• 30 anos de Abril

O fascismo existiu!

Leandro Martins
Alguns dizem que o fascismo nunca existiu. Não serão os mesmos que negam o nazismo na Alemanha ou o próprio fascismo na Itália mas, por cá, são aqueles que gostariam, moderando as palavras, de adoçar a memória da ditadura salazarista e caetanista, cujos primórdios remontam ao golpe militar de 1926 que veio permitir institucionalizar um regime terrorista a partir de 1933 e que o fez durar 48 anos, até que Abril abriu as portas da democracia e por elas irromperam os trabalhadores explorados, as massas populares oprimidas, os democratas perseguidos.
Sabendo embora que as palavras não constróem a realidade, não se ignora o peso que elas têm nessa construção e, também, na sua destruição e, ainda, nas tentativas de apagamento das provas de um crime.
Quando alguns afirmam que o fascismo não existiu e procuram afanosamente expressões que classifiquem a ditadura - chamando-lhe «regime autoritário» ou «paternalista», ou preferindo os termos «salazarismo» e «caetanismo» -, o que pretendem é afastá-lo dos seus congéneres mais sanguinários da Europa, o nazismo alemão e o fascismo italiano, derrotados na segunda guerra mundial, cujos crimes hediondos foram expostos ao mundo.
Certamente que não é pelos aspectos «folclóricos» que concluímos que o fascismo oprimiu o povo português durante perto de meio século. Que os havia e não são de menosprezar, desde a instituição da Mocidade Portuguesa, contrafacção «benigna» das juventudes hitlerianas, até à Legião, tropa de choque, repressão e intimidação do regime, até ao culto do chefe («Quem vive? - Salazar, Salazar, Salazar!»), até à foto de Mussolini na secretária do ditador que assim se fez fotografar.
Apesar de não dispor de um apoio de massas como os seus congéneres e de revelar uma ambiguidade particular nas suas alianças - mantendo relações amistosas com o império britânico ao mesmo tempo que auxiliava os nazis, enviando para a Alemanha o que cá não sobrava e participando assim no esforço de guerra do Reich -, a própria estrutura do Estado funcionava segundo os preceitos que haviam dado provas na Itália e na Alemanha. Os Sindicatos Nacionais substituíram os sindicatos democráticos, ilegalizados. Uma Câmara Corporativa estabelecia o «consenso», a «concertação social» entre o patronato e os trabalhadores. A polícia política agia acima da lei, tribunais especiais tomavam conta dos «crimes políticos». Muitos milhares de trabalhadores e de democratas foram presos e torturados, alguns assassinados, muitos passaram dezenas de anos na prisão, foram deportados. As liberdades foram, assim, suprimidas. Para todos? Não. Alguns não deram conta de que a liberdade faltava, por tinham as mãos livres para aprofundar a exploração.
Porque o fascismo existiu em desfavor da esmagadora maioria do povo e em favor de alguém.
Em lugar de se pretender - como o próprio regime fazia de conta e hoje outros lhe seguem abertamente as pisadas - que o fascismo foi «uma certa ideia de nação», foi necessário caracterizá-lo, do ponto de vista das classes em confronto, a fim de melhor o combater.
Quem o fez - o único a fazê-lo - foi o Partido Comunista Português. Definiu o fascismo como a «ditadura terrorista dos monopólios, associados ao imperialismo estrangeiro, e dos latifúndios». Monopolistas, latifundiários, imperialismo, eis quem beneficiou das décadas de terror fascista em Portugal.
Para combatê-lo, a estratégia foi batalhar pela unidade de todas as classes e camadas antimonopolistas. Uma batalha difícil, uma vez que o PCP era a única força política organizada em Portugal - o próprio Partido Socialista se autodissolvera, facilitando o caminho à implantação da ditadura. Uma tarefa perigosa e arriscada, como o provaram as prisões cheias na maioria pelos mais consequentes defensores da liberdade e da democracia. Operários, camponeses, intelectuais, em grande parte membros do Partido, sofreram a brutalidade das torturas, os longos anos de cadeia, alguns o assassinato às mãos dos esbirros da Pide.
Uma batalha, porém, destinada à vitória. Não apenas da liberdade e da democracia formal, já que o PCP, no seu Programa aprovado em 1965, definia oito objectivos fundamentais a cumprir para a liquidação do regime: 1.º - Destruir o Estado fascista e instaurar um regime democrático; 2.º - Liquidar o poder dos monopólios e promover o desenvolvimento económico geral; 3.º - Realizar a Reforma Agrária, entregando a terra a quem a trabalha; 4.º - Elevar o nível de vida das classes trabalhadoras e do povo em geral; 5.º - Democratizar a instrução e a cultura; 6.º - Libertar Portugal do imperialismo; 7.º - Reconhecer e assegurar aos povos das colónias portuguesas o direito à imediata independência; 8.º - Seguir uma política de paz e amizade com todos os povos.
Todos estes passos fundamentais foram encetados a partir do 25 de Abril de 1974, mercê da insurreição militar a que seguiu a insurreição popular que veio, seguidamente, a estabelecer uma aliança entre o Povo e o Movimento das Forças Armadas e que garantiu, durante um processo revolucionário longo e complexo - sempre ameaçado pelas forças contra-revolucionárias que usaram as liberdades repostas contra a liberdade e a democracia -, grandes avanços no caminho por uma sociedade mais justa e deixou entrever a perspectiva do socialismo.
O Estado fascista foi saneado - não completamente, embora; as nacionalizações, no seguimento do golpe contra-revolucionário de 11 de Março de l975, liquidaram os monopólios; a Reforma Agrária transformou os latifúndios em férteis terras de liberdade e de cooperação entre trabalhadores no Alentejo e Ribatejo; o nível de vida dos trabalhadores aumentou consideravelmente, assim como o direito ao trabalho, à saúde, à habitação; abriram-se as portas das universidades aos filhos dos trabalhadores e o analfabetismo sofreu os seus primeiros golpes; Portugal deu os primeiros passos no arredar do jugo imperialista, estabelecendo relações com todos os países; as colónias ascenderam à independência; a política de paz e amizade com todos os povos do mundo começou a desenhar-se como prática e não apenas como uma esperança longínqua.
Nestes suplementos que a partir de hoje e durante o mês de Abril iremos publicando, seguiremos na generalidade esses passos, desde os tempos obscuros da luta antifascista até à Revolução; desde as suas principais conquistas até à sua defesa, que tem absorvido as energias dos trabalhadores e do povo - e sobretudo dos comunistas portugueses - numa luta prolongada e difícil.
Muitas das conquistas de Abril foram arrebatadas ao povo e ao País. A política de direita, no poder desde 1976, foi-as corroendo, em nome da «liberdade» e da «democracia». Hoje é a própria democracia que está sob a sua mira. Mas a luta continua!


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