A heróica Resistência
«O PCP foi o único partido organizado que lutou contra o fascismo ao longo dos 48 anos.» A afirmação é de José Vitoriano, durante décadas dirigente do PCP. Segundo conta, a isso se deve o facto de o Partido ter sido o principal alvo da repressão fascista, que remeteu à clandestinidade e à prisão muitos comunistas. Mas não conseguiu travar o Partido e a luta, que cresceram, imparáveis.
José Vitoriano foi, durante décadas, dirigente do PCP. Militante desde os anos 40, já antes participava nas lutas operárias em Silves, onde trabalhava como operário corticeiro. Esta já longa vida de militância comunista permite-lhe afirmar com convicção que o PCP esteve à frente de todas as grandes lutas de massas contra a ditadura fascista. Foi assim em 1934, na «greve geral revolucionária» contra a fascização dos sindicatos; nos anos 40, nas grandes lutas operárias na região de Lisboa; no início dos anos sessenta, pela jornada de oito horas nos campos do Sul do País; entre muitas outras lutas.
Para José Vitoriano, estas lutas têm origem em decisões do Partido (com a excepção da greve geral de 1934, onde os anarco-sindicalistas tiveram também grande influência), depois de considerado e avaliado o «amadurecimento das condições e a disponibilidade dos trabalhadores para a luta». Na sua opinião, «era errado tentar fazer uma luta para a qual os trabalhadores não estivessem ganhos, pois daria origem a divisões e fracassos».
Estas grandes lutas – heróicos marcos na história do movimento operário e revolucionário português – eram o resultado de um intenso trabalho de agitação e esclarecimento por parte dos comunistas. Para isto, recorda Vitoriano, foi fundamental o papel da imprensa clandestina. Não só do Avante!, mas também de outras publicações, dirigidas aos trabalhadores: O Camponês, A Terra, O Corticeiro, O Têxtil, entre outros.
Lembrando que mesmo no caso de lutas mais pequenas estas eram «fundamentalmente orientadas pelo Partido», José Vitoriano reconhece que algumas despontavam de forma espontânea. Mas logo o Partido procurava orientá-las, através dos seus militantes ou da imprensa. Muitos dos trabalhadores que participavam não o faziam para derrubar o fascismo, mas por outras reivindicações, como melhores condições de vida e salários dignos. «Dada a repressão exercida, lutas que começavam por ser apenas reivindicativas adquiriam logo um conteúdo político», destaca José Vitoriano.
A necessária unidade
O antigo dirigente comunista conta que, embora o Partido fosse clandestino, a transposição das suas orientações para as massas já não o era, embora fosse na maior parte das vezes ilegal, à luz da «lei» fascista. «As organizações tinham contacto com os trabalhadores e promoviam lutas, através da criação de comissões de unidade nas empresas, que tiveram um papel relevante na condução de muitas dessas lutas», recorda José Vitoriano.
A busca da unidade foi, aliás, uma preocupação constante do Partido. No caso dos sindicatos, o PCP defendia que as listas para as direcções não fossem compostas apenas por comunistas. «Deviam ter comunistas, mas também outros trabalhadores, desde que fossem sérios e honestos», destaca. José Vitoriano foi presidente do Sindicato dos Corticeiros de Silves (ver caixa) e lembra outros sindicalistas do sector, não comunistas. «Não eram menos combativos do que eu, eram jovens firmes e sempre dispostos a avançar para a luta e a defender a sua classe.»
José Vitoriano considera que o PCP foi o «único partido organizado que lutou ao longo de 48 anos contra o fascismo». E os seus dirigentes e militantes foram, também por isso, os que maior preço pagaram por essa luta, com a clandestinidade, prisões, torturas e assassinatos.
«Várias outras forças lutaram também», mas de forma isolada, destaca. «Existiam socialistas, mas não um partido socialista; existiam republicanos, mas não um partido republicano; existiam outros democratas, mas não um partido democrático», recorda José Vitoriano.
«Sabíamos que o Partido sozinho não podia derrubar o fascismo, que era necessária a mobilização das massas e de outras forças democráticas», lembra o antigo dirigente comunista, que destaca o papel dinamizador do PCP na criação de movimentos de unidade, como o MUNAF (Movimento de Unidade Nacional Antifascista) e o MUD (Movimento de Unidade Democrática).
O acerto da tese comunista para o derrubamento da ditadura, através do levantamento nacional antifascista, seria demonstrado na manhã de 25 de Abril de 1974, no instante a seguir ao golpe militar que depôs o governo de Marcelo Caetano, no momento em que a Comissão Executiva do Partido, que dirigia o trabalho no interior do País, estava reunida na casa de José Vitoriano, no Porto. Mas essa história é para outras páginas…
Presidente por acaso
A eleição de José Vitoriano para a presidência do Sindicato dos Corticeiros de Silves não resultou de uma qualquer decisão partidária. Aliás, uma vez eleito, ponderou recusar – dado o elevado peso de tarefas que tinha nessa altura –, tendo apenas aceite por orientação do Partido, do qual era já dirigente regional.
Quando as autoridades fascistas autorizaram a realização de eleições nos sindicatos, perto do fim da Segunda Guerra, José Vitoriano foi proposto pela direcção para secretário do sindicato. Mas antes do início da assembleia, um grupo de trabalhadores faz uma lista alternativa em que, sem o seu conhecimento, o colocava à cabeça. E foi esta lista que ganhou e que acabaria por ser aprovada pelo Governo, o que era obrigatório. «Não era ainda conhecido na terra como agitador», ironiza.
José Vitoriano ainda seria eleito novamente presidente do sindicato. E de forma parecida, já que não constava da proposta feita pela direcção cessante, foi uma vez mais colocado numa lista que se opunha à da direcção. Mas foi preso e não chegou a assumir o segundo mandato.
Após 17 anos de prisão (em dois períodos) e de alguns anos de trabalho partidário no estrangeiro, Vitoriano regressa ao País em 1973 e encontra um movimento sindical forte e imparável. «Nesse tempo, o movimento sindical independente tinha-se transformado numa poderosa arma de luta contra o fascismo», lembra. Tinha sido entretanto criada a Intersindical, congregando dezenas de sindicatos. Era já «um grande movimento», destaca o antigo dirigente do PCP, comprovando-se assim o acerto da orientação de trabalhar no interior dos sindicatos nacionais.
Vida clandestina
Alimentar a revolução
Os funcionários do Partido viviam na clandestinidade, não só para se protegerem da repressão, mas também para garantirem a continuidade da luta e da organização do Partido. A partir do momento em que «mergulhavam», viviam e trabalhavam sem ligação à família, aos amigos e às suas terras, de forma a impossibilitar a sua identificação e localização pela polícia. Ser-se descoberto era pôr o Partido a descoberto e fragilizá-lo. O papel que desempenharam foi fundamental na luta antifascista.
Os homens e mulheres que viviam clandestinos abandonaram os conhecidos, as profissões, as casas, a vida comum, as diversões e tempos livres e trocaram-nos por um futuro incerto e um presente perigoso feito de actos de coragem diária, em que tinham de assumir nomes, personalidades e profissões que não eram as suas e tinham de se desviar dos perigos, das situações de risco, do próprio medo de se ser apanhado pelas autoridades ou simplesmente ser reconhecido na rua por um vizinho, um primo ou um amigo, procurando sempre manter uma aparência de normalidade.
«A vida da prisão era dura, mas a vida clandestina não era melhor. Na prisão estávamos privados de lutar contra o fascismo, mas ainda podíamos contactar com a família. A clandestinidade era um corte total com a família e com qualquer coisa que pudesse indicar onde nós estávamos», refere José Vitoriano.
A segurança era o principal critério na escolha das habitações clandestinas. Estas casas tinham de ter o suficiente para dormir, comer e reunir: cama, mesa e instrumentos de cozinha. Muitas vezes sem qualquer preparação, tinham de as abandonar discretamente e mudar para outra habitação, nem sempre na mesma localidade. «Uma vez, eu e a camarada com quem vivia tivemos de sair de uma casa, porque a vizinha reparou que ela não ia à janela às horas de maior movimento», conta José Vitoriano. Se alguém levantasse uma suspeita, os clandestinos imediatamente mudavam de identidade e de casa.
Havia que seguir regras, definidas com base nas experiências boas e más, numa adaptação constante às condições e situações que eram colocadas. O contacto com os militantes legais e clandestinos, os apontamentos dos contactos e reuniões, a transmissão de mensagens, os disfarces, as deslocações, tudo era analisado e cuidadosamente preparado de maneira a não ser descoberto e, se isso acontecesse, de forma a que as informações fossem protegidas.
As prisões
Nos cárceres fascistas
Milhares de comunistas foram presos nos longos 48 anos de fascismo. Para se ter uma ideia basta dizer que os 36 membros – efectivos e suplentes – do primeiro Comité Central do PCP a seguir ao 25 de Abril contavam, em Abril de 1974, com 308 anos de prisão.
Estar preso significava penas arbitrárias e, após o seu cumprimento, medidas de segurança suplementares, que iam de 6 meses a 3 anos, indefinidamente renováveis. Na prática, existia a possibilidade de prisão perpétua. Em geral, o período da prisão era marcado por uma péssima alimentação, a privação de exercício físico, restrições de contactos com a família, ameaças, castigos, isolamentos, ausência de jornais, retirada de livros e correspondência censurada.
José Vitoriano – preso duas vezes, num total de 17 anos – considera que «o fascismo teve a inteligência de não manter nas prisões milhares de presos políticos ao mesmo tempo». No entanto, a maioria foi condenada a longas penas de prisão.
A vida na prisão era organizada em comunas. «Era inconcebível estarmos numa sala com dez pessoas e uns terem uma alimentação suplementar vantajosa graças às encomendas da família e os outros terem como pequeno-almoço um casqueiro e umas borras pretas a que chamavam café. Havia presos de não tinham dinheiro para comprar pasta de dentes ou lâminas para fazer a barba. Não vivíamos de costas voltadas uns para os outros. Procurávamos ter um bocado de manteiga, de marmelada e de leite e assim tornávamos o pequeno-almoço mais substancial», explica. Normalmente, concentravam todos os alimentos enviados pela família e descontavam uma percentagem do dinheiro que recebiam, em geral 30 por cento.
Depois de uma condenação pelo tribunal podiam-se seguir outras. José Vitoriano, por exemplo, foi condenado a mais cinco anos e meio de prisão por os guardas terem encontrado numa rusga a uma cela da cadeia de Caxias o regulamento da comuna, escrito por ele. Revoltado, recorreu para o Supremo Tribunal e foi condenado a mais um ano por ser reincidente. O sistema fascista considerou que existia uma célula do PCP que punha em perigo a segurança interna e externa do Estado. «Isto é uma monstruosidade jurídica, mas existiu», comenta.
«A vida na prisão é sempre dura, de combate com os carcereiros por melhores condições e melhor alimentação, contra a proibição do estudo e da alfabetização. Não podíamos estar encostados à cama, não podíamos estar à janela, não podíamos estar quatro ou cinco a conversar na cela... Uma vez um guarda descuidou-se e deixou cair um papel com uma indicação do chefe que dizia: «O preso deve ter a sensação de que está sempre sob o olhar vigilante do guarda e tem de sentir que está preso», recorda.
Os castigos eram duros e os presos podiam ser encerrados em celas de dois metros quadrados ou sem qualquer tipo de iluminação.
«Tínhamos consciência de que na cadeia não se derrubava o fascismo e não fazíamos coisas sem sentido, mas lutávamos em situações de repressão. Em Peniche, uma pessoa como eu não podia requisitar um livro de economia. Para que é que um operário precisava de estudar economia? Proibiam visitas, proibiam conversas políticas… Uma vez impediram-nos de conversar sobre Platão!»
As torturas
A prisão era seguida por sessões de tortura, método usado pelas forças do regime para tentar obter informações sobre a organização do PCP, os seus membros e as suas actividades. Os interrogatórios da Pide eram brutais. Os presos podiam sofrer espancamentos ao murro e ao pontapé, com matracas ou com tábuas; podiam sofrer apertos nos testículos, queimaduras com faíscas eléctricas e com cigarros; podiam ser impedidos de dormir vários dias seguidos; podiam ser obrigados a permanecer de pé, na chamada «estátua»; podiam ser mantidos incomunicáveis durante meses. Eram vítimas de chantagem emocional e as famílias ameaçadas.
«Se fores preso, camarada…» é uma brochura editada pelo Partido que preparava os militantes, partilhando experiências úteis, desmontando esquemas da Pide e dando conselhos, como o que pensar durante os interrogatórios e as torturas, inventar passatempos nos períodos de incomunicabilidade ou não confiar em outros supostos presos, que depois se revelam agentes da polícia. «Os exemplos de muitos camaradas que se recusaram a prestar declarações mostram que a violência não pode obrigar um comunista a dizer aquilo que não quer», afirma o texto.
Para José Vitoriano, estas lutas têm origem em decisões do Partido (com a excepção da greve geral de 1934, onde os anarco-sindicalistas tiveram também grande influência), depois de considerado e avaliado o «amadurecimento das condições e a disponibilidade dos trabalhadores para a luta». Na sua opinião, «era errado tentar fazer uma luta para a qual os trabalhadores não estivessem ganhos, pois daria origem a divisões e fracassos».
Estas grandes lutas – heróicos marcos na história do movimento operário e revolucionário português – eram o resultado de um intenso trabalho de agitação e esclarecimento por parte dos comunistas. Para isto, recorda Vitoriano, foi fundamental o papel da imprensa clandestina. Não só do Avante!, mas também de outras publicações, dirigidas aos trabalhadores: O Camponês, A Terra, O Corticeiro, O Têxtil, entre outros.
Lembrando que mesmo no caso de lutas mais pequenas estas eram «fundamentalmente orientadas pelo Partido», José Vitoriano reconhece que algumas despontavam de forma espontânea. Mas logo o Partido procurava orientá-las, através dos seus militantes ou da imprensa. Muitos dos trabalhadores que participavam não o faziam para derrubar o fascismo, mas por outras reivindicações, como melhores condições de vida e salários dignos. «Dada a repressão exercida, lutas que começavam por ser apenas reivindicativas adquiriam logo um conteúdo político», destaca José Vitoriano.
A necessária unidade
O antigo dirigente comunista conta que, embora o Partido fosse clandestino, a transposição das suas orientações para as massas já não o era, embora fosse na maior parte das vezes ilegal, à luz da «lei» fascista. «As organizações tinham contacto com os trabalhadores e promoviam lutas, através da criação de comissões de unidade nas empresas, que tiveram um papel relevante na condução de muitas dessas lutas», recorda José Vitoriano.
A busca da unidade foi, aliás, uma preocupação constante do Partido. No caso dos sindicatos, o PCP defendia que as listas para as direcções não fossem compostas apenas por comunistas. «Deviam ter comunistas, mas também outros trabalhadores, desde que fossem sérios e honestos», destaca. José Vitoriano foi presidente do Sindicato dos Corticeiros de Silves (ver caixa) e lembra outros sindicalistas do sector, não comunistas. «Não eram menos combativos do que eu, eram jovens firmes e sempre dispostos a avançar para a luta e a defender a sua classe.»
José Vitoriano considera que o PCP foi o «único partido organizado que lutou ao longo de 48 anos contra o fascismo». E os seus dirigentes e militantes foram, também por isso, os que maior preço pagaram por essa luta, com a clandestinidade, prisões, torturas e assassinatos.
«Várias outras forças lutaram também», mas de forma isolada, destaca. «Existiam socialistas, mas não um partido socialista; existiam republicanos, mas não um partido republicano; existiam outros democratas, mas não um partido democrático», recorda José Vitoriano.
«Sabíamos que o Partido sozinho não podia derrubar o fascismo, que era necessária a mobilização das massas e de outras forças democráticas», lembra o antigo dirigente comunista, que destaca o papel dinamizador do PCP na criação de movimentos de unidade, como o MUNAF (Movimento de Unidade Nacional Antifascista) e o MUD (Movimento de Unidade Democrática).
O acerto da tese comunista para o derrubamento da ditadura, através do levantamento nacional antifascista, seria demonstrado na manhã de 25 de Abril de 1974, no instante a seguir ao golpe militar que depôs o governo de Marcelo Caetano, no momento em que a Comissão Executiva do Partido, que dirigia o trabalho no interior do País, estava reunida na casa de José Vitoriano, no Porto. Mas essa história é para outras páginas…
Presidente por acaso
A eleição de José Vitoriano para a presidência do Sindicato dos Corticeiros de Silves não resultou de uma qualquer decisão partidária. Aliás, uma vez eleito, ponderou recusar – dado o elevado peso de tarefas que tinha nessa altura –, tendo apenas aceite por orientação do Partido, do qual era já dirigente regional.
Quando as autoridades fascistas autorizaram a realização de eleições nos sindicatos, perto do fim da Segunda Guerra, José Vitoriano foi proposto pela direcção para secretário do sindicato. Mas antes do início da assembleia, um grupo de trabalhadores faz uma lista alternativa em que, sem o seu conhecimento, o colocava à cabeça. E foi esta lista que ganhou e que acabaria por ser aprovada pelo Governo, o que era obrigatório. «Não era ainda conhecido na terra como agitador», ironiza.
José Vitoriano ainda seria eleito novamente presidente do sindicato. E de forma parecida, já que não constava da proposta feita pela direcção cessante, foi uma vez mais colocado numa lista que se opunha à da direcção. Mas foi preso e não chegou a assumir o segundo mandato.
Após 17 anos de prisão (em dois períodos) e de alguns anos de trabalho partidário no estrangeiro, Vitoriano regressa ao País em 1973 e encontra um movimento sindical forte e imparável. «Nesse tempo, o movimento sindical independente tinha-se transformado numa poderosa arma de luta contra o fascismo», lembra. Tinha sido entretanto criada a Intersindical, congregando dezenas de sindicatos. Era já «um grande movimento», destaca o antigo dirigente do PCP, comprovando-se assim o acerto da orientação de trabalhar no interior dos sindicatos nacionais.
Vida clandestina
Alimentar a revolução
Os funcionários do Partido viviam na clandestinidade, não só para se protegerem da repressão, mas também para garantirem a continuidade da luta e da organização do Partido. A partir do momento em que «mergulhavam», viviam e trabalhavam sem ligação à família, aos amigos e às suas terras, de forma a impossibilitar a sua identificação e localização pela polícia. Ser-se descoberto era pôr o Partido a descoberto e fragilizá-lo. O papel que desempenharam foi fundamental na luta antifascista.
Os homens e mulheres que viviam clandestinos abandonaram os conhecidos, as profissões, as casas, a vida comum, as diversões e tempos livres e trocaram-nos por um futuro incerto e um presente perigoso feito de actos de coragem diária, em que tinham de assumir nomes, personalidades e profissões que não eram as suas e tinham de se desviar dos perigos, das situações de risco, do próprio medo de se ser apanhado pelas autoridades ou simplesmente ser reconhecido na rua por um vizinho, um primo ou um amigo, procurando sempre manter uma aparência de normalidade.
«A vida da prisão era dura, mas a vida clandestina não era melhor. Na prisão estávamos privados de lutar contra o fascismo, mas ainda podíamos contactar com a família. A clandestinidade era um corte total com a família e com qualquer coisa que pudesse indicar onde nós estávamos», refere José Vitoriano.
A segurança era o principal critério na escolha das habitações clandestinas. Estas casas tinham de ter o suficiente para dormir, comer e reunir: cama, mesa e instrumentos de cozinha. Muitas vezes sem qualquer preparação, tinham de as abandonar discretamente e mudar para outra habitação, nem sempre na mesma localidade. «Uma vez, eu e a camarada com quem vivia tivemos de sair de uma casa, porque a vizinha reparou que ela não ia à janela às horas de maior movimento», conta José Vitoriano. Se alguém levantasse uma suspeita, os clandestinos imediatamente mudavam de identidade e de casa.
Havia que seguir regras, definidas com base nas experiências boas e más, numa adaptação constante às condições e situações que eram colocadas. O contacto com os militantes legais e clandestinos, os apontamentos dos contactos e reuniões, a transmissão de mensagens, os disfarces, as deslocações, tudo era analisado e cuidadosamente preparado de maneira a não ser descoberto e, se isso acontecesse, de forma a que as informações fossem protegidas.
As prisões
Nos cárceres fascistas
Milhares de comunistas foram presos nos longos 48 anos de fascismo. Para se ter uma ideia basta dizer que os 36 membros – efectivos e suplentes – do primeiro Comité Central do PCP a seguir ao 25 de Abril contavam, em Abril de 1974, com 308 anos de prisão.
Estar preso significava penas arbitrárias e, após o seu cumprimento, medidas de segurança suplementares, que iam de 6 meses a 3 anos, indefinidamente renováveis. Na prática, existia a possibilidade de prisão perpétua. Em geral, o período da prisão era marcado por uma péssima alimentação, a privação de exercício físico, restrições de contactos com a família, ameaças, castigos, isolamentos, ausência de jornais, retirada de livros e correspondência censurada.
José Vitoriano – preso duas vezes, num total de 17 anos – considera que «o fascismo teve a inteligência de não manter nas prisões milhares de presos políticos ao mesmo tempo». No entanto, a maioria foi condenada a longas penas de prisão.
A vida na prisão era organizada em comunas. «Era inconcebível estarmos numa sala com dez pessoas e uns terem uma alimentação suplementar vantajosa graças às encomendas da família e os outros terem como pequeno-almoço um casqueiro e umas borras pretas a que chamavam café. Havia presos de não tinham dinheiro para comprar pasta de dentes ou lâminas para fazer a barba. Não vivíamos de costas voltadas uns para os outros. Procurávamos ter um bocado de manteiga, de marmelada e de leite e assim tornávamos o pequeno-almoço mais substancial», explica. Normalmente, concentravam todos os alimentos enviados pela família e descontavam uma percentagem do dinheiro que recebiam, em geral 30 por cento.
Depois de uma condenação pelo tribunal podiam-se seguir outras. José Vitoriano, por exemplo, foi condenado a mais cinco anos e meio de prisão por os guardas terem encontrado numa rusga a uma cela da cadeia de Caxias o regulamento da comuna, escrito por ele. Revoltado, recorreu para o Supremo Tribunal e foi condenado a mais um ano por ser reincidente. O sistema fascista considerou que existia uma célula do PCP que punha em perigo a segurança interna e externa do Estado. «Isto é uma monstruosidade jurídica, mas existiu», comenta.
«A vida na prisão é sempre dura, de combate com os carcereiros por melhores condições e melhor alimentação, contra a proibição do estudo e da alfabetização. Não podíamos estar encostados à cama, não podíamos estar à janela, não podíamos estar quatro ou cinco a conversar na cela... Uma vez um guarda descuidou-se e deixou cair um papel com uma indicação do chefe que dizia: «O preso deve ter a sensação de que está sempre sob o olhar vigilante do guarda e tem de sentir que está preso», recorda.
Os castigos eram duros e os presos podiam ser encerrados em celas de dois metros quadrados ou sem qualquer tipo de iluminação.
«Tínhamos consciência de que na cadeia não se derrubava o fascismo e não fazíamos coisas sem sentido, mas lutávamos em situações de repressão. Em Peniche, uma pessoa como eu não podia requisitar um livro de economia. Para que é que um operário precisava de estudar economia? Proibiam visitas, proibiam conversas políticas… Uma vez impediram-nos de conversar sobre Platão!»
As torturas
A prisão era seguida por sessões de tortura, método usado pelas forças do regime para tentar obter informações sobre a organização do PCP, os seus membros e as suas actividades. Os interrogatórios da Pide eram brutais. Os presos podiam sofrer espancamentos ao murro e ao pontapé, com matracas ou com tábuas; podiam sofrer apertos nos testículos, queimaduras com faíscas eléctricas e com cigarros; podiam ser impedidos de dormir vários dias seguidos; podiam ser obrigados a permanecer de pé, na chamada «estátua»; podiam ser mantidos incomunicáveis durante meses. Eram vítimas de chantagem emocional e as famílias ameaçadas.
«Se fores preso, camarada…» é uma brochura editada pelo Partido que preparava os militantes, partilhando experiências úteis, desmontando esquemas da Pide e dando conselhos, como o que pensar durante os interrogatórios e as torturas, inventar passatempos nos períodos de incomunicabilidade ou não confiar em outros supostos presos, que depois se revelam agentes da polícia. «Os exemplos de muitos camaradas que se recusaram a prestar declarações mostram que a violência não pode obrigar um comunista a dizer aquilo que não quer», afirma o texto.