Um tema ridículo?

Aurélio Santos

No passado dia 14, o Presidente da República considerou «um tema ridículo» as referências à existência de divergências institucionais entre a Presidência e o Governo quanto à intervenção militar no Iraque. Manifestando alguma irritação, o Chefe de Estado, nessa ocasião, fez também apelo a que «se fale no assunto com mais cuidado, pois os próximos dias serão decisivos».

Os factos têm vindo a comprovar a veracidade dessas afirmações. E exigem, também, de cada cidadão, apreciação crítica dos que, pelas suas funções, têm especiais responsabilidades de intervenção, atempada, em acontecimentos que põem em causa o país e o mundo.

Dificilmente, por exemplo, se poderia manter a contenção recomendada pelo PR ao ver, no passado domingo, a ridícula posição do 1.º Ministro ao sentar-se (sem qualquer manifestação de divergência institucional) atrás do que foi justificadamente chamado «o triunvirato da guerra», associando Portugal à declaração final da cimeira que terminou com um ultimato à ONU e o anúncio de uma acção militar unilateral contra o Iraque à margem das Nações Unidas.

Em declarações anteriores o PR dissera que «o recurso a uma intervenção militar contra o Iraque sem o mandato do Conselho de Segurança da ONU será ferida de ilegitimidade e porá em grave risco o ordenamento jurídico elaborado no após-guerra». Mas, dias depois, o PM declarava em Bruxelas que Portugal «não se manteria neutral» e apoiaria os USA, mesmo em caso de intervenção sem o apoio da ONU. Comentando estas declarações, o constitucionalista Jorge Miranda lembrava que «o PR tem competências específicas em matéria de política externa, tem até o poder de declarar a guerra». Mas, após um encontro e almoço do PM com o PR, o Diário de Notícias dizia ter «apurado de fontes governativas» que ambos se entenderam quanto à utilização da Base das Lages pelos USA. E, também, que o PR não se oporia ao apoio do governo a uma acção militar unilateral contra o Iraque - desde que nela não participassem soldados portugueses. Será que essa ausência de tropas portuguesas legitima a intervenção armada à margem da ONU? É certo que não há «declarações de guerra» - como não houve na Sérvia e no Afeganistão. Já não se usa...

Em face disto, não seria legítimo os portugueses concluírem não haver de facto conflito nas instituições da República? Haveria apenas algumas divergências... O próprio PR afirmou ter sido sempre regularmente informado das posições do governo e considerou que "o país enriquece com as diferenças de opinião".

Mas, em questões de tanta gravidade, diferenças de opinião não são tema ridículo. São questões de fundo, que exigem afrontamento corajoso e firme, para travar a tempo os que estão a pôr em causa o país e o mundo.



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