Política de direita e os direitos das mulheres

Fernanda Mateus (Membro da Comissão Política)
Vinte e nove anos após a primeira comemoração do 8 de Março em liberdade, e 30 anos após o 25 de Abril, a situação das mulheres no trabalho, na família e na sociedade reflecte bem os efeitos das políticas de direita que têm vindo a ser desenvolvidas no nosso País e a impossibilidade dessas políticas darem êxito à efectiva igualdade de direitos e de oportunidades entre mulheres e homens, tanto na esfera privada, como na esfera pública.

O Governo procede à destruição de importantes direitos das mulheres

Assim o demonstra o aumento significativo da participação das mulheres na actividade produtiva e a crescente elevação dos níveis de formação das mulheres nos últimos 30 anos, cujo saldo não reverte numa maior igualdade de direitos das trabalhadoras. Pelo contrário, tem vindo a acentuar-se a destruição do direito ao trabalho com direitos, as desigualdades a nível de remunerações, o desemprego, a precariedade e as discriminações em função da maternidade, situações que afectam as mulheres, independentemente da sua idade, formação, do sector de actividade onde se inserem e da região do País onde vivem.
Mas as políticas de direita repercutem-se também na situação das mulheres na família, como demonstra o seu papel enquanto prestadora de serviços à família, persistindo a tradicional divisão de papéis que afecta mais aberta ou mais subtilmente as mulheres, independentemente das sua idade, formação, do sector de actividade onde se inserem e da região do País onde vivem. Esta situação afecta em particular as mulheres das classes e camadas mais desfavorecidas e são elas que pagam a factura mais elevada da ausência de investimentos públicos em equipamentos de apoio à infância (creches, infantários, ATL) e aos idosos, a preços acessíveis.
A actual maioria PSD/CDS-PP está a proceder à destruição de importantes direitos e garantias no que se refere à participação das mulheres em igualdade na família, no trabalho e na sociedade, à função social da maternidade-paternidade, aposta em retrocessos no planeamento familiar e na educação sexual e assume-se como um travão a qualquer avanço legislativo em matéria de despenalização do aborto, como ficou confirmado no debate, do passado dia 3 de Março, de iniciativa do PCP.
É cada vez mais visível a convergência entre o Governo e organizações que se opõem à implementação da educação sexual a partir do sistema público de ensino. São disso exemplo as afirmações de membros do Governo que põem em causa a idoneidade ética e moral de instituições como a Associação para o Planeamento Familiar (que tem desempenhado um papel fundamental na formação de professores e na orientação de projectos desenvolvidos em escolas); as desconfianças lançadas sobre as/os professores, considerados como moralmente incapazes de desenvolver uma acção adequada em matéria de educação sexual. O Governo assina protocolos com o Movimento em defesa da vida, que pretende assumir-se como parceiro nesta área quando a sua intervenção se orienta por critérios moralistas de abordagem das temáticas da sexualidade, nomeadamente no que respeita ao conhecimento e utilização de métodos contraceptivos. E tudo isto num quadro em que muitas destas organizações desenvolvem autênticas cruzadas contra a contracepção, designadamente contra a pílula do dia seguinte e o intra-uterino, que apelidam, enganosamente, de métodos abortivos.

Reaccionários e obscurantistas

A matriz ideológica reaccionária e obscurantista está em evidência em declarações como as de Miguel Paiva, deputado do CDS-PP, que não esconde uma concepção da sexualidade feminina exclusivamente vocacionada para a sua função reprodutora e sem mostrar qualquer sensibilidade para o drama de saúde que significa a mutilação genital feminina: «a importância do clitóris é algo subjectiva. Tem uma função essencial no prazer sexual, mas além disso, a sua mutilação não afecta nenhuma função vital nomeadamente a função reprodutiva.»
Merecem referência, igualmente, as declarações produzidas por Telmo Correia que, visando justificar a oposição à despenalização do aborto, afirmou não se verificarem prisões de mulheres na sequência da prática de aborto, ignorando desta forma a violência psicológica exercida pelo Estado sobre as mulheres que são sujeitas a processos de investigação, à devassa da sua vida privada e se sentam no banco dos réus. Claro que nada disto é verdadeiramente relevante porque, como afirmou Odete Santos no debate parlamentar de 3 de Março, «abortar é um verbo que se conjuga no feminino, reeditam-se argumentos fundados num forte preconceito contra as mulheres. Porque entendem que as mulheres abortam por razões fúteis. Porque continuam a entender, ainda no século XXI, que a mulher não sabe usar da sua autonomia, que não sabe tomar decisões».
A maioria PSD/CDS-PP fez prevalecer, como se esperava, o acordo de Governo entre as direcções dos dois partidos. Trata-se, afinal, de continuar a «passar» um atestado de menoridade intelectual a todas as mulheres, para além do modo como individualmente se posicionam sobre esta questão. Pouco lhe importa que as mulheres continuem a decidir recorrer ao aborto nas piores condições.


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