Venezuela e EUA (1)
Quando se fala das intervenções e ingerência dos EUA na América Latina, não se soe ter na mente a Venezuela. Será que é possível que nunca tenham sucedido, sendo a Venezuela um fornecedor principal de petróleo para o mercado norte-americano, um bem do qual o império está sempre faminto?
Houve-as e não foram poucas. Só que nunca se revestiram do figurino tradicional: invasão militar e ocupação directa do território. Isso não foi nunca necessário porque o imperialismo contou sempre com uma alta burguesia anti-patriótica, com políticos suficientemente domesticáveis e uma maioria de alto comandos militares, educados em academias norte-americanas, em perfeita sintonia com Washington.
O surgimento de Hugo Chávez abriu uma nova era nesse relacionamento, caracterizada pelas crescentes dificuldades de aceitação de Washington das opções patrióticas do governo de Caracas. A desconfiança manifestada desde a campanha eleitoral deu lugar às provocações, às ameaças, à ingerência mais ou menos descarada, como se viu no golpe de Estado de Abril de 2002.
No fundo das novas dificuldades está, como é óbvio, o petróleo, e não em menor medida o modelo político venezuelano, que se pode transformar «noutro» mau exemplo para os países latino-americanos tradicionalmente espoliados pelas transnacionais pró imperialistas.
Actualmente as relações estão difíceis, mas esta situação nada tem de novo.
Confirmando a visão política de Simão Bolívar, que caracterizou, há quase dois séculos, os males derivados da natureza da política dos EUA em relação aos países latino-americanos, uma rápida olhadela, dada a partir da segunda metade do século XIX, diz-nos claramente como têm sido agitadas as relações entre os dois países e como os EUA têm condicionado a política venezuelana.
1 – Entre 1850-57, o general Páez, ex companheiro de Simão Bolívar mas também um dos responsáveis pela divisão da Grande Colômbia, conspira contra a Venezuela, enquanto exilado nos EUA, onde é recebido em audiência pelo presidente Millard Fillmore, para desagrado das autoridades venezuelanas.
2 – Em 1861, Páez, que será presidente da Venezuela em quatro ocasiões, está de novo no poder e estabelece um governo que não é reconhecido pelos EUA, que retira o seu embaixador, E. Turpin.
3 – Dois anos depois, é o governo de Falcón que suspende relações com E. Collver, embaixador dos EUA.
4. Durante o regime de Guzmán Blanco, em 1877, é expulso o embaixador Thomas Russell. Os EUA encerram a sua embaixada e deixem os seus negócios ao cuidado da Dinamarca. O embaixador sintetiza assim a sua visão de como fazer entrar na razão o governo latino-americano: comprando o presidente ou enviando uns quantos barcos de guerra ao porto de La Guaira.
Passaram os anos, não os métodos!
Até aqui o petróleo não era assunto de grande importância nas relações entre os dois países, mas a situação vai mudar e no começo do século XX temos a primeira evidência.
Pouco mais de duas décadas de fundada a primeira empresa petrolífera totalmente venezuelana – Petrolia – nomeadamente em 1902 – durante o governo de Cipriano Castro, a quem as potências europeias queriam derrubar – Manuel Antonio Matos, banqueiro e general – veja-se que combinação! – tirou da manga uma Revolução Libertadora… com apoio da banca internacional e das petrolíferas estrangeiras, entre elas a New York & Bermudez. A guerra durará dois anos até ser derrotada. Os EUA protestam então pelo tratamento dado à empresa e, em 1908, voltam a encerrar a sua embaixada, deixando o Brasil encarregue dos seus assuntos. Antes do final da década, durante uma ausência de Castro, este é derrubado pelo seu compadre e
vice-presidente, José Vicente Gómez, cuja primeira medida é contactar os EUA e pedir apoio, não vá o compadre regressar… O império responde de imediato e coloca o navio de guerra Dolphin no porto de La Guaira. Vicente estabelecerá uma ditadura que durará até à sua morte, em 1935. Esta ditadura, a mais longa e brutal jamais sofrida pela Venezuela, mantém excelentes relações com os EUA, sempre em termos de dependência. Depois de Gómez, todos os presidentes venezuelanos visitam Washington, exceptuando o ditador Marcos Pérez Jiménez que obteve, contudo, a mais alta distinção do governo norte-americano, a Legião ao Mérito.
Em próximo artigo viajaremos da segunda metade do século XX até aos dias
de hoje.
Houve-as e não foram poucas. Só que nunca se revestiram do figurino tradicional: invasão militar e ocupação directa do território. Isso não foi nunca necessário porque o imperialismo contou sempre com uma alta burguesia anti-patriótica, com políticos suficientemente domesticáveis e uma maioria de alto comandos militares, educados em academias norte-americanas, em perfeita sintonia com Washington.
O surgimento de Hugo Chávez abriu uma nova era nesse relacionamento, caracterizada pelas crescentes dificuldades de aceitação de Washington das opções patrióticas do governo de Caracas. A desconfiança manifestada desde a campanha eleitoral deu lugar às provocações, às ameaças, à ingerência mais ou menos descarada, como se viu no golpe de Estado de Abril de 2002.
No fundo das novas dificuldades está, como é óbvio, o petróleo, e não em menor medida o modelo político venezuelano, que se pode transformar «noutro» mau exemplo para os países latino-americanos tradicionalmente espoliados pelas transnacionais pró imperialistas.
Actualmente as relações estão difíceis, mas esta situação nada tem de novo.
Confirmando a visão política de Simão Bolívar, que caracterizou, há quase dois séculos, os males derivados da natureza da política dos EUA em relação aos países latino-americanos, uma rápida olhadela, dada a partir da segunda metade do século XIX, diz-nos claramente como têm sido agitadas as relações entre os dois países e como os EUA têm condicionado a política venezuelana.
1 – Entre 1850-57, o general Páez, ex companheiro de Simão Bolívar mas também um dos responsáveis pela divisão da Grande Colômbia, conspira contra a Venezuela, enquanto exilado nos EUA, onde é recebido em audiência pelo presidente Millard Fillmore, para desagrado das autoridades venezuelanas.
2 – Em 1861, Páez, que será presidente da Venezuela em quatro ocasiões, está de novo no poder e estabelece um governo que não é reconhecido pelos EUA, que retira o seu embaixador, E. Turpin.
3 – Dois anos depois, é o governo de Falcón que suspende relações com E. Collver, embaixador dos EUA.
4. Durante o regime de Guzmán Blanco, em 1877, é expulso o embaixador Thomas Russell. Os EUA encerram a sua embaixada e deixem os seus negócios ao cuidado da Dinamarca. O embaixador sintetiza assim a sua visão de como fazer entrar na razão o governo latino-americano: comprando o presidente ou enviando uns quantos barcos de guerra ao porto de La Guaira.
Passaram os anos, não os métodos!
Até aqui o petróleo não era assunto de grande importância nas relações entre os dois países, mas a situação vai mudar e no começo do século XX temos a primeira evidência.
Pouco mais de duas décadas de fundada a primeira empresa petrolífera totalmente venezuelana – Petrolia – nomeadamente em 1902 – durante o governo de Cipriano Castro, a quem as potências europeias queriam derrubar – Manuel Antonio Matos, banqueiro e general – veja-se que combinação! – tirou da manga uma Revolução Libertadora… com apoio da banca internacional e das petrolíferas estrangeiras, entre elas a New York & Bermudez. A guerra durará dois anos até ser derrotada. Os EUA protestam então pelo tratamento dado à empresa e, em 1908, voltam a encerrar a sua embaixada, deixando o Brasil encarregue dos seus assuntos. Antes do final da década, durante uma ausência de Castro, este é derrubado pelo seu compadre e
vice-presidente, José Vicente Gómez, cuja primeira medida é contactar os EUA e pedir apoio, não vá o compadre regressar… O império responde de imediato e coloca o navio de guerra Dolphin no porto de La Guaira. Vicente estabelecerá uma ditadura que durará até à sua morte, em 1935. Esta ditadura, a mais longa e brutal jamais sofrida pela Venezuela, mantém excelentes relações com os EUA, sempre em termos de dependência. Depois de Gómez, todos os presidentes venezuelanos visitam Washington, exceptuando o ditador Marcos Pérez Jiménez que obteve, contudo, a mais alta distinção do governo norte-americano, a Legião ao Mérito.
Em próximo artigo viajaremos da segunda metade do século XX até aos dias
de hoje.