Iraque: a resistência continua

José Casanova (Membro da Comissão Política do CC do PCP)

«O Iraque é palco de uma das principais frentes da luta anti-imperialista actual»

As imagens de prisioneiros iraquianos bárbara e sadicamente torturados por militares, agentes secretos e seguranças privados norte-americanos, são por de mais elucidativas da componente de barbárie que caracteriza a invasão e ocupação do Iraque.
A relevância da recente divulgação de tais imagens é óbvia, por várias razões: em primeiro lugar, pelo eventual efeito que a denúncia desses factos concretos e brutais pode vir a ter, pelo menos nos tempos imediatos, na contenção dos ocupantes em matéria de torturas; em segundo lugar, porque as imagens divulgadas constituem um alerta e um apelo à prossecução e à intensificação da luta pela paz e contra a ocupação do Iraque; em terceiro lugar, porque a divulgação das imagens das torturas, pelo que desvenda quanto ao conteúdo da ocupação imperialista, é susceptível de trazer mais gente e, assim, dar mais força a essa luta solidária com a resistência iraquiana.
Um dia conheceremos, com rigor e em pormenor, a dimensão real do crime contra a humanidade cometido no Iraque pelo imperialismo norte-americano e pelos seus lacaios de serviço. Mas esse conhecimento só espantará quem opte por, nessa altura, fingir espanto perante uma realidade sobejamente conhecida já hoje, ou quem viva, hoje, num estado de permanente distracção face aos sinais iniludíveis que todos os dias nos chegam.

O processo de invasão e ocupação do Iraque, explica, sem margem para dúvidas, o significado do objectivo repetidas vezes enunciado pelos ocupantes de «construir um Iraque livre e democrático» - que outra coisa não é do que um Iraque perfeitamente integrado no rebanho de carneiros ao serviço do Império. Os conceitos de liberdade e de democracia vigentes nos Estados Unidos da América estão à vista na destruição brutal do país, nos massacres de dezenas de milhares de pessoas, na tortura - e na hipocrisia e nas falsidades com as quais os ocupantes procuram democratizar as atrocidades cometidas. Eis um exemplo de hipocrisia elevada à máxima potência e, ao mesmo tempo, paradigma do conceito de democracia vigente no Império: no Iraque, em simultâneo com os bárbaros massacres que vitimavam dezenas de milhares de inocentes, os ocupantes dedicavam-se à democrática tarefa de elaborar a constituição do país ocupado... Aliás, em matéria de democracia, para os EUA, quer no plano interno quer no plano externo, o que conta é a aparência – uma aparência que, complementada com a repetição exaustiva de múltiplas patranhas e com a ajuda, quando necessário, de uma invasão, de uma ocupação, de um massacre, impõe a aceitação planetária da imagem dos EUA como pátria da democracia, da liberdade e dos direitos humanos.
Espalhando o terror em nome de um pretenso combate ao terrorismo; ocupando, oprimindo, assassinando sob a invocação de uma pretensa libertação, o imperialismo norte-americano, mostra a sua verdadeira face no Iraque.

A resistência do povo iraquiano aos todo-poderosos ocupantes do seu país, assume, assim, um carácter de notável heroicidade, ao mesmo tempo que constitui um exemplo para todos os povos do mundo. Se necessário fosse, aí estava a confirmação de que é possível resistir, e resistir com êxito, ao exército mais poderoso que alguma vez existiu.
Estamos perante uma resistência massiva e generalizada que todos os dias desmente a afirmação repetida e repetida pelos ocupantes de que «a esmagadora maioria do povo iraquiano está com as forças da coligação».

Na verdade, no tempo que vivemos, o Iraque é palco de uma das principais frentes da luta anti-imperialista actual pelo que a solidariedade com a luta do povo iraquiano contra a bárbara ocupação do seu país e pela sua libertação, constitui, hoje, um imperativo para todos os democratas, para todos os homens, mulheres e jovens de esquerda.

Voltando às imagens da tortura, uma última observação: trata-se – e é necessário sublinhá-lo – de situações recorrentes; de práticas vulgares, por repetidas, na longa e trágica história das libertações protagonizadas pelo Império; de métodos que integram e estão na essência dos caminhos de que é feito o objectivo de domínio planetário do imperialismo norte-americano. Vale a pena relembrar que há treze anos, por ocasião da chamada Guerra do Golfo (e isto para não sairmos do Iraque em matéria de exemplos dessas práticas), os invasores celebrizaram-se, entre muitas outras façanhas, pela de enterraram vivos, no deserto, soldados iraquianos que se lhes haviam rendido empunhando bandeiras brancas – assim evidenciando o seu verdadeiro apego à democracia, à liberdade, aos direitos humanos.


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