A guerra que derrubou o fascismo
A 4 de Fevereiro de 1961, o MPLA dava início à luta armada de libertação nacional em Angola; em Setembro de 1963 era a vez de o PAIGC fazer o mesmo na Guiné-Bissau e, cerca de um ano depois, em 25 de Setembro de 1964, foi a FRELIMO que iniciou as hostilidades pela libertação de Moçambique.
Era a guerra colonial, que iria durar 13 anos, envolver sucessivas gerações de jovens portugueses num total superior a um milhão de expedicionários, colocar Portugal sob a crítica do mundo, mergulhar o País numa angústia exponencial, agudizar até ao paroxismo as contradições do regime fascista e, finalmente, detonar o seu derrube pelas armas, através do golpe militar que, em 25 de Abril de 1974, abriria caminho à Revolução dos Cravos e à constituição do Portugal democrático.
Após estalar a luta armada de libertação nacional, desencadeada pelo MPLA em 1961, o chefe supremo do regime fascista em Portugal, o primeiro-ministro Oliveira Salazar, proferiu uma frase que se tornou célebre: «para Angola, e em força!». Em breve, a frase seria dramaticamente adaptada, alargando-se: passaria a dizer-se «para África, e em força!», porque a guerra colonial alastrara a três frentes, numa expansão incontrolável.
A arrogância da frase de Salazar - pífia e ridícula no seu pressuposto de que a «revolta» em Angola seria esmagada em poucos meses -, cedo foi achincalhada pelos factos, com o conflito a alastrar para as três colónias principais em África, ou seja Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, transformando-se num pesadelo nacional e num fardo pesadíssimo para o País.
A política colonial de Salazar, sempre caracterizada por uma imensa estupidez e total cegueira, estava prestes a mergulhar o regime no desastre final.
A seguir à derrota do nazi-fascismo na II Guerra Mundial, os impérios coloniais europeus começaram a desmoronar-se. O continente africano, durante séculos mais ou menos escravizado, começou impetuosamente a libertar-se das grilhetas do colonialismo, surgindo novos países sob os escombros dos antigos impérios. A Grã-Bretanha, a Bélgica, a própria França foram abrindo mão das suas «possessões em África», cuidando geralmente de prever uma transição para a independência que salvaguardasse os interesses das antigas metrópoles.
Salazar assistiu a tudo isto com feroz indiferença e totalitário desprezo. As débeis tentativas de patriotas africanos das colónias portuguesas para entabular conversações com o regime foram liminarmente afogadas em repressão ou ameaça dela, pelo que o drama avançou, inexorável, para o seu desfecho inevitável: a criação de movimentos de libertação nas diferentes possessões em África e o desencadeamento da luta armada para a libertação das colónias do jugo colonial-fascista.
Foi assim que Portugal se viu mergulhado numa guerra colonial em três frentes, quando todos os impérios coloniais europeus já se haviam desmoronado e, sobretudo, quando no mundo sopravam ventos irreprimíveis de libertação dos povos à escala planetária.
«Orgulhosamente sós»
Conforme a guerra colonial portuguesa se agravava, também os protestos internacionais iam aumentando de volume e intensidade, nomeadamente em sede das Nações Unidas, onde a maioria esmagadora dos povos se manifestava claramente contra a política de Portugal em África. Mesmo os aliados tradicionais do regime fascista de Salazar, com os EUA e a Grã-Bretanha à cabeça, começaram progressivamente a distanciar-se da ditadura fascista de Salazar e depois de Marcelo Caetano, devido à questão colonial: formalmente, também eles começaram a criticar a política salazarista nos fóruns internacionais, embora na prática o continuassem a apoiar, concretamente nos domínios económico, militar e logístico, pois tinham vastos e encobertos interesses nas colónias portuguesas, sobretudo na apropriação de muitas e ricas matérias-primas, como o petróleo, os diamantes, as madeiras preciosas, o café, etc.
De qualquer modo, o isolamento do regime fascista português no contexto internacional chegou a tal extremo, que Salazar se viu forçado a proferir outra frase célebre – a de que, em Portugal, estávamos «orgulhosamente sós» -, proferida após mais uma severa e generalizada censura expressa em plena Assembleia Geral das Nações Unidas, condenando inequivocamente tanto o «império colonial» que o regime fascista insistia em proclamar, como a guerra feita em seu nome contra os povos africanos em armas, na luta de libertação nacional.
Aqui, Posto de Comando do MFA...
Internamente, a guerra colonial rapidamente se transformou num monstro tentacular que asfixiava o País inteiro. Mobilizando toda a juventude para a incorporar num violento e vastíssimo campo de batalha, este conflito carregava uma contradição fatal: era manifestamente injusto e, como tal, absolutamente desmobilizador. A retórica colonial do regime também cedo se viu completamente isolada, escarnecida e desprezada, enquanto a angústia alastrava, imparável e sufocante, por todos os lares nacionais temendo pela sorte dos seus filhos, maridos e irmãos, que eram sistematica a completamente arrastados para uma guerra sem sentido nem razão, onde se podia morrer ou voltar estropiado em nome de uma política desprezível e a favor de um sistema, claramente ignóbil, de opressão colonial.
Do ponto de vista militar, o regime fascista viu-se forçado a uma cedência igualmente fatal: teve de abrir as Forças Armadas à sociedade civil, integrando não apenas a todos os jovens disponíveis no País, como colocando-os também na hierarquia de comando operacional dos diferentes ramos. Esta entrada impetuosa e avassaladora da sociedade civil nas Forças Armadas fez mossa e, sobretudo, foi abrindo caminho a reflexões cada vez mais consistentes e lúcidas no interior da própria instituição militar, questionando a guerra e, inevitavelmente, o próprio regime fascista.
Quando se tornou evidente que a guerra não era solução nem tinha hipótese de o ser, o movimento de contestação interna fez o seu caminho no meio castrense, dando origem ao Movimento das Forças Armadas, organizado clandestinamente nos seus primórdios em pleno teatro operacional da Guiné-Bissau, o mais violento, das três frentes de guerra.
O destino do regime fascista estava traçado: ia ser derrubado pela força, através de um golpe militar que apresentou várias originalidades, desde o seu carácter eminentemente progressista – o que contrariava o tradicional perfil de direita dos golpes militares, em qualquer parte do mundo -, até ao seu expresso objectivo de acabar com a guerra colonial e com o próprio regime colonial-fascista que a impunha ao País.
E nova frase surgiu, agora assinalando o derrube do próprio regime.
Foi ela «Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas», lida aos microfones do Rádio Clube Português. Estava-se na madrugada libertadora de 25 de Abril de 1974.
Após estalar a luta armada de libertação nacional, desencadeada pelo MPLA em 1961, o chefe supremo do regime fascista em Portugal, o primeiro-ministro Oliveira Salazar, proferiu uma frase que se tornou célebre: «para Angola, e em força!». Em breve, a frase seria dramaticamente adaptada, alargando-se: passaria a dizer-se «para África, e em força!», porque a guerra colonial alastrara a três frentes, numa expansão incontrolável.
A arrogância da frase de Salazar - pífia e ridícula no seu pressuposto de que a «revolta» em Angola seria esmagada em poucos meses -, cedo foi achincalhada pelos factos, com o conflito a alastrar para as três colónias principais em África, ou seja Angola, Moçambique e Guiné-Bissau, transformando-se num pesadelo nacional e num fardo pesadíssimo para o País.
A política colonial de Salazar, sempre caracterizada por uma imensa estupidez e total cegueira, estava prestes a mergulhar o regime no desastre final.
A seguir à derrota do nazi-fascismo na II Guerra Mundial, os impérios coloniais europeus começaram a desmoronar-se. O continente africano, durante séculos mais ou menos escravizado, começou impetuosamente a libertar-se das grilhetas do colonialismo, surgindo novos países sob os escombros dos antigos impérios. A Grã-Bretanha, a Bélgica, a própria França foram abrindo mão das suas «possessões em África», cuidando geralmente de prever uma transição para a independência que salvaguardasse os interesses das antigas metrópoles.
Salazar assistiu a tudo isto com feroz indiferença e totalitário desprezo. As débeis tentativas de patriotas africanos das colónias portuguesas para entabular conversações com o regime foram liminarmente afogadas em repressão ou ameaça dela, pelo que o drama avançou, inexorável, para o seu desfecho inevitável: a criação de movimentos de libertação nas diferentes possessões em África e o desencadeamento da luta armada para a libertação das colónias do jugo colonial-fascista.
Foi assim que Portugal se viu mergulhado numa guerra colonial em três frentes, quando todos os impérios coloniais europeus já se haviam desmoronado e, sobretudo, quando no mundo sopravam ventos irreprimíveis de libertação dos povos à escala planetária.
«Orgulhosamente sós»
Conforme a guerra colonial portuguesa se agravava, também os protestos internacionais iam aumentando de volume e intensidade, nomeadamente em sede das Nações Unidas, onde a maioria esmagadora dos povos se manifestava claramente contra a política de Portugal em África. Mesmo os aliados tradicionais do regime fascista de Salazar, com os EUA e a Grã-Bretanha à cabeça, começaram progressivamente a distanciar-se da ditadura fascista de Salazar e depois de Marcelo Caetano, devido à questão colonial: formalmente, também eles começaram a criticar a política salazarista nos fóruns internacionais, embora na prática o continuassem a apoiar, concretamente nos domínios económico, militar e logístico, pois tinham vastos e encobertos interesses nas colónias portuguesas, sobretudo na apropriação de muitas e ricas matérias-primas, como o petróleo, os diamantes, as madeiras preciosas, o café, etc.
De qualquer modo, o isolamento do regime fascista português no contexto internacional chegou a tal extremo, que Salazar se viu forçado a proferir outra frase célebre – a de que, em Portugal, estávamos «orgulhosamente sós» -, proferida após mais uma severa e generalizada censura expressa em plena Assembleia Geral das Nações Unidas, condenando inequivocamente tanto o «império colonial» que o regime fascista insistia em proclamar, como a guerra feita em seu nome contra os povos africanos em armas, na luta de libertação nacional.
Aqui, Posto de Comando do MFA...
Internamente, a guerra colonial rapidamente se transformou num monstro tentacular que asfixiava o País inteiro. Mobilizando toda a juventude para a incorporar num violento e vastíssimo campo de batalha, este conflito carregava uma contradição fatal: era manifestamente injusto e, como tal, absolutamente desmobilizador. A retórica colonial do regime também cedo se viu completamente isolada, escarnecida e desprezada, enquanto a angústia alastrava, imparável e sufocante, por todos os lares nacionais temendo pela sorte dos seus filhos, maridos e irmãos, que eram sistematica a completamente arrastados para uma guerra sem sentido nem razão, onde se podia morrer ou voltar estropiado em nome de uma política desprezível e a favor de um sistema, claramente ignóbil, de opressão colonial.
Do ponto de vista militar, o regime fascista viu-se forçado a uma cedência igualmente fatal: teve de abrir as Forças Armadas à sociedade civil, integrando não apenas a todos os jovens disponíveis no País, como colocando-os também na hierarquia de comando operacional dos diferentes ramos. Esta entrada impetuosa e avassaladora da sociedade civil nas Forças Armadas fez mossa e, sobretudo, foi abrindo caminho a reflexões cada vez mais consistentes e lúcidas no interior da própria instituição militar, questionando a guerra e, inevitavelmente, o próprio regime fascista.
Quando se tornou evidente que a guerra não era solução nem tinha hipótese de o ser, o movimento de contestação interna fez o seu caminho no meio castrense, dando origem ao Movimento das Forças Armadas, organizado clandestinamente nos seus primórdios em pleno teatro operacional da Guiné-Bissau, o mais violento, das três frentes de guerra.
O destino do regime fascista estava traçado: ia ser derrubado pela força, através de um golpe militar que apresentou várias originalidades, desde o seu carácter eminentemente progressista – o que contrariava o tradicional perfil de direita dos golpes militares, em qualquer parte do mundo -, até ao seu expresso objectivo de acabar com a guerra colonial e com o próprio regime colonial-fascista que a impunha ao País.
E nova frase surgiu, agora assinalando o derrube do próprio regime.
Foi ela «Aqui posto de comando do Movimento das Forças Armadas», lida aos microfones do Rádio Clube Português. Estava-se na madrugada libertadora de 25 de Abril de 1974.