Cheque-mate politicamente careca

Aurélio Santos
Há leis tão iníquas que revelam explicitamente má consciência do legislador. E que, se alguém as tomasse a sério, provocariam um ataque de riso nacional.
A nova Lei de Financiamento dos partidos, agora em tempo de espera para promulgação, entra nesse rol.

Então não é que agora, segundo a lei, se um militante pretende pagar as cotas ou dar uma contribuição ao seu partido, só o pode fazer por cheque ou transferência bancária? Então não é que essa lei pretende integrar a Festa do "Avante!" e as suas receitas na limitação geral dos 125.000 contos anuais que a cada partido são permitidos para angariação de fundos? E não é curioso ver como os proclamados arautos da “sociedade civil” pretendem coarctar a iniciativa política dos cidadãos e colocar os partidos na dependência da mesa do Orçamento?
As leis devem ser feitas para ser cumpridas. Mas o cidadão comum tem que acreditar na sua justeza para sentir o dever de as cumprir. Desde tempos imemoriais que isto é sabido. Platão (em “A República”) explicava porquê. E Demócrito, muito antes dele, quando disse que “o direito é uma força”, referia-se ao direito de negar leis injustas. Parece que o legislador (ou dores) não presta muita atenção à filosofia, ou, como mais modernamente se diz, à antropologia do direito. É que o Zé Povinho, quando acha que a lei é demasiado injusta, simplesmente a ignora.
Não é difícil concluir que, com esta lei, de objectivos politicamente carecas, se pretende expropriar o direito à liberdade e à iniciativa de um partido político que baseia o seu financiamento num amplo apoio popular e de que os “bem instalados” têm um medo visceral. Porque o PCP recolhe fundos e vive deles. Porque o PCP deve a oportunidade das suas realizações políticas à dedicação dos seus militantes e simpatizantes - que em geral não são dos que andam com livros de cheques no bolso. E, sem dúvida, porque o PCP é o único partido capaz de erguer uma realização como a Festa do “Avante!”, levada a cabo com milhares de braços que, desde 1976, erguem uma cidadania político-cultural onde impera o convívio solidário, a amizade e uma alegria tão espontânea e contagiante que põe em cada face um sorriso.
E ainda por cima o PCP é o único partido que apresenta ao Tribunal Constitucional contas consolidadas, abrangendo toda a sua actividades à escala nacional. Todos os outros, menos o PCP, têm sido sancionados pelo TC por violação da lei de financiamento em vigor.
Esta lei merece uma séria sentença condenatória.
Com que fundamentação, por exemplo, se limita agora a livre angariação pública de fundos e se confina o financiamento dos partidos, no fundamental, a subsídios do Estado (mais os financiamentos ocultos de uso em outros partidos)?
...O rei Salomão, o das sentenças salomónicas da Bíblia, que encontrei vagueando a meditar no Fórum Social do passado fim de semana, confiou-me que se fosse presidente sentenciaria que com a sua espada cortassem esta lei não ao meio, mas em bocadinhos. Sentença à altura da famosa justiça de Salomão.


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