O fim do oásis
Conhecido ao longo de anos pelas suas reduzidas taxas de desemprego, que lhe valiam o título de «oásis», o distrito de Aveiro debate-se hoje com uma crise sem precedentes. Concelhos como São João da Madeira, Santa Maria da Feira ou Castelo de Paiva vêem empresas encerrar, total ou parcialmente, enquanto desaparecem milhares de postos de trabalho.
Depois de ter sido, ao longo de anos, referido nos discursos políticos da direita e do PS – dependendo das conjunturas eleitorais – como exemplo de resistência às sucessivas crises que assolaram o País, eis a confirmação de que o distrito de Aveiro, e o seu propalado desenvolvimento, tinham pés de barro. Em menos de seis meses, o desemprego, tradicionalmente muito baixo, disparou e atinge já mais de 25 mil trabalhadores, ou seja, 7 por cento da população activa do distrito. Comparativamente com o mesmo período do ano passado, aumentou mais de 41 por cento, muito acima dos 26 por cento de crescimento no todo nacional. Entre Março e Abril, o aumento foi de 2,3 por cento – enquanto que no País era de 0,7. Para Joaquim Almeida, coordenador da União dos Sindicatos de Aveiro/CGTP-IN, a situação real é ainda mais grave, pois os números existentes referem-se apenas ao desemprego registado.
Alguns concelhos foram particularmente afectados. À cabeça surge Castelo de Paiva, onde até Fevereiro funcionava o gigante do calçado CJ Clarks, que empregava mais de 900 pessoas. Entre Março de 2002 e Março de 2003, o desemprego neste concelho aumentou 91 por cento. Noutros concelhos, como Anadia, Santa Maria da Feira e São João da Madeira, este crescimento ronda os 50 por cento.
As mulheres são as mais afectadas. Dos 24 467 desempregados registados em Abril, 14 970 (61,18 por cento) são mulheres. O coordenador da União de Sindicatos explica esse facto por ser nos sectores dos têxteis e calçado – com mão-de-obra essencialmente feminina – que o desemprego mais se fez sentir.
No distrito de Aveiro, entre Dezembro e Abril – últimos dados oficiais divulgados – mais de mil trabalhadores perderam, por mês, o emprego. Nos últimos meses, porém, o ritmo de crescimento abrandou. Para Joaquim Almeida, tal não se deve à criação de alternativas de emprego. «A razão essencial é não ter havido encerramentos de empresas em Março e Abril», afirma. Mas há outras. Segundo o coordenador da União dos Sindicatos, «aperta-se o espaço para as “rescisões por mútuo acordo”».
Na Phillips de Ovar, conta Joaquim Almeida, depois de uma vaga de «rescisões» ter empurrado para o desemprego centenas de trabalhadores – na sua maioria mulheres perto de atingir a idade de reforma – está a sentir-se agora mais dificuldades em prosseguir com os despedimentos. «Agora o que há é trabalhadoras novas, que já não estão nessa situação e que, por isso, resistem», destaca o sindicalista. Mas as pressões existem. E são tais que as trabalhadoras fizeram uma manifestação, das instalações da fábrica até à Câmara Municipal, com uma única reivindicação, inédita em Portugal: o fim das pressões para rescindir.
Situações dramáticas
Joaquim Almeida destaca que são as rescisões – e não os encerramentos – as grandes responsáveis pelo crescimento do desemprego em Aveiro. «As pessoas são levadas a pensar o contrário porque quando fecha uma empresa a comunicação social aparece em peso», afirma. Num estudo feito recentemente, a União dos Sindicatos concluiu que eram cinco mil os trabalhadores despedidos em consequência de encerramentos de empresas, entre 2000 e Fevereiro de 2003. «E nós estamos a falar de um universo de 25 mil desempregados», lembra o dirigente sindical.
O apregoado «oásis» era, afinal, uma miragem. Na verdade, sempre foi. Apesar de ter mantido, até há bem pouco tempo, taxas de desemprego relativamente reduzidas, os trabalhadores do distrito de Aveiro debateram-se sempre com sérias dificuldades, que agora vêem brutalmente agravadas. Os salários baixos e os elevados ritmos de trabalho e exploração sempre fizeram – e ainda fazem! – parte do quotidiano. Em 2002, o índice de poder de compra do distrito de Aveiro situava-se em 83 por cento da média nacional. Em Castelo de Paiva, por exemplo, ficava-se pelos 52 por cento. E isto antes do encerramento da Clarks, que ocorreu no início deste ano. Em Arouca, era mesmo inferior. Acima da média, apenas Aveiro, Espinho e São João da Madeira.
«Temos estado a falar de números, mas por trás desses números há situações muito difíceis, mesmo dramáticas», afirmou Joaquim Almeida, referindo-se a casos em que os trabalhadores e as suas famílias se debatem com sérias dificuldades de sobrevivência, com elevado recurso ao crédito.
As dívidas aos trabalhadores despedidos na sequência dos encerramentos é outro dos problemas a contribuir para as situações mais difíceis. Muitos há que nunca viram cumpridos os seus direitos. Algumas empresas encerradas funcionavam em instalações alugadas com máquinas compradas em leasing. Uma vez fechadas, nada revertia para os trabalhadores. Noutros casos, após férias forçadas, tudo desaparecia das instalações: máquinas e matéria prima. Para os verdadeiros criadores da riqueza, não fica nada.
Voltando aos números, em oito sectores industriais (metalúrgico, calçado, cerâmica, madeiras, indústrias eléctricas, cortiça, têxtil e químico), nos 1446 processos apresentados em Tribunal pelos respectivos sindicatos, a dívida ascende a mais de 14 milhões de euros. Mas como o número de trabalhadores dessas 74 empresas era de 3 800 – e não de 1446 –, estima-se que as dívidas por encerramento ascenda aos 37 milhões de euros, a que é necessário ainda somar 492 mil euros de salários em atraso.
Fazer o mesmo noutro lado
Muitas são as razões apresentadas pelos que tentam, a esforço, justificar as deslocalizações das grandes multinacionais. Para os ministros Bagão Félix e Carlos Tavares, que ocupam respectivamente as pastas do Trabalho e da Economia, estas são «profiláticas» e «normais».
Joaquim Almeida, coordenador da União dos Sindicatos de Aveiro, discorda e adianta o que considera serem as reais motivações das empresas. Na sua opinião, o seu objectivo é a instalação nos países que entram no próximo ano para a União Europeia. Aí beneficiarão de avultados benefícios, oriundos dos fundos comunitários.
Foi isto que aconteceu em Portugal há uns anos. «Havia apoios comunitários, apoios do Estado português e apoios locais», lembra o dirigente sindical. Agora, afirma, vão para os países do alargamento fazer a mesma coisa. «Só assim se explica a sua saída de um país de baixos salários e com altíssimos índices de produtividade», considera.
PCP tem propostas
O distrito de Aveiro, composto por mão-de-obra maioritariamente operária (segundo dados oficiais de 2001, cerca de 52 por cento dos trabalhadores estava empregado no sector secundário), tem imensas potencialidades. Segundo as conclusões da 5.ª Assembleia Regional de Aveiro do PCP, realizada em Maio, a centralidade da região é um dos seus grandes trunfos. Mas o constante adiamento de obras «da maior importância impede que se tire partido dessa realidade», lamenta o PCP.
A existência de uma mão-de-obra jovem, com um bom nível de escolarização e apta a ganhar competências no uso das novas tecnologias, e a existência da Universidade de Aveiro poderiam surgir também como estímulo ao desenvolvimento do distrito, nomeadamente no que se refere à instalação de indústrias de alta complexidade tecnológica e trabalho qualificado.
Mas o que aconteceu foi exactamente o oposto. Ao longo dos anos, o investimento privado no distrito assentou em dois pilares: a procura de apoios públicos que implicassem o menor esforço financeiro às empresas, aliada à «procura de mão-de-obra barata, pouco reivindicativa, com capacidade de adaptação e sem outras alternativas de emprego», concluíram os comunistas da região.
Encontradas estas condições, as empresas instalaram-se, fazendo do distrito de Aveiro uma região de grande concentração de indústria de mão-de-obra intensiva, pouco qualificada. A maioria dos trabalhadores, destaca a resolução, «não tem trabalho em condições de liberdade, de equidade, de segurança e de dignidade, como define a OIT, Organização Internacional do Trabalho».
Nos últimos tempos, confrontados com a desumana perspectiva do desemprego, os trabalhadores do distrito lutaram em defesa dos seus postos de trabalho. Mobilizados e apoiados pelo movimento sindical unitário, os trabalhadores encontraram no PCP um forte aliado. Se, nos casos mais trágicos, como o encerramento da Clarks, membros das várias forças políticas estiveram junto dos trabalhadores, foram os comunistas os únicos a dar continuidade a esse trabalho. Os outros viraram as costas. Diversos requerimentos e propostas de resolução nos parlamentos nacional e europeu foram apresentados pelos deputados comunistas. Visitas de solidariedade com os trabalhadores – antes, durante e depois de serem afectados pelo desemprego – fazem também parte da prática dos eleitos do PCP. Sintomática foi a apresentação do projecto-de-lei tendente a moralizar o investimento estrangeiro em Portugal, com regras concretas. «Elogiada» por todas as forças políticas, a proposta foi, no entanto, chumbada.
Alguns concelhos foram particularmente afectados. À cabeça surge Castelo de Paiva, onde até Fevereiro funcionava o gigante do calçado CJ Clarks, que empregava mais de 900 pessoas. Entre Março de 2002 e Março de 2003, o desemprego neste concelho aumentou 91 por cento. Noutros concelhos, como Anadia, Santa Maria da Feira e São João da Madeira, este crescimento ronda os 50 por cento.
As mulheres são as mais afectadas. Dos 24 467 desempregados registados em Abril, 14 970 (61,18 por cento) são mulheres. O coordenador da União de Sindicatos explica esse facto por ser nos sectores dos têxteis e calçado – com mão-de-obra essencialmente feminina – que o desemprego mais se fez sentir.
No distrito de Aveiro, entre Dezembro e Abril – últimos dados oficiais divulgados – mais de mil trabalhadores perderam, por mês, o emprego. Nos últimos meses, porém, o ritmo de crescimento abrandou. Para Joaquim Almeida, tal não se deve à criação de alternativas de emprego. «A razão essencial é não ter havido encerramentos de empresas em Março e Abril», afirma. Mas há outras. Segundo o coordenador da União dos Sindicatos, «aperta-se o espaço para as “rescisões por mútuo acordo”».
Na Phillips de Ovar, conta Joaquim Almeida, depois de uma vaga de «rescisões» ter empurrado para o desemprego centenas de trabalhadores – na sua maioria mulheres perto de atingir a idade de reforma – está a sentir-se agora mais dificuldades em prosseguir com os despedimentos. «Agora o que há é trabalhadoras novas, que já não estão nessa situação e que, por isso, resistem», destaca o sindicalista. Mas as pressões existem. E são tais que as trabalhadoras fizeram uma manifestação, das instalações da fábrica até à Câmara Municipal, com uma única reivindicação, inédita em Portugal: o fim das pressões para rescindir.
Situações dramáticas
Joaquim Almeida destaca que são as rescisões – e não os encerramentos – as grandes responsáveis pelo crescimento do desemprego em Aveiro. «As pessoas são levadas a pensar o contrário porque quando fecha uma empresa a comunicação social aparece em peso», afirma. Num estudo feito recentemente, a União dos Sindicatos concluiu que eram cinco mil os trabalhadores despedidos em consequência de encerramentos de empresas, entre 2000 e Fevereiro de 2003. «E nós estamos a falar de um universo de 25 mil desempregados», lembra o dirigente sindical.
O apregoado «oásis» era, afinal, uma miragem. Na verdade, sempre foi. Apesar de ter mantido, até há bem pouco tempo, taxas de desemprego relativamente reduzidas, os trabalhadores do distrito de Aveiro debateram-se sempre com sérias dificuldades, que agora vêem brutalmente agravadas. Os salários baixos e os elevados ritmos de trabalho e exploração sempre fizeram – e ainda fazem! – parte do quotidiano. Em 2002, o índice de poder de compra do distrito de Aveiro situava-se em 83 por cento da média nacional. Em Castelo de Paiva, por exemplo, ficava-se pelos 52 por cento. E isto antes do encerramento da Clarks, que ocorreu no início deste ano. Em Arouca, era mesmo inferior. Acima da média, apenas Aveiro, Espinho e São João da Madeira.
«Temos estado a falar de números, mas por trás desses números há situações muito difíceis, mesmo dramáticas», afirmou Joaquim Almeida, referindo-se a casos em que os trabalhadores e as suas famílias se debatem com sérias dificuldades de sobrevivência, com elevado recurso ao crédito.
As dívidas aos trabalhadores despedidos na sequência dos encerramentos é outro dos problemas a contribuir para as situações mais difíceis. Muitos há que nunca viram cumpridos os seus direitos. Algumas empresas encerradas funcionavam em instalações alugadas com máquinas compradas em leasing. Uma vez fechadas, nada revertia para os trabalhadores. Noutros casos, após férias forçadas, tudo desaparecia das instalações: máquinas e matéria prima. Para os verdadeiros criadores da riqueza, não fica nada.
Voltando aos números, em oito sectores industriais (metalúrgico, calçado, cerâmica, madeiras, indústrias eléctricas, cortiça, têxtil e químico), nos 1446 processos apresentados em Tribunal pelos respectivos sindicatos, a dívida ascende a mais de 14 milhões de euros. Mas como o número de trabalhadores dessas 74 empresas era de 3 800 – e não de 1446 –, estima-se que as dívidas por encerramento ascenda aos 37 milhões de euros, a que é necessário ainda somar 492 mil euros de salários em atraso.
Fazer o mesmo noutro lado
Muitas são as razões apresentadas pelos que tentam, a esforço, justificar as deslocalizações das grandes multinacionais. Para os ministros Bagão Félix e Carlos Tavares, que ocupam respectivamente as pastas do Trabalho e da Economia, estas são «profiláticas» e «normais».
Joaquim Almeida, coordenador da União dos Sindicatos de Aveiro, discorda e adianta o que considera serem as reais motivações das empresas. Na sua opinião, o seu objectivo é a instalação nos países que entram no próximo ano para a União Europeia. Aí beneficiarão de avultados benefícios, oriundos dos fundos comunitários.
Foi isto que aconteceu em Portugal há uns anos. «Havia apoios comunitários, apoios do Estado português e apoios locais», lembra o dirigente sindical. Agora, afirma, vão para os países do alargamento fazer a mesma coisa. «Só assim se explica a sua saída de um país de baixos salários e com altíssimos índices de produtividade», considera.
PCP tem propostas
O distrito de Aveiro, composto por mão-de-obra maioritariamente operária (segundo dados oficiais de 2001, cerca de 52 por cento dos trabalhadores estava empregado no sector secundário), tem imensas potencialidades. Segundo as conclusões da 5.ª Assembleia Regional de Aveiro do PCP, realizada em Maio, a centralidade da região é um dos seus grandes trunfos. Mas o constante adiamento de obras «da maior importância impede que se tire partido dessa realidade», lamenta o PCP.
A existência de uma mão-de-obra jovem, com um bom nível de escolarização e apta a ganhar competências no uso das novas tecnologias, e a existência da Universidade de Aveiro poderiam surgir também como estímulo ao desenvolvimento do distrito, nomeadamente no que se refere à instalação de indústrias de alta complexidade tecnológica e trabalho qualificado.
Mas o que aconteceu foi exactamente o oposto. Ao longo dos anos, o investimento privado no distrito assentou em dois pilares: a procura de apoios públicos que implicassem o menor esforço financeiro às empresas, aliada à «procura de mão-de-obra barata, pouco reivindicativa, com capacidade de adaptação e sem outras alternativas de emprego», concluíram os comunistas da região.
Encontradas estas condições, as empresas instalaram-se, fazendo do distrito de Aveiro uma região de grande concentração de indústria de mão-de-obra intensiva, pouco qualificada. A maioria dos trabalhadores, destaca a resolução, «não tem trabalho em condições de liberdade, de equidade, de segurança e de dignidade, como define a OIT, Organização Internacional do Trabalho».
Nos últimos tempos, confrontados com a desumana perspectiva do desemprego, os trabalhadores do distrito lutaram em defesa dos seus postos de trabalho. Mobilizados e apoiados pelo movimento sindical unitário, os trabalhadores encontraram no PCP um forte aliado. Se, nos casos mais trágicos, como o encerramento da Clarks, membros das várias forças políticas estiveram junto dos trabalhadores, foram os comunistas os únicos a dar continuidade a esse trabalho. Os outros viraram as costas. Diversos requerimentos e propostas de resolução nos parlamentos nacional e europeu foram apresentados pelos deputados comunistas. Visitas de solidariedade com os trabalhadores – antes, durante e depois de serem afectados pelo desemprego – fazem também parte da prática dos eleitos do PCP. Sintomática foi a apresentação do projecto-de-lei tendente a moralizar o investimento estrangeiro em Portugal, com regras concretas. «Elogiada» por todas as forças políticas, a proposta foi, no entanto, chumbada.