Arma secreta

Anabela Fino
Já o país estava a arder, a semana passada, quando um oficial da GNR, cujo nome felizmente não ficará para a História, anunciou nas televisões que Portugal levava para o Iraque uma arma secreta em que os bravos do pelotão depositam as maiores esperanças.
Não é bem o ovo de Colombo, mas quase. Só o que não se percebe é por que razão as autoridades portuguesas se fecharam em copas e não informaram os amigos norte-americanos da existência de tal arma, que em boa verdade podemos classificar de «dominação maciça». Tivesse havido partilha de informação e outra seria certamente a história do Iraque.
Mas afinal de que se trata? Parafraseando o oficial da GNR, o nome diz tudo: Figo!
Pois é. Em vésperas de partirem para o Iraque, os militares portugueses estão a fazer um curso intensivo sobre o craque do futebol, já guardaram certamente na bagagem uma mão cheia de souvenirs para distribuir por miúdos e graúdos, e mesmo sem falarem árabe levam no léxico termos que todos os amantes da bola entendem, quais palavras mágicas para aceder, neste caso não à gruta e aos tesouros de Ali Bábá, mas à amizade e ao reconhecimento dos iraquianos.
Tivesse Bush pensado nisto e não teria sido preciso nenhuma guerra para ocupar Bagdad. Bastaria ter organizado uma selecção maravilha com as estrelas do futebol, colocá-las à frente dos tanques a distribuir autógrafos, e as forças invasoras seriam recebidas em apoteose e levadas em ombros ao estádio mais próximo para um encontro amigável entre ocupantes e ocupados, que logo ali deporiam as armas, entregariam as chaves dos palácios e abririam as torneiras do petróleo.
Percebe-se agora por que motivo Bush torceu o nariz à GNR, considerando «infeliz» o nome das forças portuguesas destacadas para o Iraque. Ao contrário do que muitos pensaram, o desagrado não se ficou a dever ao facto de esse ser o nome da guarda pretoriana de Saddam Hussein, mas sim ao segredo que a GNR fez da sua arma secreta, entretanto descoberta, tardiamente, pela CIA.
O presidente norte-americano tem carradas de razão para estar descontente com o amigo «burroso», tanto mais que ele próprio não hesitou em dar ao mundo a solução milagrosa para acabar com os incêndios, quando não há muito tempo os EUA estiveram a arder. Derrube-se as árvores, disse Bush, e o problema fica resolvido. Durão Barroso guardou a receita na pasta das descobertas e prepara-se para a anunciar ao País. Matreiro, o primeiro-ministro não quer correr o risco de ser acusado de plágio, pelo que está a fazer uma aproximação por etapas à solução final. Começou por declarar que a culpa dos fogos é das condições atmosféricas, cujas não controla, apelou depois à unidade nacional porque o momento não é para críticas, para o que tem toda a compreensão do PS, e um dia destes quando as finanças estiverem melhor decreta a extinção dessas coisas horríveis que têm tendência para arder - as árvores - e inaugura o século do betão. No interim, a televisão pública vai ouvindo Ferro Rodrigues e Francisco Louçã, entre muitos outros, a perorar sobre incêndios, enquanto nas gavetas dos ministérios vão amarelecendo as propostas do PCP, devidamente chumbadas por sucessivos governos, para acabar com o flagelo.


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