O silêncio
A detenção, a semana passada, do major Valentim Loureiro acabou por se revelar menos inesperada que as reacções que desencadeou - o que só confirma que nenhuma estranheza é terminal: à sua espera pode sempre haver outras maiores.
A detenção, propriamente dita, foi e não foi estranha.
Para quem já se convencera que a Justiça, em Portugal, só funcionava no julgamento de anónimos e desprotegidos em geral, foi inevitavelmente estranha.
Para quem, farto de ouvir boatos escancarados sobre a corrupção no futebol e já lera, no processo Casa Pia, um bom augúrio do funcionamento adequado da Justiça, nada teve de estranha.
Portanto, em relação à demanda concreta, há apenas que aguardar a sua evolução, que certamente decorrerá com normalidade processual e competência jurídica.
Agora as reacções, as tais que foram mais inesperadas que a própria detenção.
A primeira reacção algo inesperada foi a do próprio major: medindo cuidadosamente as palavras, acatando com deferência as determinações «da senhora doutora juíza» - que lhe impuseram severa reserva de movimentos, além da enorme caução de 50 mil contos -, Valentim Loureiro apresentou-se em público notoriamente prudente e à defesa.
Da truculência e foguetório habituais irrompeu apenas a originalidade de se apresentar na rua em pijama, sorrindo mansamente para as câmaras enquanto se carpia - na sorumbática advertência aos jornalistas de que «não deviam esperar ver ali visitas muito ilustres» - da manifesta ausência de pública solidariedade por parte dos altos responsáveis do seu partido, o PSD. Para deixar bem clara essa ausência de solidariedade, publicitou-a mesmo através do elogio exclusivo à «mensagem de solidariedade» enviada por Pedro Santana Lopes, que assim se viu na desconfortável posição de ser o único alto dirigente do PSD a ficar publicamente ao lado do novo estado do major – o de arguido.
E tão cuidadoso estava o major-arguido em não hostilizar a Justiça, que até se esqueceu de afirmar o que, em regra, é a primeira declaração da generalidade dos acusados – a sua garantia pública de inocência.
A segunda reacção – e esta notoriamente inesperada – foi a do Governo e do PSD, o principal partido que o sustenta: ambos se remeteram ao mais absoluto mutismo, invocando a conveniente asserção de que «não comentam processos em curso na Justiça».
Nem ninguém esperava que o fizessem. Mas já todo o País aguardava que o PSD (e na decorrência o Governo) dissessem alguma coisa quando vários dos seus militantes são presos, incluindo quadros importantes e altos dirigentes, acusados de corrupção que envolve eleitos autárquicos e lança graves suspeições de conexão com poderes governamentais.
Que dissessem, pelo menos, se confiavam na inocência dos acusados, se nada havia do seu conhecimento que justificasse as acusações, se depositavam crédito e confiança na Justiça para apurar os factos, isentar inocentes e punir culpados.
Nada. Silêncio total.
Ora tão clamoroso silêncio não cabe no pretexto da badalada «separação de poderes» - transborda abundantemente para fora, espumando a incómoda sensação de comprometimento...
A detenção, propriamente dita, foi e não foi estranha.
Para quem já se convencera que a Justiça, em Portugal, só funcionava no julgamento de anónimos e desprotegidos em geral, foi inevitavelmente estranha.
Para quem, farto de ouvir boatos escancarados sobre a corrupção no futebol e já lera, no processo Casa Pia, um bom augúrio do funcionamento adequado da Justiça, nada teve de estranha.
Portanto, em relação à demanda concreta, há apenas que aguardar a sua evolução, que certamente decorrerá com normalidade processual e competência jurídica.
Agora as reacções, as tais que foram mais inesperadas que a própria detenção.
A primeira reacção algo inesperada foi a do próprio major: medindo cuidadosamente as palavras, acatando com deferência as determinações «da senhora doutora juíza» - que lhe impuseram severa reserva de movimentos, além da enorme caução de 50 mil contos -, Valentim Loureiro apresentou-se em público notoriamente prudente e à defesa.
Da truculência e foguetório habituais irrompeu apenas a originalidade de se apresentar na rua em pijama, sorrindo mansamente para as câmaras enquanto se carpia - na sorumbática advertência aos jornalistas de que «não deviam esperar ver ali visitas muito ilustres» - da manifesta ausência de pública solidariedade por parte dos altos responsáveis do seu partido, o PSD. Para deixar bem clara essa ausência de solidariedade, publicitou-a mesmo através do elogio exclusivo à «mensagem de solidariedade» enviada por Pedro Santana Lopes, que assim se viu na desconfortável posição de ser o único alto dirigente do PSD a ficar publicamente ao lado do novo estado do major – o de arguido.
E tão cuidadoso estava o major-arguido em não hostilizar a Justiça, que até se esqueceu de afirmar o que, em regra, é a primeira declaração da generalidade dos acusados – a sua garantia pública de inocência.
A segunda reacção – e esta notoriamente inesperada – foi a do Governo e do PSD, o principal partido que o sustenta: ambos se remeteram ao mais absoluto mutismo, invocando a conveniente asserção de que «não comentam processos em curso na Justiça».
Nem ninguém esperava que o fizessem. Mas já todo o País aguardava que o PSD (e na decorrência o Governo) dissessem alguma coisa quando vários dos seus militantes são presos, incluindo quadros importantes e altos dirigentes, acusados de corrupção que envolve eleitos autárquicos e lança graves suspeições de conexão com poderes governamentais.
Que dissessem, pelo menos, se confiavam na inocência dos acusados, se nada havia do seu conhecimento que justificasse as acusações, se depositavam crédito e confiança na Justiça para apurar os factos, isentar inocentes e punir culpados.
Nada. Silêncio total.
Ora tão clamoroso silêncio não cabe no pretexto da badalada «separação de poderes» - transborda abundantemente para fora, espumando a incómoda sensação de comprometimento...