As iniciativas multiplicam-se por todo o lado, confirmando que a luta pela paz é global

O mundo contra a guerra

As ma­ni­fes­ta­ções pela paz e de re­púdio pela agressão ao Iraque vol­taram a trazer à rua, no pas­sado sá­bado, muitos mi­lhares de pes­soas em todo o mundo.

Na Ale­manha, mais de 50 mil pes­soas ma­ni­fes­taram-se em Berlim, en­quanto cerca de 40 mil for­maram um gi­gan­tesco cordão hu­mano unindo as ci­dades de Os­na­bruck e Munster, dis­tantes 50 qui­ló­me­tros uma da outra. Outra ca­deia hu­mana, de 6 mil pes­soas, cercou o co­mando-geral das tropas dos EUA na Eu­ropa, em Stutt­gart. Também o prin­cipal acesso à base aérea ame­ri­cana no ae­ro­porto de Frank­furt foi blo­queado por ma­ni­fes­tantes.

Na Grã-Bre­tanha, 300 mil pes­soas saíram à rua em Lon­dres e nou­tras 16 ci­dades do país em de­fesa da paz e para con­denar a ati­tude dos par­la­men­tares que apoiam o pri­meiro-mi­nistro Tony Blair na sua es­ca­lada de guerra. As re­si­dên­cias de 23 de­pu­tados tra­ba­lhistas foram desta vez o ce­nário es­co­lhido para o pro­testo pelos ma­ni­fes­tantes. Al­gumas pes­soas pro­tes­taram igual­mente junto às ins­ta­la­ções da rede de te­le­visão bri­tâ­nica, BBC, acu­sando a es­tação de de­fender uma po­sição pró-guerra.

Em Itália, onde nos úl­timos dias os postos da Esso têm sido hos­ti­li­zados, pa­ci­fistas de cerca de 30 or­ga­ni­za­ções des­fral­daram grandes faixas pretas nas 14 pontes do Rio Tigre, que atra­vessa Roma, em sinal de luto pelas ví­timas do con­flito no Iraque. Se­gundo os or­ga­ni­za­dores da ini­ci­a­tiva, o preto re­fere-se igual­mente ao pe­tróleo, que afirmam ser o «ver­da­deiro mo­tivo da guerra».
En­tre­tanto, em Es­panha, para além das inú­meras ma­ni­fes­ta­ções de que damos conta neste nú­mero (ver pá­ginas 5 e 6), ga­nhou corpo uma nova ini­ci­a­tiva: uma cen­tena de ci­da­dãos apre­sen­taram uma acção contra o pri­meiro-mi­nistro, José Maria Aznar, junto do Su­premo Tri­bunal, acu­sando-o de ar­rastar o país para a guerra de uma forma ilegal.

Re­gis­taram-se igual­mente ma­ni­fes­ta­ções em vá­rias ci­dades de França. De­zenas de mi­lhar de pes­soas (entre 50 a 60 mil, se­gundo os or­ga­ni­za­dores, e 18 mil de acordo com a po­lícia) mar­charam contra a guerra até a praça da Con­corde, em Paris, ao som do Ré­quiem de Mo­zart, para render ho­me­nagem às ví­timas da guerra. Em Lyon, os pro­testos jun­taram 6 mil pes­soas, tal como em Mar­selha, e em Es­tras­burgo 1500.
Na Grécia, cerca de 50 mil pes­soas des­fi­laram desde a praça cen­tral de Atenas até à em­bai­xada ame­ri­cana, exi­gindo o fim das fa­ci­li­dades mi­li­tares dadas aos EUA, que mantêm uma base ae­ro­naval em Suda, na ilha de Creta.

No Pa­quistão, onde as ma­ni­fes­ta­ções contra a guerra se su­cedem di­a­ri­a­mente, meia cen­tena de pa­quis­ta­neses ini­ciou no sá­bado uma greve de fome em pro­testo contra a morte de civis no Iraque. Em Peshawar, entre 200 mil e 250 mil pes­soas exi­giram o fim da guerra, res­pon­dendo ao apelo da Ali­ança dos Par­tidos re­li­gi­osos Mut­tahida Majlis-e-Amal (MMA). Foi a maior ma­ni­fes­tação an­ti­bé­lica re­a­li­zada no país desde o início da guerra.


Re­pressão po­li­cial

As ma­ni­fes­ta­ções na Pa­les­tina de­sa­gradam a Is­rael. Em Belém, na Cis­jor­dânia, os sol­dados is­ra­e­litas agre­diram bru­tal­mente cri­anças e jo­vens con­cen­trados junto à Ba­sí­lica da Na­ti­vi­dade e lan­çaram gás la­cri­mo­géneo para os forçar a dis­persar. Também em Gaza e Na­blus se re­a­li­zaram ma­ni­fes­ta­ções.

Mais pa­cí­ficos foram os pro­testos em Is­rael, que jun­taram muitos mi­lhares de árabes-is­ra­e­litas em Na­zaré, na Ga­li­leia.

Sem in­ci­dentes, mas muito crí­tica em re­lação aos go­vernos árabes co­ni­ventes com a in­vasão do Iraque, clas­si­fi­cados de trai­dores, foi a ma­ni­fes­tação em Tiro, no Lí­bano, que juntou cerca de seis mil pes­soas.

Já no Iémen, cerca de 300 mu­lheres ma­ni­fes­taram-se no centro de Sana, e 50 de­claram-se prontas a servir de «es­cudos hu­manos» em Bagdad.
Os pro­testos na Co­reia do Sul também não foram pa­cí­ficos. Mi­lhares de ma­ni­fes­tantes en­traram em con­fronto com a po­lícia, em Seul, quando exi­giam que o Con­gresso Na­ci­onal re­jeite um pro­jecto de lei do go­verno au­to­ri­zando o envio de 600 en­ge­nheiros mi­li­tares e cem fun­ci­o­ná­rios da área mé­dica para apoiar as forças ame­ri­canas no Iraque.

Em Kuala Lumpur, ca­pital da Ma­lásia, a po­lícia usou gás la­cri­mo­géneo para dis­persar as cerca de mil pes­soas que pro­tes­tavam em frente do Alto Co­mis­sa­riado da Aus­trália, de­pois de serem im­pe­didas de se ma­ni­festar junto à em­bai­xada dos EUA. Al­guns di­ri­gentes da opo­sição foram de­tidos.

Três fe­ridos e uma cen­tena de presos foi o ba­lanço da re­pressão po­li­cial, na Re­pú­blica Do­mi­ni­cana, contra as cerca de 2 mil pes­soas que res­pon­deram ao apelo do Co­lec­tivo de Or­ga­ni­za­ções Po­pu­lares. O go­verno do­mi­ni­cano é um dos poucos que apoia for­mal­mente a in­vasão do Iraque.



Pro­testo sim­bó­lico


En­tre­tanto, pela pri­meira vez desde o ataque ao Iraque, a China au­to­rizou a re­a­li­zação de ma­ni­fes­ta­ções an­ti­bé­licas, sob certas con­di­ções. Os pro­testos, sim­bó­licos, de­cor­reram na Uni­ver­si­dade de Pe­quim, no Parque de Cha­oyang e em frente à Em­bai­xada dos EUA na ca­pital chi­nesa. As au­to­ri­dades chi­nesas li­mi­taram o nú­mero de ma­ni­fes­tantes e con­di­ci­o­naram o acesso à re­pre­sen­tação di­plo­má­tica ame­ri­cana, de forma a evitar si­tu­a­ções como as re­gis­tadas du­rante os pro­testos contra o bom­bar­deio da em­bai­xada chi­nesa em Bel­grado pelos EUA, em 1999, du­rante o ataque à Sérvia.

Longe da em­bai­xada ame­ri­cana fi­caram também as cerca de 5 mil pes­soas que par­ti­ci­param nos pro­testos em Dhaka, ca­pital do Ban­gla­desh. O bairro das em­bai­xadas foi en­cer­rado e o po­li­ci­a­mento da ci­dade re­for­çado.
En­quanto isso, na Aus­trália, mais de 15 mil pes­soas, se­gundo a po­lícia, ma­ni­fes­taram-se em Mel­bourne, em pro­testo contra a de­cisão do go­verno aus­tra­liano de en­viar tropas para o Iraque.

Em Boston, na Costa Leste dos Es­tados Unidos, a po­lícia es­timou em 15 os ma­ni­fes­tantes que, se­gundo Eric Weltman, um dos or­ga­ni­za­dores, estão a lutar desde já «para deter a pró­xima in­vasão». Re­a­li­zaram-se ainda ma­ni­fes­ta­ções em Har­ris­burg, Pennsyl­vania (12 mil pes­soas), em Nova Iorque (na Times Square), em Denver, Los An­geles e Pa­terson, Nova Jersey. Os apoi­antes de Bush também saíram às ruas: 2 mil em Mas­sa­chu­setts e 3 mil na «Pe­quena Ha­vana» de Miami, ninho da di­reita an­ti­cu­bana.

En­quanto isso, em Cuba, pros­segue a ini­ci­a­tiva Tri­buna Aberta da Re­vo­lução para con­denar a agressão contra o Iraque. O evento, que se­ma­nal­mente pro­move o de­bate de massas numa lo­ca­li­dade di­fe­rente, reuniu no sá­bado mais de 10 mil pes­soas na ci­dade de Minas, pro­víncia de Ca­ma­guey.
Re­a­li­zaram-se igual­mente ma­ni­fes­ta­ções contra a guerra em El Sal­vador, Costa Rica, Hon­duras, Ar­gen­tina (onde cresce o boi­cote às em­presas norte-ame­ri­canas, como o Mc­Do­nald’s), Ve­ne­zuela, Chile, Peru, Equador, Jor­dânia e Vi­et­name, entre ou­tras.
O Va­ti­cano as­so­ciou-se igual­mente às jor­nadas em de­fesa da paz, através de mais um apelo do Papa João Paulo II ao fim da guerra no Iraque. O Papa alertou para o facto deste con­flito estar «a re­duzir a es­pe­rança da hu­ma­ni­dade num fu­turo me­lhor» e ma­ni­festou o re­ceio de que a guerra pro­voque uma «ca­tás­trofe re­li­giosa no mundo».



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