A vitória da indignação
A autoria dos atentados de 11 de Março em Madrid foi um elemento decisivo nas eleições de domingo. O PP sabia-o. Por isso, tal como já tinha feito em situações anteriores, ensaiou uma fuga em frente, negando evidências e responsabilidades.
De vencedor anunciado o PP passou a derrotado humilhado
«O PP é falso, não vou votar nele». Esta afirmação, semelhante a tantas outras que se ouviram no sábado e no domingo durante os directos televisivos, indica provavelmente a causa maior da autêntica reviravolta
eleitoral que se produziu em Espanha.
Depois do trágico e doloroso atentado, a revolta indignada dos espanhóis foi agravada pela sucessão de mentiras e manipulações com que o governo procurou escamotear as suas responsabilidades nos acontecimentos, ao insistir durante três dias na tese da ETA.
Na sexta-feira, o clima de ódio instigado pelas autoridades espanholas resultou numa lamentável ocorrência. Um padeiro foi morto por um polícia por se ter recusado a colocar uma fita negra no seu estabelecimento em sinal de luto pelas vítimas dos atentados. Segundo o Ministério do Interior, terá sido a mulher do polícia quem primeiro exigiu ao comerciante que colocasse a fita. Perante a recusa, chamou o marido que sacou da pistola e abateu o padeiro. Tentando justificar o ocorrido, o Ministério divulgou a informação de que a vítima teria um filho com ligações à ETA.
Lição de cidadania
As poderosas manifestações espontâneas realizadas, no sábado, não só em frente da sede do PP mas também, noite dentro, noutros locais de Madrid e por toda a Espanha foram uma lição da verdadeira cidadania dada por um povo que rejeitou o silêncio complacente e geral das direcções partidárias e invadiu praças e ruas exigindo a verdade sobre os factos e a responsabilização dos verdadeiros culpados.
A urgência de castigar e arredar do poder a direita conservadora, por ter envolvido a Espanha na ignóbil guerra imperialista contra o Iraque, mobilizou vontades e concentrou votos, transformando o cinzento e conformado PSOE no vencedor das legislativas.
Este voto de protesto dos espanhóis tem contudo um significado que vai além das suas fronteiras, constituindo um sério aviso aos governos que alinharam com os Estados Unidos na cruzada contra o inventado «império do mal» à revelia do direito internacional, das resoluções da ONU e da vontade dos seus povos. Recorde-se, em 2003, em diversas sondagens, 91 por cento dos espanhóis opuseram-se à participação na guerra, o que não impediu José Maria Aznar de apoiar a invasão e, em seguida, enviar 1300 soldados para o Iraque.
A humilhante derrota do PP espanhol é também um claro revés para todos os que apoiaram a sua campanha, onde se inclui o governo português e o primeiro-ministro, Durão Barroso, que num acto de vassalagem inadmissível ousou manifestar a Mariano Rajoy, em castelhano, não só o apoio do seu executivo mas também de todo o povo português.
O veredicto das urnas
Com 164 deputados e 42,64 por cento dos votos, o PSOE obteve uma clara vantagem de 16 deputados sobre o PP que passou a segunda força política com 148 deputados e 37,64 por cento dos votos. Em relação às eleições de domingo, os socialistas ganharam 39 deputados e subiram 8,48 por cento, enquanto o PP viu esfumar-se a vantagem que as sondagens lhe atribuíam, perdendo 35 lugares e 6,88 por cento dos votos.
A CiU, coligação da Catalunha que integra a Izquierda Unida e Verdes, manteve-se como terceira força, embora baixando um ponto percentual, tendo elegido apenas dez deputados, menos cinco que em 2000. Em contrapartida, a Esquerda Republicana da Catalunha, que no sufrágio anterior conquistara um único deputado e 0,84 por cento dos votos, conseguiu eleger oito representantes e recolher 2,54 por cento dos votos, consagrando-se como quarta força no Congresso.
Num sufrágio que ficou marcado por uma subida espectacular da afluência às mesas de voto (votaram 77,22 por cento dos eleitores inscritos, contra os 68,71 por cento registados em 2000), o Partido Nacionalista Basco manteve os sete deputados, contrariamente à Izquierda Unida, que perdeu quatro representantes, mais de 110 mil votos, caindo para 4,96 por cento, ou seja um ponto percentual abaixo do resultado de 2000.
Os partidos nacionalistas Coligação Canária e BNG perderam um deputado, reduzindo a sua representação, respectivamente, para três e dois lugares. CHA e EA conservam cada um o seu deputado, enquanto que a coligação Nafarroa Baio, que se apresentou na circunscrição de Navarra, entra pela primeira vez para o parlamento espanhol com um representante. Por último, o Partido Andaluz perde o único deputado que tinha desaparecendo da câmara baixa do Congresso.
Inversão ou continuidade?
A vitória de José Luis Zapatero poderá implicar uma inversão na política externa da Espanha e o fim da sua aliança com a administração Bush, embora nada de muito concreto tenha sido para já avançado.
Em declarações feitas no domingo, o líder socialista reiterou as críticas a política belicista norte-americana, afirmando que «a guerra foi um desastre e a ocupação continua a ser um desastre, que apenas gerou violência». Contudo, elegendo como prioridade a luta contra o terrorismo, Zapatero disse que as tropas espanholas permanecerão no Iraque até final de Junho, data em que regressarão caso não se verifique a anunciada transição do poder para a ONU ou para as autoridades locais.
Na segunda-feira, 15, o líder do PSOE anunciou a sua intenção de formar governo sozinho, estabelecendo «acordos parlamentares concretos» com as restantes formação políticas. Um tanto inesperadamente, Zapatero considerou que a sua vitória não foi determinada pelos atentados de 11 de Março, apenas admitindo a influência deste acontecimento no aumento da taxa de participação. Porém, insistiu, na última semana teve uma «intuição» que lhe deu o «convencimento de que íamos ganhar».
Prometendo dialogar não só como todas as forças políticas mas também com os governos autónomos, Zapatero manifestou a sua abertura para debater a reforma do Estatuto de Autonomia, condicionando-a no entanto à «rigorosa observância da Constituição» e a «um amplo consenso» quer nos parlamentos regionais quer nacional. Em relação ao governo basco disse ter a «certeza» de que o diálogo será reatado «de forma imediata».
Diálogo foi igualmente prometido a todos os agentes económicos, garantindo Zapatero que quer ter «um governo que não intervenha na economia», para a seguir reafirmar a sua intenção de por fim à «era» da televisão pública «de partido» e proceder à reforma dos órgãos de informação públicos «tanto estatais como das autonomias».
eleitoral que se produziu em Espanha.
Depois do trágico e doloroso atentado, a revolta indignada dos espanhóis foi agravada pela sucessão de mentiras e manipulações com que o governo procurou escamotear as suas responsabilidades nos acontecimentos, ao insistir durante três dias na tese da ETA.
Na sexta-feira, o clima de ódio instigado pelas autoridades espanholas resultou numa lamentável ocorrência. Um padeiro foi morto por um polícia por se ter recusado a colocar uma fita negra no seu estabelecimento em sinal de luto pelas vítimas dos atentados. Segundo o Ministério do Interior, terá sido a mulher do polícia quem primeiro exigiu ao comerciante que colocasse a fita. Perante a recusa, chamou o marido que sacou da pistola e abateu o padeiro. Tentando justificar o ocorrido, o Ministério divulgou a informação de que a vítima teria um filho com ligações à ETA.
Lição de cidadania
As poderosas manifestações espontâneas realizadas, no sábado, não só em frente da sede do PP mas também, noite dentro, noutros locais de Madrid e por toda a Espanha foram uma lição da verdadeira cidadania dada por um povo que rejeitou o silêncio complacente e geral das direcções partidárias e invadiu praças e ruas exigindo a verdade sobre os factos e a responsabilização dos verdadeiros culpados.
A urgência de castigar e arredar do poder a direita conservadora, por ter envolvido a Espanha na ignóbil guerra imperialista contra o Iraque, mobilizou vontades e concentrou votos, transformando o cinzento e conformado PSOE no vencedor das legislativas.
Este voto de protesto dos espanhóis tem contudo um significado que vai além das suas fronteiras, constituindo um sério aviso aos governos que alinharam com os Estados Unidos na cruzada contra o inventado «império do mal» à revelia do direito internacional, das resoluções da ONU e da vontade dos seus povos. Recorde-se, em 2003, em diversas sondagens, 91 por cento dos espanhóis opuseram-se à participação na guerra, o que não impediu José Maria Aznar de apoiar a invasão e, em seguida, enviar 1300 soldados para o Iraque.
A humilhante derrota do PP espanhol é também um claro revés para todos os que apoiaram a sua campanha, onde se inclui o governo português e o primeiro-ministro, Durão Barroso, que num acto de vassalagem inadmissível ousou manifestar a Mariano Rajoy, em castelhano, não só o apoio do seu executivo mas também de todo o povo português.
O veredicto das urnas
Com 164 deputados e 42,64 por cento dos votos, o PSOE obteve uma clara vantagem de 16 deputados sobre o PP que passou a segunda força política com 148 deputados e 37,64 por cento dos votos. Em relação às eleições de domingo, os socialistas ganharam 39 deputados e subiram 8,48 por cento, enquanto o PP viu esfumar-se a vantagem que as sondagens lhe atribuíam, perdendo 35 lugares e 6,88 por cento dos votos.
A CiU, coligação da Catalunha que integra a Izquierda Unida e Verdes, manteve-se como terceira força, embora baixando um ponto percentual, tendo elegido apenas dez deputados, menos cinco que em 2000. Em contrapartida, a Esquerda Republicana da Catalunha, que no sufrágio anterior conquistara um único deputado e 0,84 por cento dos votos, conseguiu eleger oito representantes e recolher 2,54 por cento dos votos, consagrando-se como quarta força no Congresso.
Num sufrágio que ficou marcado por uma subida espectacular da afluência às mesas de voto (votaram 77,22 por cento dos eleitores inscritos, contra os 68,71 por cento registados em 2000), o Partido Nacionalista Basco manteve os sete deputados, contrariamente à Izquierda Unida, que perdeu quatro representantes, mais de 110 mil votos, caindo para 4,96 por cento, ou seja um ponto percentual abaixo do resultado de 2000.
Os partidos nacionalistas Coligação Canária e BNG perderam um deputado, reduzindo a sua representação, respectivamente, para três e dois lugares. CHA e EA conservam cada um o seu deputado, enquanto que a coligação Nafarroa Baio, que se apresentou na circunscrição de Navarra, entra pela primeira vez para o parlamento espanhol com um representante. Por último, o Partido Andaluz perde o único deputado que tinha desaparecendo da câmara baixa do Congresso.
Inversão ou continuidade?
A vitória de José Luis Zapatero poderá implicar uma inversão na política externa da Espanha e o fim da sua aliança com a administração Bush, embora nada de muito concreto tenha sido para já avançado.
Em declarações feitas no domingo, o líder socialista reiterou as críticas a política belicista norte-americana, afirmando que «a guerra foi um desastre e a ocupação continua a ser um desastre, que apenas gerou violência». Contudo, elegendo como prioridade a luta contra o terrorismo, Zapatero disse que as tropas espanholas permanecerão no Iraque até final de Junho, data em que regressarão caso não se verifique a anunciada transição do poder para a ONU ou para as autoridades locais.
Na segunda-feira, 15, o líder do PSOE anunciou a sua intenção de formar governo sozinho, estabelecendo «acordos parlamentares concretos» com as restantes formação políticas. Um tanto inesperadamente, Zapatero considerou que a sua vitória não foi determinada pelos atentados de 11 de Março, apenas admitindo a influência deste acontecimento no aumento da taxa de participação. Porém, insistiu, na última semana teve uma «intuição» que lhe deu o «convencimento de que íamos ganhar».
Prometendo dialogar não só como todas as forças políticas mas também com os governos autónomos, Zapatero manifestou a sua abertura para debater a reforma do Estatuto de Autonomia, condicionando-a no entanto à «rigorosa observância da Constituição» e a «um amplo consenso» quer nos parlamentos regionais quer nacional. Em relação ao governo basco disse ter a «certeza» de que o diálogo será reatado «de forma imediata».
Diálogo foi igualmente prometido a todos os agentes económicos, garantindo Zapatero que quer ter «um governo que não intervenha na economia», para a seguir reafirmar a sua intenção de por fim à «era» da televisão pública «de partido» e proceder à reforma dos órgãos de informação públicos «tanto estatais como das autonomias».