Atentados continuam depois da prisão de Saddam
Saddam Hussein foi preso na noite de sábado, mas os atentados continuam. 27 mortos e dezenas de feridos é o balanço das primeiras 48h a seguir à prisão.
«Saddam negou a existência de armas de destruição maciça»
«Senhoras e senhores, apanhámo-lo» - anunciou à imprensa o administrador norte-americano no Iraque, Paul Bremer. Horas depois, em Khalidiyah, uma cidade a oeste de Bagdad, um autocarro armadilhado explodia perto de uma esquadra da polícia, matando 17 pessoas e ferindo outras 30, a maioria soldados iraquianos. No domingo, em Mosul, no Norte do Iraque, um general da antiga Guarda Republicana, unidade de elite de Saddam, era morto a tiro por desconhecidos. Na segunda-feira, atentados contra duas esquadras da polícia provocam a morte de 8 polícias e ferimentos em 14.
Nos EUA, Bush não necessitou destes elementos para, na sua comunicação ao país, reconhecer que a prisão do antigo aliado da Casa Branca não significa o fim da violência no Iraque.
«Ainda enfrentamos terroristas que preferem continuar a matar inocentes a aceitar a liberdade. Esses homens são uma ameaça directa ao povo americano e serão derrotados», disse Bush.
Na sua intervenção, o presidente norte-americano felicitou os 600 soldados que participaram na operação, e esqueceu-se convenientemente da Convenção de Genebra, que proíbe a divulgação de imagens humilhantes de prisioneiros de guerra.
O comandante das tropas norte-americanas no Iraque, Ricardo Sanchéz, deu a conhecer ao mundo, com abundância de pormenores, que Saddam Hussein tinha sido capturado numa quinta perto da sua cidade natal, Tikrit, onde estava escondido dentro de um buraco, na companhia de uma pistola e de uma mala com 750 mil dólares. Para garantir a identidade de Saddam, nem faltaram imagens degradantes de alegados exames médicos.
Na conferência de imprensa, em que pseudo-jornalistas aplaudiram de pé o anúncio da prisão do antigo ditador, Sanchez ainda informou que Saddam «não ofereceu resistência» e que «tem cooperado» com os militares.
A tese da cooperação não durou muito tempo. Na sua edição de segunda-feira, a revista Time - citando fontes dos serviços de informação norte-americanos - afirma que Saddam negou a existência de armas de destruição maciça e não prestou mais informações. Entretanto, a rede de televisão CBS News informou, citando fontes militares não-identificadas, que Saddam foi retirado do Iraque, e a televisão árabe Al Arabiya avançou que o ex-presidente iraquiano estará numa base militar dos EUA no Qatar.
Reacções
Para o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, a captura de Saddam é uma oportunidade para «dar um novo impulso à paz e à estabilidade no Iraque».
Na Alemanha, o chanceler Gerhard Schröeder manifestou o desejo de que a prisão de Saddam Hussein contribua para «apoiar os esforços da comunidade internacional para a reconstrução e a estabilização» do país. Uma opinião partilhada pela França, cujo ministro dos Negócios Estrangeiros, Dominique de Villepin, considerou o evento «um incentivo para que a comunidade internacional recupere sua unidade», e lembrou que Paris está pronta para «ocupar o seu lugar» na reconstrução do Iraque.
Mais efusivo foi o primeiro-ministro israelita, Ariel Sharon, que felicitou Bush pelo telefone, e para quem «o mundo inteiro pode respirar aliviado, porque o ditador que arruinou o Iraque não pode interferir na reconstrução». No mesmo sentido se manifestaram os primeiros-ministros espanhol e britânico, Aznar e Blair.
No mundo árabe, as reacções foram diferentes, e a tónica dominante é a de que devem ser os iraquianos a decidir o destino de Saddam e o seu próprio destino. Há mesmo quem afirme, como o analista político iemenita Saeed Shabet, que esta vitória dos EUA pode acabar por demonstrar que a resistência iraquiana não está a lutar por Saddam Hussein mas sim contra a presença dos ocupantes. «A situação no Iraque não vai mudar muito. Não acho que a resistência estivesse ligada a Saddam, e ela vai aumentar, como foi o caso após a morte de Uday e Qusay», disse Shabet, referindo-se aos dois filhos de Saddam mortos pelos norte-americanos.
Um trunfo para Bush...
A captura de Saddam não podia ter chegado em melhor altura para Bush. A menos de uma ano das eleições, o continuado número de baixas no Iraque está a afectar a imagem do presidente e a transformar-se numa séria preocupação para os republicanos.
Ainda no passado sábado uma sondagem publicada pela revista Newsweek dava conta de que metade dos norte-americanos não desejava a reeleição de Bush, justamente devido à sua política em relação ao Iraque. Esta matéria penaliza igualmente o democrata Howard Dean, que é suplantado pelo ex-vice-presidente Al Gore nas preferências dos democratas para se opor a Bush.
De acordo com a sondagem, o general reformado Wesley Clark e o senador Joe Lieberman, dois outros potenciais candidatos, recolhem 12 por cento cada um das intenções de voto dos democratas.
Revelador da preocupação que grassa nas hostes republicanas é o esforço que está a ser feito na recolha de fundos para a campanha de Bush. Segundo dados recentes vindos a público, os organizadores esperam contar já com 200 milhões de dólares quando Bush for indicado oficialmente como candidato do Partido Republicano na convenção de Nova Iorque, prevista para Setembro.
...e uma dor de cabeça
Entretanto, o enviado especial de Bush para negociar a dívida iraquiana, James Baker, iniciou esta semana um périplo pela Europa que o levará a Paris, Berlim e Moscovo, capitais dos principais credores do Iraque.
A missão de Baker é discutir com as autoridades francesas, alemãs e russas os mecanismos para reduzir - ou mesmo eliminar - a dívida iraquiana, que segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI) ascende a 120 mil milhões de dólares.
O momento não podia ser o menos indicado, já que Bush acaba de confirmar que os países que se opuseram à agressão e ocupação norte-americana no Iraque serão excluídos dos principais contratos para a reconstrução do país. Aparentemente, o que a Casa Branca pretende é que os credores que não alinharam com Washington fiquem de fora na partilha do «bolo», ao mesmo tempo que são instado a perdoar as dívidas. A menos, claro, que estejamos perante uma operação de chantagem: a dívida, ou a partilha.
Mas nem tudo são rosas para a administração Bush. A Halliburton, sociedade dirigida até 2001 pelo actual vice-presidente, Dick Cheney, foi acusada pelo Pentágono de ter sobrefacturado os preços da gasolina vendida para o Iraque desde Setembro em qualquer coisa como 61 milhões de dólares.
Recorda-se que a Halliburton ficou, sem qualquer concurso, com os contratos para a reconstrução do país destruído pelos ataques anglo-americanos.
Nos EUA, Bush não necessitou destes elementos para, na sua comunicação ao país, reconhecer que a prisão do antigo aliado da Casa Branca não significa o fim da violência no Iraque.
«Ainda enfrentamos terroristas que preferem continuar a matar inocentes a aceitar a liberdade. Esses homens são uma ameaça directa ao povo americano e serão derrotados», disse Bush.
Na sua intervenção, o presidente norte-americano felicitou os 600 soldados que participaram na operação, e esqueceu-se convenientemente da Convenção de Genebra, que proíbe a divulgação de imagens humilhantes de prisioneiros de guerra.
O comandante das tropas norte-americanas no Iraque, Ricardo Sanchéz, deu a conhecer ao mundo, com abundância de pormenores, que Saddam Hussein tinha sido capturado numa quinta perto da sua cidade natal, Tikrit, onde estava escondido dentro de um buraco, na companhia de uma pistola e de uma mala com 750 mil dólares. Para garantir a identidade de Saddam, nem faltaram imagens degradantes de alegados exames médicos.
Na conferência de imprensa, em que pseudo-jornalistas aplaudiram de pé o anúncio da prisão do antigo ditador, Sanchez ainda informou que Saddam «não ofereceu resistência» e que «tem cooperado» com os militares.
A tese da cooperação não durou muito tempo. Na sua edição de segunda-feira, a revista Time - citando fontes dos serviços de informação norte-americanos - afirma que Saddam negou a existência de armas de destruição maciça e não prestou mais informações. Entretanto, a rede de televisão CBS News informou, citando fontes militares não-identificadas, que Saddam foi retirado do Iraque, e a televisão árabe Al Arabiya avançou que o ex-presidente iraquiano estará numa base militar dos EUA no Qatar.
Reacções
Para o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, a captura de Saddam é uma oportunidade para «dar um novo impulso à paz e à estabilidade no Iraque».
Na Alemanha, o chanceler Gerhard Schröeder manifestou o desejo de que a prisão de Saddam Hussein contribua para «apoiar os esforços da comunidade internacional para a reconstrução e a estabilização» do país. Uma opinião partilhada pela França, cujo ministro dos Negócios Estrangeiros, Dominique de Villepin, considerou o evento «um incentivo para que a comunidade internacional recupere sua unidade», e lembrou que Paris está pronta para «ocupar o seu lugar» na reconstrução do Iraque.
Mais efusivo foi o primeiro-ministro israelita, Ariel Sharon, que felicitou Bush pelo telefone, e para quem «o mundo inteiro pode respirar aliviado, porque o ditador que arruinou o Iraque não pode interferir na reconstrução». No mesmo sentido se manifestaram os primeiros-ministros espanhol e britânico, Aznar e Blair.
No mundo árabe, as reacções foram diferentes, e a tónica dominante é a de que devem ser os iraquianos a decidir o destino de Saddam e o seu próprio destino. Há mesmo quem afirme, como o analista político iemenita Saeed Shabet, que esta vitória dos EUA pode acabar por demonstrar que a resistência iraquiana não está a lutar por Saddam Hussein mas sim contra a presença dos ocupantes. «A situação no Iraque não vai mudar muito. Não acho que a resistência estivesse ligada a Saddam, e ela vai aumentar, como foi o caso após a morte de Uday e Qusay», disse Shabet, referindo-se aos dois filhos de Saddam mortos pelos norte-americanos.
Um trunfo para Bush...
A captura de Saddam não podia ter chegado em melhor altura para Bush. A menos de uma ano das eleições, o continuado número de baixas no Iraque está a afectar a imagem do presidente e a transformar-se numa séria preocupação para os republicanos.
Ainda no passado sábado uma sondagem publicada pela revista Newsweek dava conta de que metade dos norte-americanos não desejava a reeleição de Bush, justamente devido à sua política em relação ao Iraque. Esta matéria penaliza igualmente o democrata Howard Dean, que é suplantado pelo ex-vice-presidente Al Gore nas preferências dos democratas para se opor a Bush.
De acordo com a sondagem, o general reformado Wesley Clark e o senador Joe Lieberman, dois outros potenciais candidatos, recolhem 12 por cento cada um das intenções de voto dos democratas.
Revelador da preocupação que grassa nas hostes republicanas é o esforço que está a ser feito na recolha de fundos para a campanha de Bush. Segundo dados recentes vindos a público, os organizadores esperam contar já com 200 milhões de dólares quando Bush for indicado oficialmente como candidato do Partido Republicano na convenção de Nova Iorque, prevista para Setembro.
...e uma dor de cabeça
Entretanto, o enviado especial de Bush para negociar a dívida iraquiana, James Baker, iniciou esta semana um périplo pela Europa que o levará a Paris, Berlim e Moscovo, capitais dos principais credores do Iraque.
A missão de Baker é discutir com as autoridades francesas, alemãs e russas os mecanismos para reduzir - ou mesmo eliminar - a dívida iraquiana, que segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI) ascende a 120 mil milhões de dólares.
O momento não podia ser o menos indicado, já que Bush acaba de confirmar que os países que se opuseram à agressão e ocupação norte-americana no Iraque serão excluídos dos principais contratos para a reconstrução do país. Aparentemente, o que a Casa Branca pretende é que os credores que não alinharam com Washington fiquem de fora na partilha do «bolo», ao mesmo tempo que são instado a perdoar as dívidas. A menos, claro, que estejamos perante uma operação de chantagem: a dívida, ou a partilha.
Mas nem tudo são rosas para a administração Bush. A Halliburton, sociedade dirigida até 2001 pelo actual vice-presidente, Dick Cheney, foi acusada pelo Pentágono de ter sobrefacturado os preços da gasolina vendida para o Iraque desde Setembro em qualquer coisa como 61 milhões de dólares.
Recorda-se que a Halliburton ficou, sem qualquer concurso, com os contratos para a reconstrução do país destruído pelos ataques anglo-americanos.