Vergonha
Raras vezes uma guerra terá sido iniciada perante um descrédito tão completo dos seus responsáveis. As mentiras permanentes e sucessivas, a falsificação de documentos e argumentos, os permanentes ziguezagues nas explicações «oficiais» quanto às razões e objectivos da guerra, o total desrespeito pela Carta da ONU e o Direito Internacional, resultam de um problema de fundo. É que é inconfessável o objectivo real desta guerra: a dominação colonial dos recursos energéticos do planeta, ao serviço duma estratégia de dominação mundial por parte do imperialismo norte-americano.
Esta estratégia de dominação planetária, que muitos tiveram dificuldade em compreender e aceitar durante as anteriores guerras de agressão do imperialismo (Guerra do Golfo, Jugoslávia, Afeganistão), tornou-se agora uma evidência para milhões de seres humanos. A extraordinária oposição de massas contra a agressão ao Iraque, ainda antes do seu começo, reflecte essa tomada de consciência, e por sua vez agudizou todas as contradições e dificuldades para os senhores da guerra. Este gigantesco movimento de protesto está já a marcar a situação mundial e as suas perspectivas. Como também acontece com a explosão pública dessa outra realidade: as crescentes clivagens e rivalidades entre potências capitalistas. Ao longo dos últimos anos haviam-se manifestado de forma intensa, mas discreta: nas chancelarias, em reuniões internacionais, em guerras comerciais, ou nos conflitos em países disputados por essas potências. Em público, predominava uma solidariedade de classe belicista. Mas a escalada e arrogância unilaterais do governo Bush conduziram aos embates públicos em torno duma questão de capital importância. Quem ouviu as referências de Bush (na Conferência de Imprensa das Lajes) ou dos ministros britânicos (no início desta semana) à França, compreende que se desenha um «ajuste de contas» do imperialismo norte-americano e seus poodles com aqueles que se atreveram a atravessar-se no seu caminho.
O Mundo vive já uma crise histórica. A crise económica do capitalismo é uma realidade incontornável. A crise política e militar gerada pela ofensiva global do imperialismo norte-americano ainda vai no início. Ainda antes do começo desta guerra já se anunciam publicamente os próximos alvos: Coreia do Norte, Irão, Síria. Outros alvos, maiores, estão também na mira. O campeão mundial do desrespeito por resoluções da ONU, Israel, prossegue impunemente um massacre diário que assume os contornos de um genocídio e de uma limpeza étnica. As Nações Unidas são humilhadas. Até o mais ferranho dos «europeistas» tem de confessar que o futuro da União Europeia é hoje uma incógnita. Por todo o lado, afirma-se a linguagem natural do imperialismo: a força.
É neste contexto que o Governo PSD/PP humilha Portugal ao acolher a Cimeira da Guerra em solo nacional. Após a II Guerra Mundial, a Comissão para o Direito Internacional da ONU formulou os princípios legais saídos do Julgamento de Nuremberga. Considerou como crimes puníveis ao abrigo do Direito Internacional os «crimes contra a Paz: (i) planificação, preparação, desencadeamento ou condução de uma guerra de agressão ou uma guerra em violação dos Tratados, acordos ou garantias internacionais; (ii) a participação num plano conjunto ou conspiração visando concretizar qualquer das acções referidas em (i)». Os protagonistas da reunião das Lajes, entre os quais o Primeiro Ministro de Portugal, entraram para a História como responsáveis directos de um crime contra a Paz. Para vergonha do nosso País. Cabe agora aos trabalhadores e ao povo português mostrar, com a sua luta, que Portugal não apoia as guerras imperialistas. Nos próximos dias os portugueses sairão à rua. Pela Paz e em defesa da nossa dignidade perante o Mundo.