensibilizados para a participação, «mas ainda temos muito trabalho por fazer, até que tomem consciência da necessidade de participar unidos na actividade».
Segundo os sindicatos e a CT, «nesta empresa não se justifica qualquer parceira com privados, uma vez que a Portucel Soporcel, é uma das mais competitivas da Europa».

Um vasto património

Segundo os sindicatos e a CT, «nesta empresa não se justifica qualquer parceira com privados, uma vez que a Portucel Soporcel, é uma das mais competitivas da Europa».
«É a maior proprietária de terrenos em Portugal, com cerca de 1,5 por cento do território nacional. Como empresa pública, assumiu as suas responsabilidades em defesa dos recursos naturais e da gestão florestal dos terrenos, além de sempre ter fornecido avultadas receitas ao Estado e é tudo isto que está agora a ser posto em causa», salientou António Brás. Apetrechada com todos os meios necessários à prevenção ambiental, tem o melhor tratamento de poluentes de Portugal e são todos estes instrumentos de gestão sustentada que as ORT’s temem estar comprometidos com a passagem da gestão estatal para o sector privado.
António Brás pronunciou-se também sobre os nada agradáveis odores emanados por este tipo de indústria, mas fez notar que alienação vai trazer consequências para o ambiente ainda mais perigosas e piores para as populações, os trabalhadores e o País. Embora ainda não se tenham apercebido das consequências da privatização para as suas vidas, António Brás está convicto de que os trabalhadores, «quando começarem a sentir os efeitos, actuarão em defesa dos seus direitos».

Cinquenta anos de história

Com a nacionalização em 1976, a indústria da pasta do papel passou a ter responsabilidades acrescidas em termos ambientais e na gestão do património que enquanto entidade privada nunca tinha assumido. Tornou-se Empresa Pública e os trabalhadores ficaram ao abrigo de um Contrato Colectivo de Trabalho.
Embora com histórias diferentes, Portucel e Soporcel foram desenvolvendo uma estratégia comum de consolidação das suas posições como líderes europeus no sector da pasta de papel. Em 2001, a Portucel adquiriu a Soporcel com o propósito de criar um grupo nacional com uma forte presença no mercado mundial.
A Portucel iniciou a actividade em Cacia, no ano de 1953, tendo-se tornado pioneira no mercado mundial da polpa de eucalipto em 1957. Em 1964, a Papéis INAPA inicia, na unidade de Setúbal, a produção integrada com a Portucel, transformando polpa em papel. Em 1972, a INAPA vende, pela primeira vez, papel de eucalipto para a Europa.
A Soporcel iniciou actividade em 1984, na Figueira da Foz. A primeira máquina de papel começou a trabalhar em 1991 com uma capacidade de produção de 350 mil toneladas por ano. A instalação da segunda máquina – com capacidade para produzir 425 mil toneladas/ano –, reforçou a posição da empresa, no segmento europeu do mesmo mercado.
Com a junção das duas papeleiras, o capital social do Grupo passou para 767 milhões e meio. Ficou com uma capacidade de produção de um milhão de toneladas, das quais 660 mil são comercializadas na União Europeia.
Cavaco Silva, em 1993 dá início à reprivatização, convertendo a Portucel em SGPS, Sociedade Anónima. Em 1995 foram vendidos 44,3 por cento do capital social, numa altura em que estava já adquirida a PM3, uma máquina com a mais moderna tecnologia e que em 1997 produzia 180 mil toneladas por ano.
Em 2000, adquire a Papéis INAPA passando a ter um papel predominante no sector.
Em 1999, a unidade de Cacia torna-se líder europeia no fornecimento de papel para o sector de decoração enquanto a unidade da Figueira da Foz obtém um certificado de gestão do sistema ambiental, de acordo com os parâmetros internacionais.
Em termos florestais, o Grupo explora 2.083 hectares de terrenos, tendo plantadas, até agora, 12 milhões de árvores. Lançou também programas de apoio ao sector privado.
Com a Portucel pública, o Rio Vouga deixou de receber efluentes poluentes provenientes da unidade de Cacia que passaram a ir para o sistema do estuário intermunicipal de Aveiro. Através de projectos ambientais, o Grupo doou oito mil árvores a escolas pelo País, no Dia Mundial da Floresta.


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