Mensagens de Paz com actos de guerra

Jerónimo de Sousa (Membro da Comissão Política do PCP)
No limiar de mais um Ano Novo, numa quadra festiva sempre propícia a uma espécie de trégua social, haveremos de ouvir os votos e as mensagens de paz, haveremos de ver os gestos e os actos solidários para com os esquecidos durante o resto do ano.

As ofensivas do Governo estarão ausentes das mensagens natalícias

E no entanto, este Governo de direita, por detrás dos seus beatíficos votos, aproveitará este tempo para avançar com o seu projecto de retrocesso e injustiça social.
Nas festas de Natal dos hospitais não estará presente a Lei do Governo que reduz drasticamente o subsídio de doença a milhares de trabalhadores. No eléctrico da Carris carregado de crianças e conduzido por um trabalhador transformado por uns dias num simpático Pai Natal, ninguém lhe perguntará sobre as suas justas inquietações quanto ao futuro da empresa e do seu posto de trabalho, que o Governo quer privatizar.
Nos votos de felicidade que Barroso fará às famílias portuguesas não estarão contados nem lembrados os cerca de 500 mil desempregados, quantos deles tratados como simples peças gastas.
Mas é neste tempo de Paz que o Governo escolhe como tempo certo para avançar com a segunda fase do Pacote Laboral, já em trânsito para a Assembleia da República, como tempo certo para acelerar o ataque aos trabalhadores da Administração Pública alterando o regime de aposentações, generalizando o contrato individual a fim de reduzir o vínculo do emprego público, criando um aberrante sistema de avaliações.
Nos seus votos de pacificação e de um ano melhor, o primeiro-ministro há de esconder o que já decidiu em relação aos salários da Administração Pública, e omitir os brutais aumentos do pão, da electricidade, da água, das rendas de casa, das portagens.
Falará porventura dos «sacrifícios necessários» dos que menos têm e menos podem ante o ar embevecido e cínico dos senhores do capital financeiro e dos grandes grupos económicos que amassam fortuna à fortuna com as privatizações e a especulação.
Arredado das mensagens do Governo estará decerto o seu ódio ao acto e ao processo transformador da Revolução de Abril, vertido no projecto de revisão constitucional elaborado pela direita mais reaccionário, personificada por Paulo Portas e Santana Lopes.
Dobrar-se-à a folha do calendário. A realidade acabará por sobrepor-se a este entorpecimento temporal, e distantes e ocos ficarão os votos pios desta quadra e deste Governo.

Retomar a esperança

A retoma da esperança será feita na luta dos trabalhadores mas também dos agricultores, dos intelectuais, dos estudantes, das populações, do Partido, em torno de causas e de problemas concretos para impedir mais estragos deste Governo de direita.
Os trabalhadores da Carris, da Sorefame, da Lisnave, da EDP, dos Correios, da Administração Pública, da CGTP-IN, serão a força do exemplo para outros sectores e camadas sociais, serão exemplo para as forças democráticas que não se conformam com este estado de coisas e que não podem, perante a gravidade e dimensão da ofensiva, esperar que este Governo caia de maduro.
No limiar do ano 30 da Revolução de Abril, sujeito a um ajuste de contas ao seu projecto transformador e ao seu ideal libertador por parte dos sectores mais passadistas da sociedade portuguesa, urge saber como a vamos comemorar mas também como a vamos defender, defendendo a Constituição e o regime democrático que ela comporta, defendendo os direitos sociais, económicos e culturais que resultam de muitas lutas mas também da Revolução de Abril, envolvendo as gerações mais jovens na defesa dos seus valores e dos direitos, como direitos que também são seus no trabalho, na escola e na sociedade. Nesta mensagem, mas fundamentalmente na acção e na intervenção empenhar-se-ão os comunistas.
Nas batalhas que se vislumbram no inicio de 2004, o décimo Congresso da CGTP – Intersindical Nacional reassume um papel de extraordinária importância, não só por convocar e reunir milhares de dirigentes e activistas sindicais em 30 e 31 de Janeiro, mas porque dele sairá aquela força e determinação que dá confiança para travar os combates duros e prolongados, mas necessários à defesa da democracia.


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