Cascais não escapa à destruição de postos de trabalho

Na linha do desemprego

Gustavo Carneiro
Conhecido como local «da alta», Cascais não é um concelho rico. Tal como noutros concelhos do distrito de Lisboa, há empresas a fechar e trabalhadores a ficar sem emprego. No interior, não é novidade, mas intensificou-se recentemente. Mas em 2003 o desemprego chegou à jóia da coroa, a Avenida Marginal. Ali, bem junto dos grandes palácios, por entre luxuosos carros e imponentes casinos, um conhecido hotel foi fechado, atirando para o desemprego cerca de 230 trabalhadores. Foram estas realidades que o PCP quis denunciar, na terceira «Rota do Desemprego», realizada no passado dia 30.
«Lotação esgotada», lê-se à porta do Estoril Sol, à entrada do concelho de Cascais. Este aviso, porém, não se refere à ausência de quartos livres no hotel mas sim de lugares para a peça da noite, do Teatro Experimental de Cascais. A companhia teatral é, aliás, a única coisa que funciona no interior do edifício desde o encerramento do Hotel, no ano passado. Cá fora, sobrevivem ainda algumas das lojas que anteriormente serviam os abastados turistas. O stand de carros de luxo está trespassado e a agência de viagens vazia.
António Lemos foi um dos 230 trabalhadores que ficaram sem emprego com o encerramento do hotel. Depois de 30 anos a trabalhar no Estoril Sol, sobrevive hoje graças ao subsídio de desemprego, ao qual terá direito nos próximos dois anos. Depois, logo se vê. Considera-se muito novo para se reformar e muito velho para encontrar um novo emprego com facilidade. Dos seus colegas, conhece apenas «cinco ou seis» que estão novamente a trabalhar: os mais novos, com idades até aos 25 anos.
O encerramento do Estoril Sol deu-se depois de o presidente da Câmara o ter solicitado à empresa detentora da unidade hoteleira. Segundo o autarca, o edifício era feio e não ficava bem à entrada de Cascais. A empresa concordou e o hotel encerrou, apesar da luta travada.
O antigo trabalhador não se deixa convencer pelos argumentos avançados pelo autarca e pela empresa. Na sua opinião, há interesses imobiliários por trás da brusca decisão. «Querem construir aqui apartamentos», acredita. A ser verdade, poderá estar em risco o parque que se situa atrás do hotel e uma zona de paisagem protegida, situada mesmo ao lado. O Grupo Amorim, com interesses em variadas áreas – entre as quais o turismo e a imobiliária –, associou-se ao grupo Estoril Sol, de Stanley Ho. Esta ligação pode ter sido determinante para o encerramento do hotel, avança António Lemos.
O ex-trabalhador critica ainda o presidente da autarquia por se ter recusado a intervir junto da empresa no sentido de promover a integração dos trabalhadores despedidos noutras empresas. O Casino Estoril, ali ao lado, seria uma boa alternativa. Os argumentos do autarca foram simples, mas de um grande descaramento. Segundo ele, não tinha nada que se envolver em assuntos que dizem respeito a empresas privadas. Depois de ter, publicamente, proposto à empresa o encerramento do hotel.
Mas António Lemos considera que o desaparecimento do Estoril Sol não prejudica apenas os trabalhadores, mas todo o concelho. Fechado este hotel – e não havendo outra alternativa com a mesma qualidade nos arredores – virão a Cascais menos turistas. Menos 20 a 30 mil, afirma. Pela mesma razão, vários congressos previstos para Cascais realizar-se-ão noutros locais, reconheceu o administrador do centro de congressos de Cascais.

Deslocalização com o patrocínio da UE

Se, ao acontecer «paredes meias» com palácios e mansões, o desemprego no concelho de Cascais de tornou mais descarado e visível, este não começou com o encerramento do Estoril Sol. Indiferente ao luxo e à opulência, a vida no interior do concelho sempre seguiu um rumo diferente. As precárias condições de vida e de trabalho ou a própria ausência deste são realidades antigas.
Que o diga Felicidade Perpétua, trabalhadora da Euronadel há 30 anos, a quem o trabalho duro e sem condições roubou a saúde. A operária da fábrica de agulhas não confessa a doença profissional de que padece, mas afirma que não é caso único: a surdez, a tendinite e as doenças pulmonares são as mais frequentes na empresa. Segundo Felicidade Perpétua, que não está a trabalhar devido à doença, chegou a morrer gente da fábrica com problemas nos pulmões. As queixas foram feitas mas ninguém fez nada, lamenta.
Até há pouco mais de dois anos, a Euronadel empregava quase mil trabalhadores. Hoje, não restam mais de 350. A trabalhadora conta que os que saíram nas chamadas «rescisões por mútuo acordo» fizeram-no por não aguentarem mais as pressões a que foram sujeitos. Os que resistiram à pressão, denuncia, pagam hoje pela ousadia, sendo forçados a realizar funções que não lhes compete, como limpar o chão ou varrer o jardim.
Com os trabalhadores, foram também várias secções da fábrica, transferidas para a República Checa, onde a multinacional tem uma unidade. O início da produção já não é feito em Portugal. Dos cinquenta tipos de agulha fabricados na Euronadel até há dois anos, sobram menos de dez.
«O que sabemos é que eles estão a deslocar as máquinas para a República Checa», afirma. De resto, apenas sabem aquilo de que se conseguem aperceber. A Euronadel não tem Comissão de Trabalhadores e a empresa recusa-se a prestar esclarecimentos à Comissão Sindical do Sindicato dos Metalúrgicos sobre o futuro da fábrica. A operária, que quando trabalhava era dirigente do sindicato, desconfia que a empresa se mantenha em funcionamento até os operários checos conseguirem produzir com o mesmo nível de qualidade dos portugueses, que possuem mais de trinta anos de experiência. Depois, teme que a encerrem.
Ironia ou talvez não, no portão da Euronadel uma placa anuncia os apoios concedidos à fábrica, nomeadamente os fundos europeus PEDIP I e PEDIP II. Com o patrocínio do Ministério da Economia.

Roubo de talentos

Outrora com mais de 4 mil operários, na Alcatel restam actualmente 250. Engenheiros são aproximadamente seiscentos. É que a função da Alcatel em Portugal não é mais fabricar material de telecomunicações. Segundo José Carlos Wanzeller, antigo vereador da CDU na câmara de Cascais, a Alcatel portuguesa é o centro de investigação do grupo, o maior da Europa no ramo das telecomunicações, com capital na Erikson.
Da unidade de Cascais sai grande parte das inovações produzidas pelo grupo. Com investigadores portugueses, formados em Portugal, pagos a peso de ouro para produzir para a multinacional francesa. Wanzeller revela que grande parte dos investigadores da empresa são estudantes do Instituto Superior Técnico, contratados no início do seu percurso universitário.
Os operários limitam-se a fabricar modelos, que são testados. Se os modelos se revelarem válidos, são distribuídos pelas outras unidades do grupo para serem, aí sim, fabricados. Se forem rejeitados, todo o processo é novamente iniciado, com novas investigações.
As coisas nem sempre se passaram assim na unidade portuguesa da Alcatel, como recorda Maria Jesuína Cardoso, ex-trabalhadora da empresa. Antes, lembra, todos os cinco pavilhões – a maioria dos quais reduzidos hoje a ruínas – funcionavam. Cada um deles tinha a sua especialidade: escritórios e administração; televisores; semicondutores; telecomunicações; componentes mecânicos. Tudo era feito lá.
«De um momento para o outro, tudo começou a fechar», conta Maria Cardoso. Actualmente, «só funciona um dos pavilhões». Segundo relata a ex-operária, que saiu da empresa há três anos, agora não se fabrica nada. «Mandam vir os componentes e põem cá o selo da Alcatel.»

Cinco mil postos de trabalho destruídos

Findo o percurso da terceira «Rota do Desemprego», junto ao defunto hotel Estoril Sol, Brás Neves, da concelhia de Cascais do PCP, considerou dramática a situação em que vivem muitos milhares de trabalhadores. Sobretudo aqueles que começam a ser demasiado velhos para encontrar um novo emprego e cujo subsídio de desemprego expirou. Nos últimos tempos, foram destruídos 5 mil postos de trabalho. Segundo os dados dos centros de emprego, são 15 mil os desempregados do concelho.
Recentemente, foram várias as empresas que encerraram no concelho. Muitas delas propriedade de grupos fortemente implantados no mercado, como a ERU, a Parmalat, a Samsung ou a Synthelabo. Com estas perdeu-se meio milhar de postos de trabalho. Curioso é o facto de algumas destas empresas terem abandonado o concelho de Cascais para se instalarem no vizinho concelho de Sintra. Foi o caso da Samsung e da Synthelabo. Esta última fechou a fábrica de Cascais e limita-se hoje à comercialização de medicamentos nas suas novas instalações.
Para o PCP, a causa dos encerramentos radica nas políticas neoliberais seguidas pelos governos do País. Estas conduzem ao fecho de empresas, à redução da actividade produtiva e de postos de trabalho. Os comunistas acusam ainda a actual maioria da Câmara Municipal de Cascais (do PSD) de nada fazer para criar incentivos à instalação de empresas no concelho. Muito pelo contrário.
O deputado António Filipe, que participou nas três «rotas» que a Direcção da Organização Regional de Lisboa do PCP organizou, referiu que são os interesses imobiliários que têm ditado a sorte de importantes unidades produtivas da região de Lisboa. Lembrando que a situação é comum a vários concelhos do distrito, o deputado comunista destacou o Estoril Sol como exemplo extremo. Por interesses especulativos, destrói-se a «mais importante unidade hoteleira da região», denuncia.



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